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Leia na Fonte: Teletime
[31/10/18]
Bens reversíveis precisam de solução legal, diz Quadros
(Entrevista) - por Samuel Possebon
Pouco mais de dois anos depois de assumir a presidência da Anatel, Juarez
Quadros prepara a sua despedida da agência no próximo dia 4 de novembro. Quadros
já havia sido ministro e secretário do antigo Ministério das Comunicações, além
de dirigente de empresas do Sistema Telebras. Sua curta passagem pela Anatel,
contudo, deixou algumas marcas. Foi o presidente que lidou com algumas das
questões mais críticas dos últimos anos, como
- o processo de recuperação da Oi e o TAC da Telefônica,
- o desligamento da TV analógica para dar espaço à expansão da 4G,
- uma aceleração do processo de perda de base em diferentes serviços pela crise
e
- o impasse monstruoso na discussão de um novo modelo.
Ao mesmo tempo, destacou-se pelo esforço de recomposição do orçamento da agência
depois de um quadro de penúria no ano passado em que os serviços essenciais como
fiscalização e atendimento ao consumidor quase foram suspensos.
Nesta entrevista, quadros faz uma avaliação de seu mandato e deixa algumas
recomendações para o futuro da Anatel. Ele mostra especial preocupação com a
falta de uma solução legal para a questão dos bens reversíveis, uma revisão dos
processos internos da agência para dar mais agilidade, a necessidade de
vigilância em relação a interferências políticas e a utilização de mecanismos
mais flexíveis de implantação de políticas públicas, como foi a EAD no caso da
TV digital.
Confira a íntegra da entrevista.
Em sua passagem na Anatel, havia a expectativa de desenrolar algumas questões
mais rapidamente, como o cap de frequências, entre outras. Por que isso não foi
possível?
O rito processual na agência precisa ser agilizado. Aliás, a palavra agilidade
nesse momento digital deveria ser observada. O modelo que a agência utiliza
precisa de revisão. Os processos passam por muitas etapas, vão e voltam, os
gabinetes acabam fazendo retrabalhos… Discordo e oriento o meu gabinete a não
refazer nada. Se precisa mudar, manda de volta à área técnica para uma
diligência ou à procuradoria. Cada gabinete tem uma rotina diferente e isso
muitas vezes provoca demora.
Isso não mostra um certo distanciamento do corpo técnico da agência e do
conselho diretor?
Eu entendo que na minha gestão tentamos reduzir essa questão, fazer com que
fosse eliminada, mas ainda falta algum esforço nesse sentido.
Houve alguma questão que você gostaria de ter entregado na sua gestão e não
vai conseguir?
O que falta é o que depende de leis e decretos. Não podemos nos antecipar em
fazer resoluções por conta de regras futuras. Na hora que faltam leis e decretos
há um problema. Fizemos isso uma vez, quando aprovamos o PGMU e o PGO, que
acabou não acontecendo. Mas o PGMU foi feito por conta do PLC 79, que acabou não
saindo e ficou capenga. A expectativa era de ter o novo marco. Não digo que
tenha sido um erro, mas uma ousadia de tentar correr com a coisa e depois não
deu para voltar. Eu prego que haja a antecipação regulatória, mas é preciso que
haja políticas, seja na forma de lei ou em decretos do Executivo. Mas, de fato,
faltou dar mais agilidade à agência, sobretudo para o mundo digital. A Anatel
precisava se antecipar, não ficar a reboque.
A agência optou por esperar o PLC 79, mas havia uma discussão prévia, e o
senhor mesmo era partidário dessa ideia, de que seria possível reformar parte do
modelo por decreto.
Foi uma discussão ainda no governo anterior, mas haveria a necessidade ao menos
de um decreto. Não bastaria um ato normativo da agência. Até se tentou isso, mas
houve uma decisão do ministro à época, e um entendimento do Congresso, de que
seria necessário alterar a LGT. Mas meu entendimento é que a Lei Geral permite,
dá essa sustentação legal. Mas houve um medo político de não enfrentar o
Congresso. Não vejo, qualquer que seja a composição do Poder Executivo, essa
coragem de usar a lei atual e buscar esta solução. Mas seria possível (reformar
o modelo sem uma mudança de lei).
Como avalia a relação com os órgãos de controle durante a sua gestão? Houve
muitas interferências. Isso atrapalhou a agilidade da agência?
Eu tenho relacionamento com eles desde os anos 70, quando me tornei gestor.
Nunca tive dificuldades com os órgãos de controle. Conduzi o processo de
licitação da banda B, por exemplo, e interagíamos constantemente, o processo foi
aprovado. A mesma coisa no processo de privatização da Telebras. Fui eu que fiz
a interação com o TCU e no final recebemos elogios de que o processo havia sido
perfeito, aprovado por unanimidade. As contas da Anatel em 2017 estão aprovadas
pela CGU sem ressalvas e agora seguem para o TCU. O processo de recuperação
judicial da OI, onde tivemos que votar contra pela questão do tratamento dos
créditos públicos, a área técnica que acompanha esse processo já entendeu que
tudo o que fizemos foi correto e vai agora para a ministra Ana Arraes. Não tenho
medo dos órgãos de controle, mas não deixo de negociar, interagir. Os processos
estão quase todos públicos e abertos, pelo menos da nossa parte.
