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Leia na Fonte: Intervozes
[20/01/16]
Governo corre contra o tempo para ajudar acionistas da Oi - por Gustavo
Gindre*
*Gustavo Gindre é integrante do Intervozes.
O futuro das telecomunicações no Brasil não pode ser traçado de forma a atender
as demandas privadas de um grupo de sócios da empresa Oi.
A corrida do governo federal para mudar a Lei Geral de Telecomunicações (LGT)
parece ter uma única justificativa: ajudar os acionistas da Oi a se salvarem de
uma depreciação vertiginosa do valor da empresa e de sanções por parte de seus
credores.
A história da empresa poderia ser contada nas páginas policias, a começar pelo
consórcio que participou do processo de privatização e constituiu a Telemar,
chamado pelo então ministro Mendonça de Barros de “rataiada”. Desde seu
surgimento, a Telemar teve como principais acionistas a Previ, o BNDES e o
Petros, mas todos concordaram em não participar da gestão da empresa, cedendo o
controle para dois sócios privados: a Andrade Gutierrez e o Grupo La Fonte (de
propriedade de Carlos Jereissati, irmão do senador tucano Tasso Jereissati).
A compra da Brasil Telecom pela Telemar foi outro caso de polícia, envolvendo
uma suspeitíssima alteração do Plano Geral de Outorgas (PGO), mediante decreto
presidencial e negócios escusos com Daniel Dantas. Houve ainda a troca das
obrigações com os postos de serviço telefônicos pela instalação de backhauls de
acesso à internet que na prática tornou ainda mais difícil definir quais serão
os bens reversíveis à União quando do fim do contrato de concessão.
Mas a Oi se envolveu também em escândalos do outro lado do Atlântico, a exemplo
da malfadada fusão com a Portugal Telecom, que terminou na venda desta última e
na abertura de vários processos na justiça portuguesa.
A situação atual
Com um conjunto de negociatas e uma boa dose de má gestão, a Oi é hoje uma
empresa praticamente inviável. Dona de uma infraestrutura envelhecida, com cabos
de cobre cobrindo boa parte do seu acesso ao usuário final, a Oi carrega nas
costas as obrigações de universalização previstas na Lei Geral de
Telecomunicações (LGT) em todo o País, exceto justamente o mercado mais
lucrativo (São Paulo).
Montada numa dívida impagável, a empresa foi se desfazendo de bens estratégicos,
como seus cabos submarinos (vendidos ao BTG-Pactual), suas antenas de telefonia
celular, o provedor de acesso iG e a empresa de telemarketing Contax, além de
ter arrendado (já que por lei não pode vendê-las) as antenas que servem à
telefonia fixa.
Para serem vendidas, restaram apenas as participações que eram da Portugal
Telecom em operadoras de telecomunicações na Namíbia, Moçambique, Cabo Verde,
São Tomé e Angola, quase todas envolvidas em disputas judiciais com seus sócios
locais.
Depois de apostar na fusão da Oi com a Portugal Telecom, os investidores parecem
cansados de acreditar na direção da empresa e a punem com uma vigorosa perda de
valor. No final de 2015, a Oi valia na Bovespa 1,91 bilhão de reais, enquanto a
Telefonica (Vivo + GVT) valia 59,44 bilhões de reais.
Para tentar saldar suas dívidas, a Oi vem diminuindo drasticamente seus
investimentos em bens de capital (Capex). Em 2015, o Capex foi 26% inferior ao
de 2014, que já não era alto. Mesmo assim, suas dívidas ultrapassam os 30
bilhões de reais.
Covenants financeiros
A situação da Oi fica ainda mais complicada quando se entende os acordos de
covenant financeiros. A empresa assinou acordos com credores em que se
comprometia a manter sua dívida em no máximo 4 vezes o valor do Ebitida (lucros
antes de juros, impostos, depreciação e amortização, na sigla em inglês) do ano.
