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Fonte: Consultor Jurídico
[22/12/13]
Debate em torno do Marco Civil está sendo salutar - por Marco Aurelio Brasil
Lima
Marco Aurelio Brasil Lima é advogado em São Paulo,
pós-graduado em Direito Empresarial pela FGV-SP e professor de Comércio
Eletrônico na Unigran.
Todos que de alguma forma militam na área do Direito Eletrônico (também chamado
Direito Digital ou Direito das Novas Tecnologias) convivem há bastante tempo com
as consequências de um vácuo legal sobre a Internet. Enquanto EUA e Europa
optaram, ainda nos anos 90, por estabelecer balizas civis importantes sobre
direitos e deveres na Internet, antes mesmo de pensar em elaborar novos tipos
criminais pertinentes ao tema, sendo secundados por diplomas bastante
interessantes em países como Chile e Canadá, o Brasil ainda não conseguiu
definir o que quer para o setor. E não é qualquer setor. A Internet cresce a
cada dia em importância econômica e social.
Para alguns, a ausência de lei é positiva. Entendem que a jurisprudência se
ocupa de forma bastante adequada em termos de direitos e deveres de provedores e
usuários da rede de computadores. Para outros, esse vácuo é nefasto.
Como me filio a esta última corrente, eis que acostumado a ver decisões
completamente antagônicas no que concerne a assuntos como a responsabilidade dos
provedores de Internet por atos de seus usuários, guarda de logs de acesso e
respeito à privacidade dos usuários, saudei desde o primeiro dia a iniciativa do
Ministério da Justiça de apresentar um anteprojeto de lei regulando a matéria.
O chamado Marco Civil da Internet encontra-se no Congresso Nacional, relatado
pelo Deputado Alexandre Molon e a ponto de ser votado. Sua votação foi adiada
algumas vezes por pressões de grupos interessados em mudar pontos na lei. Além
de estabelecer direitos e deveres dos agentes da Web, o Marco Civil finca
princípios essenciais para o desenvolvimento do país, como a obrigação do Estado
de trabalhar para fornecer acesso amplo e de qualidade à Internet a todos os
cidadãos brasileiros, o que ajudaria a reduzir o chamado Abismo Digital, ou
seja, o aprofundamento da distância entre nações ricas e pobres por conta do
amplo acesso à informação que aquelas teriam, em franca desigualdade na
competição com estas.
A última versão divulgada do Projeto traz importantes modificações ao texto
original e, no meu entender, são de modo geral bastante positivas. Passo a
comentar alguns pontos, deixando outros de lado por questões de espaço.
Segundo esse último texto, o respeito à liberdade de expressão passa a ser um
princípio destacado do Projeto (artigo 2º), o que é excelente em um país marcado
pela derrota sistemática desse direito na antinomia com outros, como o direito à
honra (e está aí a polêmica das biografias não autorizadas que não me deixa
mentir).
A alteração nos aspectos de neutralidade de rede, apontada por alguns como uma
mudança que só atende aos interesses das teles, também me soou muito positiva e
equilibrada. A neutralidade mais radical, que estava expressa no texto original,
poderia inviabilizar a dotação de canais privilegiados para aqueles serviços que
exigem maior banda, como streaming de vídeos, voz e games; inviabilizaria também
a comercialização de pacotes de banda mais ou menos amplos (50 megas para um, 10
megas para outro, etc), o que não atenderia nem o usuário que consome menos
banda nem muito menos aquele heavy user .É importante estabelecer a neutralidade
como um objetivo filosófico de não discriminação de pessoas e ideias, o que não
implica necessariamente na proibição de discriminação do tipo de serviço
contratado pelo usuário.
Relevante modificação foi também introduzida no artigo 16, que, na redação
original, afirmava ser facultativa a guarda de logs pelas aplicações de Internet
(por exemplo, mídias sociais, sites de comércio eletrônico, chats, etc), numa
visão bastante radical da privacidade. O novo texto estabelece a obrigatoriedade
da guarda de logs por 6 meses, prazo bastante razoável. É importante estar
atento à regulação desse ponto, contudo, para que o interesse das instituições
da persecução e da repressão a ilícitos não determine prejuízo às expectativas
legítimas de privacidade dos usuários da Internet no país.
Por fim, destaco importante alteração inserida no contexto do artigo 12 do Marco
Civil, que potencialmente cria o dever para os provedores de conexão à Internet
e de aplicações de Internet manter servidores no território nacional com o
armazenamento dos dados de que trata a Lei. A medida parece ter sido sugerida
pelo contexto de resposta aos incidentes de espionagem norteamericana, mas me
parece inócua e a atrair um elevado custo para as empresas atuantes no setor.
Mais do que garantir a privacidade dos dados, criar um servidor a mais poderia
ajudar a torna-los mais vulneráveis. Como a pressão por esse ponto é bastante
forte, não vejo muitas chances de esse ponto ser suprimido no texto final, o que
lastimo.
À exceção desse ponto, acredito que o debate em torno do Marco Civil está sendo
salutar para a sociedade. Preserva-se a responsabilização subjetiva dos
provedores, que é um ponto de fulcral importância para a garantia de não censura
na Rede e para a proteção da liberdade de expressão, equilibra-se a questão da
neutralidade e insufla razoabilidade em pontos como a guarda de logs. Vamos
continuar atentos.