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Leia na Fonte: Veja
[16/11/13]  As quedas de braço por trás do Marco Civil - por Renata Honorato

Há disputas ideológicas em torno do projeto de lei que vai disciplinar a rede. E há também embates comerciais pela exploração de um mercado bilionário

De um lado, empresas de telecomunicações. Do outro, companhias de internet. Ora em uma posição, ora em outra, governo e especialistas. Há disputas ideológicas em torno do projeto do Marco Civil que vai a votação na Câmara dos Deputados com o objetivo de estabelecer as regras da rede brasileira. E há também, é claro, embates comerciais pela exploração de um mercado bilionário. Nessa briga, dois setores vivem em choque permanente: as teles e as empresas web. As primeiras são responsáveis pela infraestrutura por onde navegam os dados de telefonia (fixa e móvel) e banda larga. As empresas web oferecem serviços diversos, do buscador Google à rede social Facebook. À primeira vista, são atividades complementares. A prática vem mostrando, contudo, que os dois blocos competem mais a cada dia e isso se expressa no jogo de pressões e discursos sobre o Marco Civil no Congresso.

O setor de teles é um titã. Faturou 214 bilhões de reais no Brasil em 2012. Mas ele vem perdendo algum espaço — e muito dinheiro — para companhias de internet. O exemplo mais notório desse fenômeno é a ascensão dos serviços conhecidos como "voz sobre IP" (ou VoIP), que permitem a comunicação de voz e imagem pela rede. O mais famoso deles é o Skype. O resultado é a redução da conta do telefone do usuário e, por tabela, o enxugamento da receita das teles. Segundo estudo britânico da empresa MobileSquared, especializada no mercado móvel, as operadoras de telefonia de todo o mundo deixaram de faturar cerca de 36 bilhões de dólares em 2012 em decorrência da popularização do Skype e congêneres.

Uma das armas de contra-ataque das teles é oferecer novos produtos, alguns dos quais rivalizam diretamente com atrações das empresas web. "Para continuar faturando alto, as teles precisam enfrentar empresas web e de TI, como a IBM", diz Samuel Rodrigues, analista da IDC, consultoria especializada no setor de tecnologia. É o caso do Now, produto da Net, serviço de vídeo por demanda similar ao americano Netflix.

A reação das teles ao avanço das web inclui a posição contrária à instituição da neutralidade de rede, um dos principais pontos do Marco Civil. A neutralidade prevê que as teles, provedoras de conexão, devem tratar todos os dados que circulam na rede de forma igual, não cabendo distinção por tipo, origem ou destino de arquivo. Se a posição das teles prevalecer, essas empresas poderão impor uma cobrança proporcional ao uso da rede. Assim, usuários afeitos a games, vídeos e serviços de VoIP, que exigem a transmissão de grandes arquivos digitais, pagariam mais. Em caso de derrota da neutralidade, as teles poderiam ainda privilegiar os seus próprios serviços em detrimento dos oferecidos por empresas web.

[Ver Infográfico na Fonte (Gráfico com as seguintes Colunas: Assunto / A nova Lei / Como é hoje / A favor / Contra / O melhor para o usuário) ou na transcrição no final desta página]

Outra ponto de disputa que emerge no Marco Civil é a publicidade na internet. É uma briga por um bolo que está crescendo. Neste ano, os anúncios devem injetar 6 bilhões de reais no mercado digital nacional, sendo que 80% desse montante provavelmente ficará nas mãos de alguns gigantes da web, como Google e Facebook, de acordo com estimativas da IAB Brasil (Interactive Advertising Bureau), entidade que monitora a publicidade on-line.

As teles querem, é claro, um pedaço do bolo. Contudo, o texto do Marco Civil apresentado pelo relator do projeto, Alessando Molon (PT-RJ), impede que essas companhias entrem na fila do doce. O trecho do projeto de lei dedicado ao assunto veda às teles o direito de armazenar registros de navegação dos usuários — informações como data, horário e site acessado por um cliente. Sem essas informações, é impossível seguir os passos dos usuários pela rede e entender seus hábitos e preferências. Não há essa limitação para as empresas web, que podem fazer isso, desde que o usuário esteja logado a seu serviço. "Aprovar o Marco Civil como está seria oficializar o monopólio da propaganda na internet para redes sociais e buscadores", diz Alexander Castro, presidente do SindiTelebrasil, entidade que representa as operadoras de telefonia.

As teles podem ganhar uma batalha, contudo, se prevalecer a intenção do governo de obrigar, via Marco Civil, as empresas web a manter os dados dos usuários usuários brasileiros em data centers instalados em território nacional. Especialistas são contra. As empresas de internet também.

Os primeiros alegam que a ideia é inócua, pois não garante o que o governo aparentemente quer: coibir a violação de dados pessoais por empresas ou governos estrangeiros.

Google e Facebook vêm reafirmando seguidamente posição contra a obrigatoriedade da hospedagem nacional. "A emenda proposta ao Marco Civil, exigindo que as empresas de internet mantenham os dados de usuários brasileiros em data centers locais, arrisca limitar o acesso a serviços de empresas dos EUA e outros países", diz o gigante das buscas. O Facebook complementa: "O armazenamento de dados é um desafio enorme e essencialmente técnico. Uma exigência como essa que vem sendo debatida frustrará a inovação e criará barreiras desnecessárias para empresas nascentes."

