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[22/03/19]  Consultor do Senado sugere acolhimento de emendas ao PLC 79/2016 - por Samuel Possebon

Uma Nota Informativa da Consultoria Legislativa do Senado sobre o PLC 79/2016 produzida este mês e assinada pelo consultor Marcus Martins traz novas críticas e sugestões de aperfeiçoamento ao projeto, que altera o modelo de telecomunicações. O consultor já havia se manifestado sobre o tema em 2017, mas o novo documento pondera, agora, as emendas sugeridas em Plenário para o projeto no final do ano passado, e aprofunda a análise de alguns pontos que até aqui vinham sendo tratados de maneira secundária no debate sobre o novo modelo legal. Note-se que esta é a posição de um dos consultores da casa, mas não é necessariamente o posicionamento da Consultoria Legislativa. Cada consultor tem autonomia sobre suas posições.

A Nota Informativa, encaminhada à liderança do MDB, sugere o acolhimento da emenda de número 19, que prevê a possibilidade de leilões reversos para que qualquer prestadora, e não apenas as concessionárias, possa se candidatar a executar as políticas públicas definidas para o saldo da mudança de modelo de concessões para autorizações. Segundo a Nota Informativa, este mecanismo chegou a ser defendido pelo MCTIC ainda no governo Temer, mas da forma como o projeto está, a única possibilidade de que outras empresas que não as concessionárias executem os projetos é se houver a execução das garantias bancárias dadas no momento em que as concessionárias assumem os compromissos para mudar de modelo. Das emendas apresentadas ao projeto e que estão ainda em discussão, esta é uma das poucas que a consultoria recomenda acolhimento.

Outra emenda que conta com o respaldo da Nota Informativa é a de número 11, que mantém a possibilidade legal de cobrança do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) das empresas de radiodifusão. O argumento do consultor é que o montante de recursos que poderia ser arrecadado caso o fundo de universalização estivesse sendo cobrado das empresas de rádio e TV não é desprezível e pode equivaler a quase 20% daquilo que o Fust arrecada anualmente.

Mas além da recomendação de acolhimento destas emendas, a Nota Informativa traz muitas críticas ao texto do PLC 79. E os argumentos utilizados reforçam aspectos que até aqui não vinham sendo destacados nas críticas que a oposição, por exemplo, faz ao projeto. A seguir, alguns dos principais argumentos apontados pela Nota Informativa:

Bens reversíveis

Até hoje, um dos temas centrais utilizados pelos opositores do projeto para atacar o PLC 79 era a questão dos bens reversíveis e o suposto valor de R$ 100 bilhões a eles atrelado. A Nota Informativa não endossa este valor, mas chama a atenção para a dificuldade de se quantificar os bens. "O valor do bem reversível é declaratório das prestadoras e a Anatel já rejeitou essas declarações, o que significa que não se tem nenhuma noção de quanto eles realmente valem", destaca o documento, citando manifestação do TCU em audiência do dia 8 de maio de 2018. As maiores críticas da Nota Informativa ao PLC 79, contudo, estão em outros aspectos do projeto.

Lógica irretocável, projeto complexo

Para o consultor, a lógica do PLC 79 é "irretocável". Esta lógica, diz o parecer, consiste em "substituir obrigações de instalação, manutenção e atendimento de um serviço obsoleto, sem atratividade e com receitas em declínio, por compromissos de investimento capazes de financiar a ampliação, em todo País, do alcance e das velocidades das conexões à internet, indispensáveis para todos os cidadãos". No entanto, a Nota Informativa avalia que o projeto tem considerável complexidade técnica, "com repercussões muito mais profundas que a simples 'troca de orelhões por Internet rápida'". O consultor chama a atenção aos dispositivos que alteram o modelo de alocação do espectro de radiofrequências, procedimentos de outorga dos direitos de exploração dos satélites brasileiros e em modificações na contribuição ao Fust pelas empresas de radiodifusão.

"Assim, além de reduzir a atual carga regulatória sobre as empresas para, em tese, liberar recursos voltados à promoção de investimentos privados no setor, o PLC nº 79, de 2016, avança sobre questões sensíveis como o papel do órgão regulador na administração de insumos escassos, os limites à entrada de novos competidores no mercado e o incremento da concorrência, a obtenção de novas receitas por meio de processo licitatório, e o modelo de arrecadação e de aplicação dos recursos dos fundos setoriais", pontua a análise.

