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Fonte: Consultor Jurídico
[13/08/13]
Marco Civil da Internet retira ônus de provedores - por Marcelo Frullani
Lopes
Marcelo Frullani Lopes é advogado graduado na Universidade de São Paulo (USP),
sócio de Frullani, Galkowicz & Mantoan Advogados.
O Projeto de Lei 2126/2011, proposto pelo Executivo para estabelecer princípios,
garantias, direitos e deveres para uso da rede mundial de computadores no país,
encontra-se em discussão atualmente no Congresso.
Um dos temas polêmicos do Marco Civil da Internet refere-se à responsabilidade
dos provedores por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros. Em
relatório final apresentado pela Comissão Especial formada para discutir o
projeto, estabeleceu-se, no artigo 14, a “inimputabilidade da rede”. Isto é, o
provedor de conexão não será responsabilizado por danos gerados por conteúdo
gerado por terceiros, visto que sua função é apenas disponibilizar a
infraestrutura necessária para o trânsito de informações na rede.
Art. 14. O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente
por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.
O artigo 15, por sua vez, dispõe acerca da responsabilidade dos provedores de
aplicação de Internet. Os sites que publicam informações produzidas por
terceiros, como o Facebook, Twitter e YouTube, incluem-se nesse rol. Esse
dispositivo estabelece a regra geral de isenção de responsabilidade civil dos
provedores em virtude de danos gerados por conteúdo gerado por terceiros. Como
exceção, essa responsabilidade pode ser atribuída se, após ordem judicial
específica, o provedor não tomar as providências cabíveis para, no âmbito e nos
limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, retirar o conteúdo
ofensivo.
Art. 15. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e evitar a censura,
o provedor de aplicações de Internet somente poderá ser responsabilizado
civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem
judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites
técnicos do seu serviços e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o
conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em
contrário.
Parágrafo único. A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena
de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como
infringente, que permita a localização inequívoca do material
Ou seja, de acordo com o projeto de lei, um provedor de aplicações na Internet
pode ser responsabilizado civilmente por conteúdo gerado por terceiros apenas se
descumprir ordem judicial determinando a retirada desse conteúdo. Antes da
expedição dessa ordem, portanto, não haveria qualquer obrigação do provedor em
analisar e retirar conteúdos, por mais ofensivos que estes sejam. O objetivo do
projeto é afastar eventuais interpretações que atribuam a esses provedores
responsabilidade objetiva, ou seja, independentemente de culpa, por danos
gerados por conteúdo ofensivo criado por terceiros. De acordo com essa visão, a
fiscalização de todo o material produzido tornaria inviável a atividade
econômica dessas empresas e seria uma ameaça à liberdade de expressão dos
internautas.
Contudo, verifica-se exagero no projeto, pois o mesmo não se limita a atribuir
responsabilidade subjetiva aos provedores, mas praticamente os isenta de
responsabilidade. Isto é, mesmo que exista claramente um conteúdo ofensivo a uma
pessoa, e esta notifique o provedor para retirá-lo do ar, não há qualquer
incentivo para que a empresa o faça. Muito pelo contrário, visto que se o
projeto, de um lado, expressamente exclui a obrigação (enquanto não houver
decisão judicial) de retirar o conteúdo ilegal do ar, de outro lado silencia
quanto à eventual responsabilização civil caso o provedor retire conteúdo
não-ofensivo, por violação à liberdade de expressão. Ou seja, na dúvida, os
provedores nunca retirarão os conteúdos ofensivos do ar enquanto não houver
decisão judicial.
Esse cenário se mostra propício para a ocorrência de danos graves a direitos da
personalidade, principalmente privacidade, intimidade e honra, contrariando uma
jurisprudência que já vinha se consolidando no Superior Tribunal de Justiça. Nos
últimos anos, o tribunal proferiu uma série de decisões, por exemplo nos
Recursos Especiais nº 1.306.066 e nº 1.193.764, com o entendimento de que os
provedores de aplicações não teriam a obrigação de fiscalizar previamente todos
os conteúdos gerados por seus usuários. Todavia, a partir do momento em que
tomassem ciência, mesmo extrajudicialmente, acerca de algum dano causado, teriam
a obrigação de analisar os fatos e, se houvesse ilegalidade, retirar o conteúdo
ofensivo do ar, sob pena de responsabilidade civil.
O projeto de lei retira, portanto, boa parte dos ônus que deveriam recair sobre
essas empresas. Tendo em vista que estas auferem lucros com a atividade,
permitindo a comunicação entre as pessoas sem qualquer limitação prévia, também
deveriam ser atribuídos às mesmas empresas os riscos inerentes a essa atividade.
O que o projeto faz, na prática, é transferir esse ônus ao Judiciário, a quem
caberia analisar a existência de ilegalidade, facilitando a perpetuação e
difusão de conteúdos ofensivos.
O Marco Civil deveria ter consolidado o entendimento do STJ. Dessa forma, num
primeiro momento a provedora não seria responsável por fiscalizar os conteúdos
gerados pelos usuários, garantindo-se a liberdade de expressão. Porém, a partir
do momento em que tomasse ciência, por qualquer forma, acerca de algum conteúdo
lesivo a direitos da personalidade de outrem, deveria tomar as providências
cabíveis para identificar o autor do dano e retirar os dados ofensivos, sob pena
de ser responsabilizada civilmente. Caberia à empresa, nessa situação, realizar
um sopesamento dos direitos em conflito, podendo ser responsabilizada pelo
sofredor do dano, caso mantenha indevidamente conteúdo ofensivo no ar, ou pelo
autor do conteúdo, caso retire conteúdo do ar sem justificativa plausível.
Portanto, o projeto de Marco Civil da Internet, na parte que trata da
responsabilidade dos provedores de aplicações por conteúdo gerado por terceiros,
contraria entendimento que vinha se consolidando no STJ. O projeto retira o ônus
de controlar o conteúdo criado pelos usuários dos provedores, atribuindo-o ao
Poder Judiciário. Assim, além de aumentarem os riscos de que o conteúdo se
difunda na rede, por tornar mais demorada sua retirada, privilegia-se de forma
indevida essas empresas que atuam na Internet, isentando-as de ônus inerente a
suas atividades econômicas.