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Fonte: Estadão
[29/12/13]
Marco Civil não pode esperar mais um ano - por Carolina Rossini
Carolina Rossini é advogada e diretora do Open Technology Institute (New America
Foundation)
Mais um ano se passa sem que os brasileiros consigam ver aprovada a sua
Constituição da Internet – o Marco Civil. O projeto é o resultado de um intenso
processo de consulta pública e construção multisetorial iniciado em 2009 e que
se tornou um exemplo mundial de democracia participativa. Mas nem mesmo todos os
compromissos políticos negociados ao longo desses anos, principalmente em 2013,
foram suficientes para lidar com disputas políticas regadas pela oposição do
poder econômico das empresas de telecomunicações.
Em uma época pós-Snowden, na qual a Casa Branca está por decidir o futuro do
direito à privacidade dos cidadãos do mundo em seu processo de revisão dos
poderes da NSA, todos saímos perdendo se o acerto final não for favorável aos
direitos dos usuários.
Os pontos de maior conflito são também os que refletem os elementos cruciais
defendidos pela presidente Dilma em seu histórico discurso sobre governança da
internet na ONU, em Nova York, em outubro. São eles a liberdade de expressão,
privacidade, o respeito aos direitos humanos e a neutralidade da rede.
Com a versão de novembro de 2013 reapresentada na segunda semana de dezembro com
algumas alterações para acomodar a pressão das teles, grande destaque foi dado à
liberdade de expressão e à prevalência de maiores garantias ao devido processo
legal na relação entre usuário, provedor e autoridades judiciais e policiais.
Privacidade e a neutralidade da rede, no entanto, ainda estão em risco. Sobre o
primeiro princípio, o último texto afirma que o disposto no Marco Civil da
Internet deve suportar o desenvolvimento de novos modelos de negócio para a
rede. A afirmação encontra-se no início da lei e não no artigo da neutralidade
(artigo 9), mas possui direto impacto sobre o princípio. Enquanto permite
diferenciação de preços por velocidades oferecidas, pode abrir uma janela para
diferenciação de serviços com base na diferenciação de conteúdo e aplicações
oferecidas. Esperamos que uma revisão do texto atente para esse detalhe e
preserve, como é, a internet aberta para todos.
O direito fundamental à privacidade também sofre com a possibilidade aberta na
lei para a localização forçada de servidores no país e a obrigação à guarda dos
registros de acesso de todos os usuários. A localização forçada de dados não
responde à vigilância internacional (ou nacional) como alguns podem pensar. A
internet é global e as comunicações são globais. A infraestrutura da internet é
global. Ao ouvir uma música, ver um filme, fazer uma compra online, fazemos com
que nossos dados circulem por inúmeros cabos e fibras, muitos desses submarinos
e a maioria deles propriedade de empresas multinacionais. Manter parte dos dados
no território nacionais simplesmente não funciona.
Bem-vinda, entretanto, é a regulamentação das ações das empresas e o que as
empresas fazem com os dados de seus usuários. Isso sim pode servir para ajudar a
proteger a nossa privacidade ou, pelo menos, garantir práticas mais
transparentes. O suporte a novas tecnologias, como acesso sem fio comunitário e
planos para cidades digitais, também oferece grande ajuda contra a vigilância.
Por tudo isso, a privacidade na internet representa claramente um dos principais
desafios da nossa próxima década e pode ser a oportunidade para o Brasil reter
um papel de destaque na governança global da internet.
Um dos primeiros passos nesse sentido é aprovar o Marco Civil e, esperamos,
antes do encontro internacional que o Brasil vai hospedar em abril de 2014, no
qual líderes do mundo todo e representantes de todos os setores afetados pela
rede vão se reunir em São Paulo para discutir um novo modelo de governança
global da internet.