Transição e exclusividade

O consultor do Senado chama a atenção para o fato de que, para as concessionárias que migrarem para o regime de autorização, restarão compromissos de continuidade típicos de concessão, bem como compromissos de investimentos a serem assumidos. No entanto, segundo a Nota Informativa, não há no projeto garantias de que a Anatel conseguirá fazer cumprir estes compromissos nem "está prevista qualquer sanção para autorizadas adaptadas que descumprirem os acordos celebrados voluntariamente, mesmo que provoquem prejuízos e atrasos aos planos de expansão das redes de alta capacidade estipulados pelo Poder Executivo". Existe, é fato, a execução da garantia bancária por terceiros, mas que segundo o parecer não constitui uma penalidade.

Sobre o valor a ser arrecadado com a transição do modelo, o consultor Marcus Martins destaca que o cálculo deverá necessariamente considerar o saldo das metas de universalização estipuladas no PGMU; o pagamento, a cada biênio, do ônus correspondente a dois por cento da receita das concessionárias, líquida de impostos e contribuições sociais incidentes, conforme contratos de concessão; e os bens reversíveis vinculados à concessão.

A respeito deste valor, um argumento destacado pela Nota Informativa é o de que "somente as atuais concessionárias de telefonia fixa que, de forma voluntária, optarem por migrar do regime de concessão para o de autorização terão acesso aos valores decorrentes dessa mudança. A questão central dessa determinação diz respeito à característica desses recursos, que são eminentemente públicos", avalia a nota. O texto afirma: "não parece razoável que apenas um grupo de empresas seja habilitado a utilizar tais recursos, em detrimento das demais prestadoras do setor, que também poderiam participar do processo de expansão da infraestrutura nacional de banda larga previsto na iniciativa em tela. Além de grandes operadoras, como a TIM e a Claro, com ganhos de escala e economias de escopo equivalentes à da Oi e à da Vivo, mais de cinco mil pequenos provedores de conexão à internet seriam beneficiários desses recursos, com potenciais vantagens de eficiência e estímulo à competitividade no setor".

Vale lembrar que o argumento que tem sido apontado até aqui para defender a redação do projeto da forma como está é o de que, se não for na forma de compromissos aplicados às concessionárias, seria necessário haver um processo de transferência de recursos entre empresas e governo, o que traria custos tributários e elevaria o risco de contingenciamento do saldo da transição.

Impactos no Fust

A Nota Informativa traz um argumento importante: o de que a extinção (tácita) do regime público, que seria a consequência natural do PLC 79, na visão da consultoria, abrirá a possibilidade de que o fundo deixe de ser recolhido, já que o seu objeto previsto em lei é o financiamento da universalização de serviços prestados em regime público. "Por conta de dispositivos legais conflitantes, de dificuldades relacionadas à concepção de políticas setoriais adequadas e de outras prioridades orçamentárias, os recursos do Fundo nunca foram devidamente aplicados", diz o parecer. "Mesmo não tendo sido devidamente utilizados, seus recursos (aproximadamente R$ 20 bilhões) sempre foram arrecadados, já que o objeto do Fundo, qual seja a universalização dos serviços prestados em regime público, não foi alterado".

Para o consultor legislativo, "o projeto, ao prever a possibilidade de transformação das concessões de telefonia fixa em autorizações, extingue, de maneira tácita, a exploração dos serviços de telecomunicações em regime público. Isso porque, todas as atuais concessionárias deverão migrar para o regime privado de prestação. Nesse contexto, a proposta cria uma lacuna: como a arrecadação dos recursos do Fust está diretamente vinculada à existência do regime público, sua aprovação, sem os devidos ajustes, poderá inviabilizá-la. Em outros termos, se o projeto não sofrer alterações prevendo a utilização dos recursos do Fust por autorizadas de serviços prestados em regime privado, o Fundo perde, na prática, seu objeto". Segundo a análise da Nota Informativa, essa situação (de perda de objeto) "pode levar a uma judicialização contra o pagamento da contribuição, já que, para as empresas do setor, não faria sentido recolher valores para um fundo esvaziado em suas finalidades".

Espectro

Uma das principais ponderações da Nota Informativa ao PLC 79 diz respeito às mudanças na política de espectro estabelecidas na proposta. Para a consultoria, "embora não componham o objeto central do projeto, as modificações previstas no atual modelo de gestão e de alocação do espectro de radiofrequências, por seu alto valor de mercado e relevância estratégica, podem ser consideradas os dispositivos mais relevantes do PLC nº 79".

Segundo a análise, as duas principais mudanças, que são a criação de um mercado secundário e a possibilidade de renovação das autorizações sem restrições, "representam uma guinada na atual administração do espectro radioelétrico levada a cabo pela Anatel". Para o consultor, o mercado secundário "pode gerar mais agilidade e eficiência na sua alocação, já que possibilitaria a aquisição direta, entre empresas, do direito de uso de faixas eventualmente ociosas, já licitadas".