Esse cuidado atrasou alguma coisa ou comprometeu as decisões?
Não diria que atrasou, mas requereu mais atenção. Eu orientei a área técnica
para evitar o confronto. "Vai lá, negocia, escuta, volta aqui". As inovações
precisam ter segurança em relação aos aspectos legais justamente para evitar o
confronto com os órgãos de controle.
O TAC da Telefônica foi um episódio emblemático da sua gestão, pela força que
a Anatel fez inicialmente para aprovar o TAC, especialmente o senhor, e depois o
TAC não saiu, com o seu voto inclusive. O que deu errado?
O TAC é uma ferramenta deveras importante para evitar que os recursos oriundos
de multas caiam no tesouro e não sejam revertidos em favor do consumidor. Mas é
preciso olhar o contexto. No caso da Oi eles estavam no meio da recuperação
judicial e seria complicado aceitar porque corria-se o riso de perdoar uma
dívida que poderia não ser paga. O TAC da Telefônica tinha seus méritos, mas
começaram a aparecer os problemas. A mancha coberta (pela proposta) não tinha
ninguém, mas começaram a aparecer os pequenos provedores que estavam ali. Eles
não tinham interesse em aparecer antes, mas com o TAC eles se manifestaram.
Quando houve a ameaça de um competidor, eles se revelaram. A Anatel estava
navegando às cegas. Agora eles estão aí, mais de 5 mil ISPs. No mérito o TAC
ficou injustificável e a empresa teve dificuldades de ceder àquilo que a área
técnica da Anatel estava propondo. Acabou não prosperando, o que é uma pena pelo
valor bilionário. Talvez o modelo não estivesse muito bem elaborado.
O senhor foi muito crítico ao longo da sua gestão sobre a questão dos fundos
setoriais. Parece haver alguma solução para isso?
Vejo uma falta de vontade das autoridades constituídas, não do regulador, de dar
uma solução para o problema. Não dá para haver uma dissonância entre Executivo e
Legislativo, porque há vários projetos sobre isso no Congresso. Não é um
problema deste governo, eu vivi isso quando estava no ministério. Quantas vezes
a área econômica barrou a área setorial? Desonera, diminui a arrecadação,
prejudica o superávit… Eu como ministro e secretário executivo tive que fazer
recuos. E quando se prospera no Legislativo o próprio Executivo obstrui. Em
outros momentos falta vontade política, falta de tempo, desvio de interesse,
tudo acaba prejudicando o uso dos fundos de que o país tanto precisa. Parece que
o assunto não é relevante.
O setor é visto de maneira irrelevante por que?
Não é dada a devida importância, ou porque não conhecem, ou não querem dar. O
setor de telecom investe R$ 30 bilhões por ano, então parece que está bem, que
está no piloto automático. Mas não é bem assim. O empenho que eu vi nos anos 95,
96 e 97 eu nunca mais vi, com reuniões ministeriais e todos discutindo o modelo
até chegar a uma convergência, e depois indo ao Legislativo. Primeiro com a
emenda constitucional, depois a Lei Mínima e finalmente a Lei Geral. Tudo
desenhado, planejado. Foi uma época em que houve convergência em torno de um
modelo, mas nunca mais vi isso.
Esta revisão de modelo deveria ter acontecido antes?
O que estamos vivendo agora tem uma defasagem terrível. Perdeu-se tempo, não por
culpa deste governo, tratando-se de questões pontuais sem ver o estratégico.
Administrar crises apenas não resolve o problema.
Ainda há tempo de resolver essa defasagem antes de entrarmos no ciclo de
encerramento das concessões? Só a Anatel teria pelo menos dois anos de trabalho
pela frente…
Antes tarde do que nunca. Já estamos quase em 2019 e as concessões vão vencer.
Ainda há tempo para trabalhar, mas deixar isso para os últimos cinco anos é
complicado. Até porque o serviço já não é mais o que a sociedade quer, no
conceito de uma economia disruptiva. O que pode acabar acontecendo é que tudo
passará a ser autorregulado pelo mercado, porque não se tem as diretrizes e as
políticas adequadas. O mercado não espera, ele inova, sem esperar o Estado. Foi
o que aconteceu com o ambiente dos serviços OTT, que já estão consolidados a
esta altura.
O melhor caso de sucesso na implantação de uma política na sua gestão talvez
seja a transição da TV digital. Qual a sua avaliação?
Foi um caso que deu certo, pelo envolvimento e compromisso dos diferentes atores
em entender o que era a coisa. Eu cheguei depois que o conselheiro Rodrigo
Zerbone (ex-presidente do Gired) já havia iniciado esse esforço de conciliação,
e o edital foi muito bem elaborado e teve a concordância do TCU. Eu até diria
que esse é um modelo a ser adotado para outros negócios, para levar uma solução
para a questão da conectividade, por exemplo. É um recurso público que está
sendo bem administrado. O importante é não perder o controle da situação. Vejo
como um modelo que poderia ser adotado. Fazer entidades similares à EAD com a
função de administrar recursos de natureza pública para políticas específicas.
