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Leia na Fonte: Folha
[18/08/13]  Direitos na rede - Editorial Folha de S. Paulo

Do ponto de vista da tramitação legislativa, nada impede que o Marco Civil da Internet seja votado nesta semana pelo plenário da Câmara dos Deputados. Incluí-lo na pauta depende apenas da vontade do presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).

Mobilizam-se para isso praticamente todos os atores envolvidos no debate sobre essa carta de princípios para o meio virtual no Brasil.

O relator da proposta, deputado Alessandro Molon (PT-RJ), diz ter esperança de que o texto finalmente seja apreciado. Não é pequena, porém, a pressão em sentido contrário -o projeto está pronto há pouco mais de um ano, e sua votação já foi adiada seis vezes.

À primeira vista a resistência causa estranheza. Trata-se, afinal, de uma “Constituição da internet”, com a função de estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da rede e determinar diretrizes para a atuação dos agentes públicos nessa matéria.

Não sendo poucos nem desimportantes os problemas típicos da internet desamparados pelas leis em vigor, nada mais natural que aprovar um diploma para ampliar a segurança jurídica nesse ambiente.

Uma dessas questões novas diz respeito à neutralidade de rede, justamente o item que faz emperrar o projeto na Câmara -basta dizer que a ela se opõem as empresas de telecomunicação.

Segundo o princípio da neutralidade, todos os pacotes de dados transmitidos pela internet devem ser tratados da mesma maneira, sem distinções relativas a conteúdo, origem, destino ou serviço.

Assim, empresas de telecomunicação -que ligam o usuário à rede- ficam proibidas de alterar a qualidade do acesso segundo seus interesses, seja para acelerar a conexão a portais parceiros, seja para degradar ou bloquear plataformas concorrentes (como programas de comunicação on-line).

Elas podem, como ocorre hoje, comercializar diferentes velocidades de conexão (plano de 1 MB, de 10 MB etc.), desde que essa velocidade não mude em função do conteúdo utilizado pelo internauta.

Uma analogia rodoviária ajuda a entender a questão. Sem a neutralidade, a concessionária de uma estrada poderia aumentar o limite de velocidade para uma determinada marca de carro e reduzir para outra. Poderia, ainda, impedir a circulação de certas bagagens, forçando o interessado a procurar alternativas (provavelmente em uma companhia aérea parceira).

Vê-se que a ausência de neutralidade, na internet, propiciaria todo tipo de distorção na concorrência, inibição a iniciativas inovadoras (que seriam boicotadas) e cerceamento à liberdade de expressão. São boas razões para que ela seja assegurada de forma inequívoca.

Além disso, sem a neutralidade, a internet seria um tipo de TV a cabo. Os pacotes teriam diferenças não só de velocidade mas também de conteúdo. Quem quisesse apenas correio eletrônico ficaria com o plano básico. Para acessar portais de notícias e vídeos seria preciso fazer um “upgrade”. E a internet seria completa só a quem pagasse a assinatura “elite plus”.

Outro aspecto do Marco Civil da Internet que tem gerado controvérsia, mas em escala bem menor, é a defesa da privacidade do usuário.

A proposta a ser votada traz uma séria de mecanismos que protegem o internauta de ter a navegação monitorada e resguardam seus dados pessoais na rede -medidas que ganharam relevo após o escândalo de espionagem americana.

Hoje nada impede que uma empresa colete informações do internauta e as repasse a terceiros. Tampouco existem regras para o usuário pedir a exclusão de seus dados após deixar de usar certa aplicação (uma rede social, por exemplo).

Manter a situação como está interessa apenas às empresas que fazem uso comercial desses dados.

Há -ou havia- um terceiro nó na tramitação do projeto. Trata-se da responsabilização por conteúdo postado por terceiros.

A situação é típica: alguém notifica um provedor de conteúdo e reclama, por exemplo, de um vídeo ali postado -seja por julgá-lo ofensivo, seja para alegar violação a direito autoral. No atual vácuo normativo, provedores tendem a adotar conduta preventiva, retirando o material do ar sem saber se há de fato ilegalidade.

Atento ao risco de restrições à liberdade de expressão e informação, o marco civil corrige parte do problema. Pelo texto, provedores só podem ser responsabilizados pelo conteúdo gerado por usuários se houver ordem judicial determinando a retirada do material.

O projeto, porém, deixa questões afeitas aos direitos autorais de fora da regra. É um equívoco: a análise de todas as eventuais ilegalidades, salvo por acordo entre as partes, deveria passar pelo Judiciário.

Está nas mão do Legislativo, de toda forma, fazer avançar esse conjunto de garantias inscritas no Marco Civil da Internet. Os deputados precisam decidir se defenderão os milhões de internautas ou os interesses de algumas empresas.