No início de 2015, os credores aceitaram aumentar temporariamente esse limite
para 6 vezes, até o fim do ano.
No entanto, a Oi não consegue reduzir sua dívida. No final do terceiro trimestre
de 2015, a dívida correspondia a 5,7 vezes o Ebitida. Em abril de 2016, quando a
Oi divulgar o resultado do primeiro trimestre do ano, ficará evidente que ela
descumpriu os acordos de covenants financeiros e não conseguiu reduzir sua
dívida para até quatro vezes o Ebitida. Com isso, a empresa se expõe a ser
processada pelos credores insatisfeitos.
Preocupados com sua exposição às dívidas da Oi, bancos como Itaú, Bradesco e
Santander passaram também a pressionar o governo para encontrar uma solução para
a empresa. Com isso, criou-se uma corrida contra o tempo para evitar que a
empresa seja processada e perca ainda mais valor de mercado. Como sempre ocorre
no Brasil, é o Estado que terá que arcar com o ônus.
André Esteves e o amigo de Putin
Em uma de suas iniciativas antes de ir parar na cadeia, o banqueiro André
Esteves construiu uma operação para tentar salvar a pele dos acionistas e
credores da Oi. Ela parte do pressuposto correto de que Oi e TIM possuem
desvantagens competitivas frente à Telefonica e à Embratel (Claro + NET). Uma
fusão entre as duas poderia gerar uma gigante capaz de competir com espanhóis e
mexicanos.
Mas a fusão também poderia ser um abraço de afogado na italiana TIM, que
passaria a carregar as pesadas dívidas da Oi. A solução foi encontrar um
oligarca russo (Mikhail Fridman), que enriqueceu fazendo negócios à sombra do
Estado, disposto a investir cerca de 4 bilhões de euros na empresa a ser criada
após a fusão.
Os italianos seguem relutantes em aceitar o acordo. Primeiro, porque a entrada
do russo pode diluir a participação da TIM na nova empresa. Segundo porque o
dinheiro russo pode dar uma sobrevida, mas não resolve o problema de uma empresa
endividada e com uma infraestrutura sucateada.
Nas negociações, os italianos passaram a exigir que a nova empresa não carregue
mais as atuais obrigações legais de universalização da telefonia fixa que estão
sobre os ombros da Oi. E é aqui que entra o governo e sua pressa para mudar a
LGT e rever o atual conceito de serviço prestado em regime público (e, portanto,
com regras de universalização).
A pressa se explica pelo medo de que a Oi venha a perder ainda mais valor de
mercado e o negócio com italianos e russos não se concretize. Para piorar, o
câmbio passou a jogar contra a Oi, que tem dívidas em moedas fortes (embora seja
justo acreditar que boa parte esteja protegida por acordos de hedge), mas fatura
em reais.
Futuro
De fato, é necessário mudar a Lei Geral de Telecomunicações, que está baseada em
pressupostos equivocados ou que foram ultrapassados pelo desenvolvimento
tecnológico. Mas uma mudança na LGT feita simplesmente para atender ao pleito de
acionistas e credores da Oi pode ser duplamente desvantajosa para o Estado
brasileiro.
Primeiro, privará a União dos bens reversíveis, que deverão voltar ao Estado em
2015 e que totalizam algumas dezenas de bilhões de reais. Segundo, impede
justamente que o Estado venha a assumir a prestação do serviço de telefonia
fixa, caso a operação da Oi se mostre inviável (uma opção cada vez mais
plausível).
O debate sobre o futuro das telecomunicações no Brasil não pode ser feito a
toque de caixa (como o governo parece preferir) e de forma a atender as demandas
privadas de um grupo de acionistas e credores, mas deve levar em conta o
conjunto dos interesses da sociedade civil.
Não é mais aceitável que a história da Oi seja feita de casuísmos à sombra do
Estado, com acordos escusos que até hoje carecem de investigação mais rigorosa.