No entanto, alerta a nota, "a implantação do mercado secundário de frequências no Brasil poderá incrementar, sobremaneira, as receitas dos atuais detentores do direito de uso das faixas, o que não foi previsto no cálculo do preço mínimo dos processos de licitação". O consultor destaca que "não há qualquer dispositivo, no projeto, que preveja que o incremento de receita oriundo do mercado secundário de espectro seja considerado no cálculo do preço público relativo às próximas renovações".

A crítica mais dura da Nota Informativa vai em relação às renovações das autorizações de uso de espectro. Segundo a nota, "tanto as empresas quanto o órgão regulador têm pleno conhecimento, desde a celebração do termo de autorização e de sua respectiva renovação que, ao término dos quinze anos finais, as providências para a devolução da faixa e para uma posterior realocação, mediante processo licitatório, devem ser implementadas". Para o consultor, o projeto dá às prestadoras de comunicações móveis em operação a possibilidade de renovar o uso das faixas por prazo superior ao estabelecido nos processos licitatórios originais, "o que não foi considerado no preço originalmente pago" e, portanto, "impacto sobre a arrecadação precisa ser mensurado".

A Nota Informativa ainda chama a atenção, citando parecer do Ministério Público Federal, para o fato de que a "proposta pode restringir a entrada e a atuação de eventuais interessados na prestação de serviços de comunicações móveis, mantendo o mercado restrito às operadoras estabelecidas".

A Nota Informativa sugere então que o projeto passe a prever um mecanismo exigindo a realização de chamamentos públicos antes dos processos de renovação do direito de uso do espectro. "Havendo outros interessados além do detentor da utilização da faixa, proceder-se-ia novo processo licitatório. Não havendo, seria permitida a prorrogação, nas condições legais estabelecidas".

O mesmo argumento do desestímulo à competição é colocado como um problema para a possibilidade de renovação do direito de exploração de satélites. E da mesma forma, a análise recomenda que o projeto acolha a emenda que prevê a realização de um chamamento público antes da renovação para testar a demanda do mercado.

Fust na radiodifusão

A Nota Informativa também comenta o dispositivo do PLC 79 que altera a Lei do Fust para evitar que as empresas de radiodifusão tenham que recolher o fundo. Segundo a nota, "o não pagamento, de 2013 até hoje, da referida contribuição pelas emissoras de radiodifusão deve-se, exclusivamente, pela mora da administração pública em definir qual a base de cálculo a ser utilizada para a cobrança". No entendimento do consultor, "compete à Consultoria-Geral da União dar a palavra final sobre a questão, que envolve um montante aproximado de R$ 1 bilhão", considerando-se o período todo, ou R$ 200 milhões ao ano, o que é 20% do recolhimento do Fust.

A conta foi feita tomando-se por base o mercado publicitário de rádio e TV, aplicando-se o percentual do Fust. "A proposta de isentar as emissoras de radiodifusão do pagamento do Fust poderá gerar um considerável impacto em sua arrecadação futura. Confirmado o entendimento da PFE-Anatel, da PGF e da PGFN, a partir do qual a base de cálculo para seu recolhimento considerará as receitas obtidas com propaganda, publicidade e merchandising, os valores incrementais que se abrirá mão com a aprovação do PLC nº 79, de 2016, poderão chegar a 20% da arrecadação anual do Fundo", alerta a Nota Informativa.

Sem ajustes por MP

Para o consultor do Senado, ao indicar o acolhimento das mudanças e fazer sugestões como a realização de chamamentos públicos para a renovação de espectro ou leilões reversos para a aplicação dos saldos da conversão das concessões em autorizações, está na prática indicando que o projeto deve ser alterado no mérito. Caso a relatora Daniella Ribeiro (PP/PB) vá por este caminho e as mudanças sejam mantidas em plenário, o PLC 79 voltaria para a Câmara.

A Nota Informativa descarta a hipótese de que ajustes sejam feitos por medida provisória. Segundo a análise, "a edição de medida provisória para disciplinar o setor de telecomunicações numa negociação para a aprovação, sem ajustes, da redação do PLC nº 79, de 2016, pelo Senado Federal, como aventou o Secretário-Executivo do MCTIC, sofre de restrições em âmbito constitucional".

O fato é que a relatora tem manifestado desconforto com o texto do projeto, e o volume e teor das críticas levantadas pela consultoria legislativa estão sendo levadas em consideração. A relatora pode ainda pedir outros pareceres. Independente de qualquer coisa, o MCTIC, ciente do problema, sinaliza a possibilidade de assegurar por decreto mecanismos que possam dar mais segurança aos Senadores para aprovarem o texto sem alterações. Ainda não está claro se todos os pontos apontados pelo consultor Marcus Martins de fato demandarão ajustes e, caso seja necessário, se poderão ser acomodados em um decreto.