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Leia na Fonte: Convergência Digital
[25/04/13]
Teles ensinam deputados sobre ‘boa’ e ‘má’ neutralidade de rede - por Luís
Osvaldo Grossmann
Sem fanfarra, mas com clara competência, as operadoras de telecomunicações
começaram a catequisar deputados sobre os perigos de manter o que consideram uma
extrema rigidez do projeto do Marco Civil da Internet. Ou seja, pela alteração
do artigo que é a essência da proposta ao gravar em lei a obrigação de que seja
respeitada a neutralidade de rede.
Ainda que alinhem diversos pontos merecedores de reparos no texto, que já está
no Plenário da Câmara, os representantes das teles concentram fogo em duas
mudanças principais, poriam fim à cizânia e abririam caminho para a aprovação do
projeto – ambas no nono dos 25 artigos propostos pelo relator do PL 2126/2011.
O artigo é o que trata da neutralidade de rede. A lógica é de que ele precisa
ser alterado para não criar um grave problema à Internet. Mas a premissa sobre a
qual se sustenta a fundamentação é, no mínimo, discutível, como será demonstrado
adiante.
Transparência & gestão
Munidas de bons argumentos, um porta-voz internacional e palavras-chave, as
operadoras organizaram uma primeira reunião com duas dezenas de parlamentares na
quarta-feira, 24/4 – por coincidência, ao mesmo tempo em que o ministro das
Comunicações, Paulo Bernardo, defendia diante de igual número de deputados a
necessidade de “ajustes” para a votação do Marco Civil.
“Estamos falando de como fazer que a Internet funcione da melhor maneira. Para
isso o que precisa é que ela tenha transparência, sem discriminação arbitrária,
e que haja gestão da rede”, alegou o secretário geral da AHCIET, Pablo Bello
Arellano, que assumiu a tarefa de “explicar” aos parlamentares o que seria, ou
não, neutralidade de rede.
Arellano tem credenciais impecáveis para tratar do tema com deputados pouco
familiarizados com o funcionamento da Internet. Antes da Associação
Hispano-Americana de Centros de Investigação e Empresas de Telecomunicações –
uma entidade que defende interesses das teles latinas – ele foi um dos
principais articuladores da primeira legislação do planeta a garantir a
neutralidade, quando subsecretário de telecomunicações do Chile, em 2010.
É importante ressaltar que a lei chilena garante ampla margem de manobra aos
provedores de conexão – “é bastante flexível”, nas palavras do ex-subsecretário.
Ela permite todo e qualquer gerenciamento da rede, desde que isso não afete a
concorrência. Se estiver no contrato, vale qualquer tipo de diferenciação de
tráfego. É o que as teles brasileiras querem reproduzir por aqui.
Diferenciação
O artigo nono do Marco Civil, no entanto, é um impeditivo. Segundo o sindicato
nacional das teles, a redação é tão draconiana que terá efeito perverso no
mercado, visto que só permitiria a oferta de um único tipo de plano de serviço
para conexões à Internet. Ou, ainda, que com a aprovação do projeto em lei só
será possível vender acesso à “Full Internet” [Internet cheia] – e releve-se,
por enquanto, os receios do que seria uma “Internet vazia”.
Depois de explicada o que é a “boa” neutralidade de rede, os parlamentares foram
advertidos sobre a técnica legislativa aplicada ao Marco Civil da Internet, que
“distorce e radicaliza” o conceito, “intervém” na livre iniciativa e estabelece
“grave restrição” ao vedar práticas como a inspeção dos dados dos internautas.
Mais uma jabuticaba que “não encontra paralelo no mundo”. As palavras são do
diretor regulatório do Sinditelebrasil, Alex Castro.
“O Marco Civil distorce e radicaliza a conceituação de neutralidade de rede,
cria uma interferência que não encontra paralelo no mundo, no modelo de negócio
das prestadoras e na gestão do projeto e no dimensionamento de suas redes. Não
haverá sustentabilidade dos investimentos, o que leva ao risco de colapso da
Internet. O que hoje parece bom pode trazer graves consequências para o futuro”,
resumiu o representante das operadoras.
Embora soe como as trombetas do apocalipse, o que de fato incomoda as teles é o
entendimento que o Marco Civil, da forma como está redigido, proíbe a oferta de
planos diferenciados. Ao determinar que os provedores devem “tratar de forma
isonômica quaisquer pacotes de dados”, as empresas alegam que ficarão impedidas
de vender conexões com limites de download, ou que deem acesso somente a
e-mails, ou mesmo serviços do tipo 0800 na Internet.
Outro impacto negativo viria da redação do parágrafo terceiro do mesmo artigo
nono, que proíbe aos provedores de acesso “bloquear, monitorar, filtrar,
analisar ou fiscalizar o conteúdo dos pacotes de dados”. “Não queremos
bisbilhotar. Mas monitorar, analisar e fiscalizar os pacotes são
imprescindíveis. Queremos saber se o aplicativo é peer to peer, se está baixando
uma música, se é uma aplicação de vídeo, se é uma aplicação real time, para usar
a gestão e garantir a estabilidade da rede”, explicou Castro.
Como mencionado, é discutível que a isonomia de tratamento aos pacotes de dados
impeça as operadoras de dimensionar as ofertas de acordo com o que entendem seja
a capacidade econômica dos clientes – ou ainda, cobrar mais daqueles que,
alegam, usam mais a rede. A neutralidade está justamente em os ‘pacotes de
dados’ – os pedacinhos em que são quebradas todas as informações que trafegam na
Internet – serem transportados independentemente de sua origem ou conteúdo. Há
inúmeros motivos para isso, mas o cerne é evitar que os detentores das redes
tenham poder absoluto para escolher os ‘vencedores’, quem vive ou morre na
Internet.