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[19/11/13]   Marco Civil: A história se repete - por Mariana Mazza

Depois de uma reunião de líderes partidários na manhã desta terça-feira, a votação do Marco Civil foi adiada mais uma vez. Na semana passada, o discurso de apoiadores e opositores do texto proposto pelo relator, deputado Alessandro Molon (PT/RJ), era o de colocar o projeto em votação, com ou sem acordo. A maioria venceria, fazendo valer a mais singela das regras do processo democrático. Mas os dias passaram e, na insegurança de ambos os grupos sobre as reais possibilidades de fazerem suas propostas prevalecerem, os dois lados capitularam. E todos voltaram a defender um pretenso acordo, mesmo sendo bem evidente a dificuldade de atingirem um ponto comum nesta discussão.

Este novo adiamento já era aguardado, principalmente por conta da dificuldade em obter quórum para votações em uma semana com um ponto facultativo dia 20 é o Dia da Consciência Negra -, tratado como feriado certo pelos parlamentares. Mas a explicação para a suspensão não se resume apenas a uma semana com feriado prolongado para os deputados. Desde que a Presidência da República determinou que o projeto tramitasse em regime de urgência, descortinou-se uma segunda intenção do governo que passa longe da intenção de votar o Marco Civil. Deixar o projeto o maior tempo possível sem votação virou uma carta na manga para o Poder Executivo.

Para quem não entende os meandros do processo legislativo pode parecer uma incoerência o governo pedir urgência em um projeto e sua bancada não votá-lo. O truque está no fato de projetos com este tipo de tramitação trancarem a pauta da Câmara dos Deputados. Na prática, nada pode ser votado até que o Marco Civil sejam apreciado. Existem algumas exceções, como o caso da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que pode ser apreciada amanhã. Mas o grosso das propostas legislativas fica impedido de ser apreciado até que o projeto urgente seja votado ou que o governo volte atrás e recoloque a proposta em tramitação ordinária.

A vantagem do governo está no fato de que há uma série de projetos que aumentam os custos do Executivo na pauta da Câmara. E, com o Plenário travado pelo Marco Civil, a Presidência pode respirar aliviada de que nada passará. Neste jogo, periga a votação do Marco Civil passar muito tempo sendo adiada apenas para garantir que proposta alguma seja aprovada neste ano. Mas é claro que os deputados dizem que estão, na verdade, em busca de um acordo. Nenhum parlamentar com bom senso admitirá que está atrasando a aprovação de um projeto importante para a sociedade apenas para agradar o Poder Executivo.

O que torna tudo ainda mais triste é que esta história é figurinha repetida no álbum do Marco Civil. No ano passado o projeto passou semanas sendo adiado, sessão após sessão, em busca do suposto acordo que nunca foi selado. Como era o último ano de Marco Maia (PT/RS) na presidência da Câmara, o deputado não aceitou a possibilidade de colocar o Marco Civil em regime de urgência. Precisava mostrar serviço como acontece com todos os presidentes da Câmara em fim de mandato e logo despachou o projeto para a gaveta, liberando a pauta para prosseguir com a votação de outras propostas.

Era de se esperar que o tal acordo tivesse sido alinhavado durante esses longos meses que separaram a primeira da segunda tentativa de votação. Mas não foi o que aconteceu. A vida seguiu na Câmara e, não fosse a janela de oportunidade aberta pelo escândalo dos grampos norte-americanos sobre o governo e empresas brasileiras, era bem possível que o Marco Civil estivesse na gaveta até hoje.

Existem algumas coisas básicas no processo político e a história já deu várias lições de que certas artimanhas sempre funcionam. Uma delas é que o alongamento do debate sobre um projeto quase sempre funciona contra a proposta e não a favor, como muitos imaginam. Se um projeto não possui acordo para garantir uma aprovação confortável no Plenário, invariavelmente isso significa que forças poderosas são contrárias às novas regras. Se não há espaço para ceder, prolongar o debate normalmente resulta no surgimento de novas polêmicas, retroalimentando a discórdia e dando um álibi para que os opositores consigam o mais querem: que nada seja aprovado.

O Marco Civil está passando por esta rotina política. A cada dia que o projeto deixa de ser votado novas polêmicas surgem como justificativa para protelar ainda mais a votação. Questões que pareciam pacificadas voltam a mostrar rachaduras e até quem era a favor passa a duvidar da possibilidade de aprovação. O Congresso Nacional vira um refém da tentativa de conciliação que, diga-se de passagem, é muito boa e desejável, mas que não é necessária para a deliberação democrática de uma proposta. Lembrem-se, uma votação democrática busca retratar o entendimento da maioria, não o pleno consenso.

Com base nos pronunciamentos feitos no último debate público sobre o assunto é evidente que a maioria está a favor do Marco Civil proposto por Molon. Mas como o potencial perdedor dessa disputa são as poderosas teles, o jogo agora é adiar e debater as minúcias do projeto até rachá-lo de vez. Nenhuma empresa aceitará pacificamente perder uma oportunidade de ganhar mais dinheiro. E o Marco Civil, como está, restringirá os projetos das teles de transformar a Internet em uma espécie de TV por assinatura, em que o consumidor é obrigado a contratar pacotes cada vez mais caros se quiser usar os serviços mais populares na web. Ao que tudo indica, os apoiadores do projeto podem ser maioria, mas não possuem a mesma força no tabuleiro político que as teles para convencer os deputados a acabar com esse cabo de guerra.

Por outro lado, o acirramento da disputa por vezes traz surpresas. A última no debate sobre o Marco Civil foi a declaração de franco apoio ao projeto feita pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lula reuniu vários dirigentes estudantis em seu instituto para discutir o tema e ajudar na mobilização em prol da proposta. Segundo o portal Brasil 247, o ex-presidente prometeu se envolver pessoalmente na questão e usar sua influência no governo e no Congresso Nacional para garantir que o texto seja aprovado. "O governo precisa chamar a sua base para que vote de acordo com o que a presidente Dilma pensa. O projeto não pode ser votado antes de cada ministro garantir que seu partido vai votar a favor do projeto", disse Lula, de acordo com o site.

Fala-se muito em fisiologismo e como o sistema de alianças políticas praticado pelo governo do ex-presidente Lula e da presidente Dilma minam as chances de uma ampla reforma política no Brasil. Mas, já que as alianças existem, é mais do que justo esperar que os partidos aliados ao governo apoiem os projetos considerados prioritários pela Presidência. O ícone da oposição ao Marco Civil é o deputado federal Eduardo Cunha, líder do PMDB na Câmara. PMDB este que, supostamente, é o principal partido aliado do governo petista. No passado, a votação do projeto naufragou em boa parte por conta da forte oposição feita pelo ministro das Comunicações, o petista Paulo Bernardo, agora afastado dos debates. Ironicamente, parece que apenas a oposição não vê problemas no projeto. O apoio de Lula pode ajudar a desatar este nó, lembrando aos partidos da base aliada o custo político que um Marco Civil mal feito ou não aprovado trará para todos no ano eleitoral.