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Leia na Fonte: IDGNow! - Blog Circuito de Luca
[15/08/13]   Para garantir sigilo, governo quer equiparar o e-mail à carta - por Cristina de Luca

O governo brasileiro está disposto a equiparar, em termos legais, o e-mail a uma carta. A ideia está lançada e tem muitos simpatizantes entre aqueles que hoje discutem, no Congresso Nacional, o chamado Marco Civil da Internet.

Afinal, como bem disse o ministro das Comunicação, Paulo Bernardo, a intenção é usar o Marco Civil da Internet e o futuro PL de Proteção de Dados Pessoais para assegurar que o direito à inviolabilidade da intimidade das pessoas, assim como a inviolabilidade do sigilo das comunicações de dados e telefônicas, previsto na Constituição, se apliquem também ao correio eletrônico.

“A equiparação do email a carta, na forma da lei 6538/78, pode trazer mais proteção por equiparação à correspondência fechada”, opina, via Twitter, o advogado especializado em Direito de Informática Renato Opice Blum. “Daria margem a aplicação do art 151 do código penal. Seria oportuna e adequada a equiparação no marco civil”, completa.

Este é realmente um assunto que a sociedade precisa discutir. Nesse momento, a discussão estaria caminhando bem, não fosse o fato de por trás dessa iniciativa estar também mais uma tentativa de regulamentar a atuação das empresas que fazem negócios na Internet, como Google, Facebook e Microsoft. Razão pelas quais alguns deputados encaram o Marco Civil da Internet mais como um marco comercial do que civil.

As operadoras de telefonia, por exemplo, defendem abertamente a regulamentação da internet. Não consideram justo que apenas elas sejam obrigadas a cumprir regras de inviolabilidade flexibilizadas para as empresas de Internet que, hoje podem, por exemplo, usar algoritmos para oferta de publicidade (sua principal fonte de receita), segmentada, dentro do e-mail.

“Imagine se as operadoras decidissem lançar um novo serviço, o gTUP, telefone público gratuito em troca da possibilidade das operadoras poderem escutar a sua conversa para depois te vender algo”, argumenta o diretor executivo do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil), Eduardo Levy. “Você não toparia e saberia que é um serviço que fere a Constituição. Porque com o e-mail é diferente?”



A oferta de publicidade segmentada no e-mail é uma violação da correspondência. Caracteriza ilícito no âmbito das legislações em vigor?

[Veja a figura na fonte]


“O considerável lucro obtido com o marketing digital é incompatível com a preservação da privacidade”, opina também através do Twitter o advogado especializado em Direito da Tecnologia da informação, Alexandre Atheniense.

Geralmente a lei vem a reboque dos hábitos e costumes da sociedade. Com os hábitos e práticas socioeconômicos adquiridos com o uso da Internet não seria diferente. Quando começamos a usar os serviços gratuitos de correio eletrônico não imaginaríamos que toda a nossa vida online chegaria a ser rastreada, ainda que anonimamente, muitas vezes, para sustentar os negócios das empresas que nos fornecem as ferramentas que usamos para nos comunicarmos.

Uso correio eletrônico desde a época do BBS. Lá se vão mais de 25 anos. Seria capaz de jurar que já haveria jurisprudência suficiente para equiparar legalmente o e-mail à carta. Perguntei aos advogados. Paulo Sá Elias foi didático.

“Toda a construção teórica de formação do vínculo de contratos eletrônicos via e-mail leva a crer que ele foi realmente equiparado à carta. Na realidade, ele é equiparado à correspondência epistolar (carta) para esses fins legais. De maneira que eu poderia responder imediatamente, bem rapidamente, sem maiores reflexões à sua pergunta que sim.

Mas pensando bem…. Será?! Vamos fazer um little brainstorm…

E na realidade prática? É possível compará-lo à uma carta? Veja só: a carta tradicional normalmente é colada, fechada, lacrada. Ela circula desta forma pelo correio, pelas mãos do carteiro. Salvo as cartas denominadas “IMPRESSO” – que nem são coladas e seu conteúdo pode ser aberto.

E o e-mail? O e-mail não é fechado, não é lacrado. Ele circula aberto pelo “carteiro”, pelo “correio”. Salvo se o conteúdo for criptografado.

Ora, será que podemos dizer que o e-mail somente poderá ser equiparado realmente à carta convencional (protegida) se ele tiver seu conteúdo criptografado? (pois seria como se estivesse lacrado, colado e fechado).

De qualquer outra forma ele não vai transitar “aberto”?

É da própria natureza da mensagem eletrônica circular assim.

Não sei não, Cristina. Estou refletindo… (…) Preciso estudar mais isso para te responder.


Essa reflexão me foi passada através de e-mail. A reprodução que faço dela aqui seria um delito?

Para apimentar um pouco mais o debate, que é global, não apenas local, nesta terça-feira o Google foi acusado pelo Consumer Watchdog de admitir que os usuários do Gmail não devem esperar por privacidade. O grupo de defesa do consumidor diz ter descoberto uma citação do Google em um documento jurídico sobre um processo iniciado em maio contra a gigante de buscas.

“Assim como o remetente de uma carta a um colega de trabalho não pode se surpreender se o assistente do destinatário abrir a carta, as pessoas que usam e-mails baseados na web, hoje, não podem ficar surpresas se suas mensagens são processadas ​​pelo provedor de e-mail do destinatário no curso da entrega. De fato, ‘uma pessoa não possui expectativa legítima de privacidade na informação que ela transmite voluntariamente a terceiros’.”

Dê uma olhada na política de privacidade do Google e você verá que já concedeu à empresa o direito de vasculhar suas coisas. Sim, a política menciona explicitamente que ela fará isso para exibir anúncios personalizados.

Talvez o mais preocupante: você verá que o Google entrega dados pessoais dos seus usuários quando se faz necessário para “cumprir qualquer lei, regulamentação, processo legal ou solicitação do governo”. Praticamente todas as grandes empresas de tecnologia incluem cláusulas semelhantes em seus próprios termos de serviço.

Razão pela qual esses termos de uso de serviços também estejam na mira do governo brasileiro. “Os usuários aceitam os termos de uso dos serviços de internet, extensos e de difícil compreensão, em que dão autorização para o uso de seus dados. A maioria nem lê os termos de uso, aceita e pronto. Isso não dá direito à empresa de fazer uso desvirtuado das informações dos internautas”, afirma o ministro Paulo Bernardo. O fato desses termos estarem submetidos a foro e legislação de outros países também é algo que precisa ser considerado, segundo o ministro. “O Marco Civil vai ser um avanço importante neste aspecto. Nós estamos colocando propostas no Marco Civil para garantir maior transparência nas políticas de privacidade das empresas de internet”, reafirmou Paulo Bernardo.

Tempo estranho e fascinante este no qual estamos vivendo, não?

Prevejo muita discussão nos próximos meses, quiçá anos.