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Leia na Fonte: Computerworld
[17/12/13]  Marco Civil sob a ameaça nacionalista - por Paulo Humberg

Paulo Humberg é CEO da A5 Internet Investments, companhia com foco em produtos digitais como comércio eletrônico, mídia digital e serviços financeiros.

O projeto do Marco Civil está pronto para ser votado há pelo menos um ano. Depois de um longo de período de hibernação, a iniciativa voltou aos holofotes por causa das denúncias de que a Agência Nacional de Segurança (NSA) dos EUA espionou a presidente Dilma Rousseff, a Petrobras e o Ministério das Minas e Energia.

Quando isso foi revelado, o governo federal pediu agilidade ao Congresso na aprovação do projeto, que passou a ser visto pela presidente como uma resposta legal à bisbilhotagem comandada pelo governo americano. O texto final deve ser votado em breve.

É muito bem-vindo que o Marco Civil volte a ser discutido. Estamos falando de uma iniciativa surgida, no final de 2009, de forma democrática, desenvolvida colaborativamente por meio de um blog. O problema é que seu retorno à baila se deu por vias tortas, no furacão das denúncias de espionagem digital, o que pode resultar na desfiguração de sua proposta original, com reflexos ruins para a sociedade e os negócios digitais.

Por conta da falta de compreensão da complexidade sobre o que é a Internet – em termos tecnológicos e comerciais –, corremos o risco, hoje, de ver uma iniciativa de vanguarda ser engolida por um nacionalismo exacerbado.

Um dos aspectos mais preocupantes é o fato de o relator, o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), ter incluído no texto final do projeto um dispositivo que abre a possibilidade para que os provedores de acesso à internet e os portais, por exemplo, sejam obrigados a ter, no Brasil, data centers capazes de armazenar dados dos internautas.

Molon, que é a favor da neutralidade de rede e manteve esse item no documento, incluiu o dispositivo sobre os data centers a pedido da presidente Dilma Rousseff. Com esse artigo no Marco Civil, o governo quer assegurar que os gigantes da Internet fiquem sujeitos à legislação brasileira. A intenção seria evitar o que aconteceu no episódio NSA: companhias como Google e Microsoft foram obrigadas pelo governo dos EUA a fornecer dados de usuários de diversos países, incluindo o Brasil. E as empresas obedeceram, pois mantém seus servidores nos EUA e estão subordinadas à legislação daquele país.

É perfeitamente defensável a ideia do governo de não querer que dados da administração pública sejam armazenados em redes e servidores estrangeiros. Não faz sentido, porém, estender a obrigação de guarda local a empresas privadas. Isso terá reflexos no campo dos negócios para os quais o governo não está atentando. A definição de que rede ou servidor utilizar é estratégica para muitas companhias, que dependem da confiabilidade, do custo e da eficiência do serviço.

Com a inclusão desse dispositivo no Marco Civil, o governo quer forçar as empresas internacionais a instalar servidores no País. Mas, em vez de obrigar, não seria mais adequado reduzir o custo Brasil e, assim, estimulá-las a construir data centers aqui? E quem garante que a velocidade da rede não cairá com a necessidade de uso de infraestruturas locais? Além dessas questões, há outra a ser observada: qual a viabilidade da adoção, na prática, de uma exigência desse tipo? Construir um data center é algo que não se faça da noite para o dia.

Reação do mercado

O movimento do governo gerou críticas de associações da indústria digital. No dia 22 de outubro, cerca de 30 deputados receberam uma carta assinada por 45 entidades internacionais de comércio. Elas pedem a exclusão de qualquer dispositivo que obrigue a guarda dos dados de Internet em território nacional.

No Brasil, a reação partiu de entidades como a Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (câmara-e.net) e a Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom).

A primeira divulgou uma carta aberta na qual defende que “o tema da guarda de dados, pela sua importância estratégica e pelos impactos na vida dos cidadãos, das empresas, do governo e da sociedade brasileira nas próximas décadas, seja impreterivelmente inserido na mesma dinâmica democrática e participativa empregada para a elaboração do Marco Civil da Internet, com amplos debates, discussões e consultas públicas.”

A Brasscom, por sua vez, argumenta que a obrigatoriedade do armazenamento de dados em servidores no Brasil resultará no aumento dos custos das companhias de TI. A consequência será a migração para o exterior de atividades hoje desenvolvidas aqui pela corporações internacionais Para dar um parâmetro, um estudo da entidade indica que a construção de um data center no Brasil custa US$ 61 milhões, valor superior ao necessário no Chile (US$ 51 milhões) e EUA (US$ 43 milhões).

Como se vê, o assunto é complexo e possui diversas implicações comerciais – além da discussão sobre a segurança digital. Por isso é essencial que o tema seja analisado com sobriedade e, acima de tudo, com conhecimento técnico. O que não podemos é deixar que os ecos de um nacionalismo ultrapassado embacem um debate extremamente relevante para o desenvolvimento do País.
Paulo Humberg é CEO da A5 Internet Investments, companhia com foco em produtos digitais como comércio eletrônico, mídia digital e serviços financeiros.