Copatrocinadoras de medida, ao lado do governo, as teles alegam que os data centers nacionais podem gerar empregos por aqui. Pode ser verdade, mas não é toda a verdade. Segundo relatório do SindiTelebrasil, as empresas do setor investiram 25 bilhões de reais na construção de data centers em 2012. Agora esperam mais clientes. Se a lei der uma ajudinha, tornando compulsório o uso da infraestrutura instalada no Brasil, não há do que reclamar. Google e Facebook, entre outros, seriam muito bem-vindos.

Não surpreende o fato de a votação ter sido adiada diversas vezes na Câmara. Os próprios parlamentares se dividem sobre os temas controversos do Marco Civil. O PMDB, maior partido da base governista, é ao mesmo tempo contrário à neutralidade (posição defendida pelas telas) e aos data centers locais (tese das empresas web). O relator Molon está do lado das companhias de internet na questão da neutralidade, mas em lado oposto quando o assunto é hospedagem compulsória de dados. O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, petista como a presidente Dilma Rousseff e o relator Molon, diverge de ambos no assunto neutralidade e pede alteração na redação do artigo que trata do tema. Google, Facebook e similares reclamam que Eduardo Cunha, líder do PMDB na Câmara, não ouve seus pleitos. As teles dizem o mesmo sobre Molon.

Enquanto o projeto de lei não segue para votação, representantes dos interessados circulam pela Câmara em busca de aliados. Em outubro, durante a redação final da matéria, Katie Harbath, diretora de políticas públicas do Facebook, circulou por Brasília ao lado de Bruno Magrani, gerente de relações governamentais da rede social, responsável por buscar a aproximação com os parlamentares. Katie, porém, garantiu que sua visita não tinha relação com a votação da "constituição da internet", como é conhecido o Marco Civil. "Minha visita está relacionada ao treinamento de políticos brasileiros", disse a executiva.

Infográfico da Veja

  A NOVA LEI COMO É HOJE A FAVOR CONTRA O MELHOR PARA O USUÁRIO
Neutralidade de rede Obriga os provedores de conexão à internet (empresas como Oi, Vivo, GVT e Net) a tratar de maneira igual toda a informação que trafega pela rede, sendo proibidas distinções em razão do tipo, origem ou destino dos pacotes de dados Hoje, uma resolução da Anatel já estabelece a neutralidade. O dispositivo pode ser facilmente revogado, o que seria evitado com sua inclusão na lei
Governo, especialistas e empresas provedoras de aplicações de internet (como Google, Facebook e Netflix). Eles alegam que a medida impedirá que a web se transforme em uma espécie de TV a cabo, obrigando usuários a adquirir pacotes específicos para acesso eficiente a certos tipos de conteúdo, como os vídeos, por exemplo. Afirmam também que, sem a neutralidade, os provedores de conexão poderiam priorizar seus serviços em detrimento dos oferecidos por concorrentes
 
As teles, provedoras de conexão à internet, pleiteiam o direito de oferecer serviços personalizados (pacotes de e-mails, pacotes de vídeos, pacotes de VoIP etc.) para usuários, cobrando menos de quem compartilha arquivos menores A neutralidade é um meio de fomentar a concorrência, pois impede que os provedores de conexão dominem também a oferta de serviços e aplicações. Por isso já foi adotada nos Estados Unidos e Europa
Guarda dos registros de navegação de usuários
Proíbe que provedores de conexão à internet (empresas como Oi, Vivo, GVT, Net) armazenem registros que permitam saber quais sites foram acessados pelos usuários e quando. Os provedores de aplicação (Google, Facebook, Netflix etc.) podem guardar tais dados desde que não repassem as informações a terceiros
 
Tanto os provedores de conexão quanto os de aplicação podem guardar registros de navegação pelo prazo máximo de três anos, segundo recomendação do Centro Gestor de Internet (CGi), que reúne atores do setor Especialistas e empresas provedoras de aplicações afirmam que os provedores de conexão já têm sob seu domínio os registros de acesso dos usuários à rede: somar a isso informações relativas ao acesso a aplicações promoveria uma espécie de “navegação grampeada” Os provedores de conexão querem acesso aos registros de navegação para oferecer publicidade dirigida aos seus clientes. Eles também argumentam que, sem o registro de acesso de usuários a aplicações, seria impossível identificar o autor de um crime virtual — tese contestada por especialistas A medida é correta. Hoje, os usuários podem escolher se circulam ou não pela web logados a sites como Google e Facebook, fornecendo informações de navegação a eles. Eles não têm a mesma escolha em relação aos provedores de conexão, daí a importância de estabelecer limites para o uso que essas empresas podem fazer dos registros de navegação dos seus clientes
Instalação de data centers no Brasil Obriga empresas estrangeiras de internet que atuam no país (como Google, Facebook, Twitter, Netflix) a armazenar dados de usuários brasileiros em data centers (grandes servidores) instalados no país As empresas de internet armazenam dados em data centers espalhados pelo planeta. O governo e os provedores de conexão (Oi, Vivo, GVT e Net). O Planalto afirma que os data centers no Brasil tornariam mais difícil a espionagem eletrônica e mais rápida a obtenção de informações em disputas judiciais. As empresas de telefonia, que têm capacidade ociosa nos data centers instalados no país, afirmam que a obrigatoriedade fortaleceria o mercado de TI local
Especialistas e provedores de aplicações de internet são unânimes em afirmar que a medida não impediria a espionagem e traria empecilhos para o avanço da internet no Brasil, uma vez que a construção de data centers obedece a razões técnicas e econômicas: eles são geralmente erguidos em pontos de entroncamento da rede global de telecomunicações
 
A medida não deveria ser adotada, pois ignora a lógica da internet. Ela não impediria a espionagem. Ao impor custo extra às empresas do setor, pode ainda afastar empresas do país