Inclusive para a gestão dos fundos setoriais, como a Anatel inclusive sugeriu
na consulta sobre o novo Plano Geral de Outorgas, em 2016?
É como é nos EUA, em que o fundo de universalização de telecom é há muito tempo
administrado por uma entidade privada. Tem que levar banda larga na escola ela
leva, num hospital. Não é exatamente como a EAD, mas é um modelo conhecido já.
Nas próximas licitações que a Anatel for fazer, 5G por exemplo, vamos pensar
nesse sentido? É uma questão de definir o objeto. Na TV, foi uma política
social, de inclusão social.
Na sua questão houve alguns atritos com o MCTIC em questões específicas. Uma
delas foi o Plano Geral de Metas de Universalização. Qual foi o problema?
Nesse caso o problema é que está se tentando resolver um problema criando outro.
Já vivemos isso no caso do backhaul e a minha avaliação é que isso poderá se
repetir (com a proposta de aplicar os saldos em 4G). Nós não temos autonomia de
voo, nem o ministério, para responder aos questionamentos que virão por parte da
sociedade civil, pelas próprias operadoras, que temem o efeito de contágio, em
que temos uma rede multisserviços sobreposta às redes dedicadas ao serviço em
regime público. A rede 4G incluída no PGMU correria este risco.
A Anatel vai conseguir resolver o impasse de entendimento e valoração da
questão dos bens reversíveis?
Se não houver uma definição de ordem legal e uma definição do que é bem
reversível, todos os atos tentados de forma infralegal serão perecíveis. Não
adianta uma portaria do ministro ou um decreto, muito menos uma resolução da
Anatel, para tentar definir o que é bem reversível. Esta matéria é muito
complexa e entendo que o ideal é que uma lei resolva o impasse.
O que está no PLC 79/2016 atende?
A Lei Geral não definiu bem isso, o PLC 79 meio que repete o que está na LGT. O
conceito é muito mais amplo, isolado em termos internacionais, porque só nós
temos isso, e se não houver uma decisão maior, todos os atos ficam frágeis. Isso
prejudica o setor todo. Eu pessoalmente sou favorável à teoria funcional, mas
sou uma andorinha a tentar fazer verão. Não vejo de maneira prática a resolução
do problema com o que temos no arcabouço legal. Seja pela tese funcional ou
patrimonial. Eu teria muita dificuldade de propor. Até nos órgãos de controle há
interpretações divergentes. É preciso uma definição legal bem clara com o fim da
disputa de posições, teses etc. Temos insegurança, e se for para a esfera
Judicial, coitados dos juízes.
Essa é a questão mais crítica da agência?
Ela precisa disse resolvido, mas não é uma questão da agência resolver. É
preciso vir de cima, de uma lei. De quem vai ser a iniciativa? Estou lançando
essa ideia porque senti o problema. Estou tentando harmonizar as posições dentro
do conselho, como é minha tarefa. Não tem sido fácil, e com duas empresas
concessionárias com problemas, seja pela recuperação judicial, seja pela
iminência da caducidade, complica.
Que tipo de divergências existem?
Por exemplo, a tese da despatrimonialização que a Procuradoria Federal
Especializada da AGU junto à Anatel trouxe. Eu tenho comungado com ela,
inclusive antecipei um voto na última reunião do conselho sobre isso. Ainda que
o bem não esteja na relação de bens reversíveis, que seja apenas um terreno
vazio, a empresa está em dificuldade, então a alienação pode prejudicar a
companhia em sua operação, porque o caixa vai ser usado para pagar dívida. A
alienação afeta o patrimônio e isso pode prejudicar o esforço de venda da
empresa, caso seja necessário.
Qual seu maior orgulho durante a sua gestão?
Eu encontrei um quadro de pessoal fabuloso, um pessoal que vem sendo concursado
e trabalhado. Mas faltava recursos. Não basta dizer que quer a agência forte, é
preciso ir atrás de recursos, e foi o que eu fiz, usando o Tribunal de Contas e
a Lei do Fistel, que é clara ao determinar que não haja restrição do uso do
fundo para o custeio. Fomos apoiados pelo TCU que em seu acórdão reconheceu
isso, e certamente sem este acórdão a área econômica não nos contemplaria com o
orçamento necessário. O congresso nunca desrespeitou o orçamento encaminhado. O
corte era na área ministerial e depois na área econômica, e depois vinha do
Congresso e contingenciava. Isso não aconteceu este ano e espero que não
aconteça em 2019. Hoje não faltam recursos para capacitação, fiscalização,
diárias para trabalhos em campo, estamos participando dos eventos internacionais
relevantes. Foi o que foi possível fazer para ela voltar a ser fortalecida.
Existe o risco de interferências políticas na Anatel?
A agência não está blindada. Vai depender muito da autoridade presidencial não
permitir que isso ocorra. A agência é de Estado.