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Leia na Fonte: Portal da Band / Colunas
[18/04/13]
O Marco Civil da Internet e o apoio ministerial - por Mariana Mazza (foto)
No ano passado, os internautas engajados na defesa da manutenção da Internet
como um ambiente de democracia e pluralidade viram um dos mais importantes
instrumentos dessa batalha ser massacrado na arena política. Estou falando do
Marco Civil da Internet, um projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados
desde 2011 e que tem como propósito
estabelecer
princípios para o uso da web no Brasil. A origem do documento é ainda mais
distante. Os primeiros debates, conduzidos pelo Ministério da Justiça, datam de
2009. Apesar da longa trajetória de diálogo com a sociedade, travado tanto no
Poder Executivo quanto no Legislativo, quando o projeto chegou na reta final
para votação alguns setores começaram a ver problemas inconciliáveis no
relatório produzido pelo deputado Alessandro Molon (PT/RJ). Por fim, a votação
foi derrubada seis vezes até que a presidência da Câmara parou de colocá-lo em
pauta.
Quem acompanhou o vai e vem do projeto no plenário da Câmara dos Deputados irá
se lembrar que, além da polarização partidária que se deu entre os
parlamentares, dois ministérios tornaram-se símbolos da disputa em torno do
texto. De um lado estava o Ministério da Justiça, franco defensor da chamada
“Constituição da Internet”. Do outro, o Ministério das Comunicações que às
vésperas de um grande encontro promovido pela União Internacional de
Telecomunicações (UIT) defendia uma série de ajustes no texto, especialmente no
conceito de “neutralidade de rede”, considerado o coração do projeto. Para quem
não está familiarizado com o conceito, a neutralidade é um princípio que
estabelece, basicamente, que o acesso ao conteúdo disponível na Internet não
pode sofrer discriminação por parte dos provedores. Nessa toada, as empresas
podem diferenciar seus pacotes por velocidade de conexão, mas não podem alterar
essa velocidade com base no tipo de conteúdo que está sendo solicitado pelo
assinante.
O Ministério das Comunicações também se incomodou com a ausência da Anatel como
definidora da forma com que a neutralidade seria implementada no Brasil no texto
produzido por Molon. Uma das principais bandeiras levantadas pelo ministro Paulo
Bernardo era a de que a Internet deveria ser vista como um “ambiente de
negócios”, entendimento que rivalizava frontalmente com o ideal procurado pelos
movimentos civis, de que a web é essencialmente um espaço de comunicação livre e
democrática.
Até esta semana, o Marco Civil dormia o sono dos justos em alguma gaveta da
Câmara dos Deputados. Mas, nos últimos dias a realização de dois debates em
Brasília sobre o tema deram nova esperança de que o projeto pode voltar à pauta
neste ano. Isso porque, à primeira vista, houve uma mudança na postura do então
contrário Ministério das Comunicações. Foram destacadas em toda a imprensa as
declarações do ministro Paulo Bernardo apoiando a votação “o mais rápido
possível” do projeto.
Ao olhar os comentários nas redes sociais sobre a fala de Bernardo deparei-me
com uma singela análise de um dos grandes ativistas em defesa do Marco Civil da
Internet, o presidente do Instituto Bem Estar Brasil, Marcelo Saldanha. “Não sei
se comemoro ou fico com medo”, escreveu Saldanha. A frase é simples, mas
bastante sensata. Uma mudança tão radical de opinião é, no mínimo, estranha. Mas
vamos ao que o ministro disse. Bernardo afirmou que o projeto é uma prioridade
do governo. Disse ainda que “embora tenha havido alterações, achamos que ele
está adequado e que deve ser aprovado”. Francamente não sei de quais alterações
o ministro está falando: se as realizadas durante a tramitação do projeto (o que
é esperado) ou se algo mudou no texto final que estava na pauta da Câmara e a
sociedade ainda não foi informada. Considerando a firmeza com que o relator
Alessandro Molon sempre defendeu seu relatório é de se esperar que o texto não
tenha sido alterado posteriormente. Mas nunca se sabe.
Depois de ler inúmeras notícias sobre o apoio concedido hoje ao projeto, resolvi
ver qual era a “interpretação oficial” do discurso de Bernardo consultando o
site do Ministério das Comunicações. E qual não foi minha surpresa quando vi que
o release produzido pela equipe do ministério poderia facilmente ser confundido
com o material divulgado antes da declaração de apoio. O título dá o tom: “A
Internet é um grande ambiente de negócios”. O texto frisa a defesa de Bernardo
para a criação de um “grande projeto de investimento para o setor” e o viés
econômico do discurso. Uma das frases escolhidas pela assessoria para ser
destacada no discurso de Paulo Bernardo foi: “Vamos facilitar a vida das
empresas para adotarem novas tecnologias e baratear os preços aos consumidores”.
Não há uma frase sequer sobre o apoio empenhado para a aprovação veloz do
projeto.
Ou seja, apesar das falas favoráveis à aprovação do projeto e do aperto de mão
fotografado com Alessandro Molon nada mudou no discurso feito até agora pela
pasta das Comunicações. E isso pode prenunciar uma nova rodada de brigas caso o
projeto volte à pauta de votações. Também existe a possibilidade de o Ministério
da Justiça ter vencido a queda de braço ministerial e o discurso ser apenas a
celebração pública do pacto já firmado, apesar de as Comunicações não
concordarem plenamente com o texto.
Mas a hipótese mais preocupante é que o Marco Civil tenha virado uma barganha
para algo bem maior. Somando-se o discurso de apoio econômico ao setor feito por
Bernardo hoje com as declarações recentes do mesmo ministro sobre o novo Plano
Nacional de Banda Larga, batizado de PNBL 2.0, é perceptível uma linha de
raciocínio bastante clara em torno de um grande objetivo: dar extrema liberdade
para as empresas na gestão da rede ou, nas palavras do ministro, “facilitar a
vida das empresas” com planos de investimentos públicos e regras suaves que não
incomodem o tal “ambiente de negócios” da Internet.
Da mesma forma que a sabedoria popular lembra que “há males que vêm para o bem”,
o oposto também pode acontecer. O Marco Civil é um documento importantíssimo
para os cidadãos, na medida em que assegura quais os direitos e deveres de quem
usa a Internet. Mas, exatamente pelo fato de parametrizar as relações neste
ambiente, uma simples omissão nesta carta de princípios pode abrir caminho para
políticas nocivas aos usuários da Internet. Sempre é bom lembrar que o governo
brasileiro foi favorável a que os governo tenha mais poder sobre a governança da
Internet ao assinar o documento final da conferência da UIT em Dubai no ano
passado ao lado de países como China e Arábia Saudita, notabilizados por
controlar com mão de ferro o acesso à informação pela Internet de seus cidadãos.
O apoio declarado pelo ministro Paulo Bernardo à aprovação do Marco Civil pode
ser sincero, mas faço meu o dilema de Marcelo Saldanha: não sei se já podemos
comemorar ou se devemos ficar ainda mais preocupados.