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Fonte:O Estado de S.Paulo
[05/11/13]
Liberdades ameaçadas - Editorial Estadão
O adiamento da votação do Marco Civil da Internet - decidido na semana passada
pelo presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves, sob o argumento de
que só submeteria ao plenário um texto que resultasse de consenso - abriu espaço
para a articulação de poderosos interesses econômicos que ameaçam a essência da
proposta - a liberdade dos usuários e a liberdade de expressão. Embora já se
tenha esgotado o prazo para sua tramitação em regime de urgência e agora nenhum
projeto de lei poderá ser votado antes dele, o projeto ainda será discutido numa
comissão geral, marcada para amanhã, para, só então, ser levado à votação.
O Marco, que vem sendo discutido desde 2009, é uma espécie de lei geral da
internet e tem como objetivo assegurar os direitos dos internautas e definir as
responsabilidades, direitos e limites de atuação das empresas de
telecomunicações, como produtoras de conteúdo, provedoras de acesso ou
operadoras de telefonia. Até onde se conhecia do texto a ser submetido ao
plenário - o substitutivo elaborado pelo relator do projeto na Câmara, deputado
Alessandro Molon (PT-RJ) -, estavam assegurados dois princípios essenciais do
Marco Civil, o da neutralidade, que assegura a liberdade de uso da rede, e o da
liberdade de criação e divulgação de conteúdo. A união de interesses das
gigantes da telefonia e de radiodifusão coloca em sério risco esses princípios.
A ação das empresas de telefonia contra a neutralidade na forma definida pelo
relator levou o presidente da Casa a adiar a votação do projeto na semana
passada. A imprensa noticiou a realização, há alguns dias, de uma reunião na
residência do presidente da Câmara para chegar ao consenso ao qual ele
condicionou a votação da proposta. Estiveram presentes representantes de
empresas de telefonia e da maior rede de televisão do País, além do deputado
Eduardo Cunha, líder do PMDB na Casa, que defende a posição das teles, e do
relator do projeto.
Mas o acordo parece cada vez mais distante. A neutralidade defendida por Molon
assegura aos usuários a transmissão das informações sem nenhuma discriminação,
baseada na origem, no destino ou no conteúdo do que está sendo transmitido. A
empresa operadora não pode reduzir a velocidade de transmissão ou derrubar a
conexão quando o pacote transmitido exceder determinados limites por ela
fixados.
O que as teles querem é exatamente o contrário, o direito de oferecer serviços
variados, a tarifas e velocidades variadas, conforme o volume de dados que o
usuário quiser transmitir, e interromper as conexões sempre que o volume exceder
o limite contratado.
A presidente Dilma Rousseff defendeu, em diversas ocasiões, a neutralidade na
internet. Espera-se que, mantendo coerência, continue a fazê-lo, mesmo à custa
de novos atritos com o líder de um importante partido de sua base na Câmara.
A entrada da maior rede de televisão do País no debate trouxe nova ameaça à
essência do projeto. A pretexto de defender direitos autorais, ela pretende
incluir no projeto o direito de mandar retirar qualquer conteúdo da rede por
simples notificação extrajudicial, e não por decisão judicial, como é hoje. A
pretensão, se acolhida, constituiria séria ameaça à liberdade de expressão.
Há, obviamente, interesses negociais nessas propostas. Mas, ainda que tais
interesses contrariem os dos usuários, o que de mais nocivo elas contêm é o
potencial de ferir ou desrespeitar direitos essenciais dos cidadãos, como as
liberdades de expressão e de uso da rede mundial de computadores.
E os que ameaçam esses direitos são empresas que continuam a cobrar caro por
serviços deficientes tolerados pela agência reguladora do setor. Na mais recente
tentativa de mostrar algum serviço de interesse dos usuários, a agência elevou
de 20% para 30% do valor contratado a velocidade mínima que as empresas devem
oferecer. É isso mesmo: elas podem oferecer só 30% do que cobram. E querem
cobrar mais por isso.