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Fonte: Jornal do Brasil
[27/11/13]
Polêmicas e interesses da Constituição da internet - por Marcos Sakamoto
Marcos Sakamoto é presidente da Assespro-SP — associação que congrega as
empresas de TIC (Tecnologia de Informação e Comunicação) e tem como objetivo ser
a interlocutora do setor na busca e defesa de seus interesses diante do mercado
e das autoridades.
A nova redação do Marco Civil da internet, apontado como a "Constituição da
internet", foi apresentada no início do mês com muitas mudanças em relação à
versão anterior, do final de 2012. Vários parágrafos e artigo foram incluídos no
projeto de lei, segundo o relator Alessandro Molon (PT-RJ), com o intuito de
fortalecer o princípio da neutralidade de rede e a privacidade dos usuários da
internet, além de atender aos pedidos feitos pela presidente Dilma Rousseff após
as denúncias de espionagem realizadas pelo governo norte-americano.
Anunciado em novembro de 2009, o Marco Civil foi elaborado por acadêmicos e,
logo depois, disponibilizado em um blog que permite comentários abertos e, por
consequência, eventuais contribuições. Quatro anos depois, nenhum dos pontos
virou lei, porém os temas deram origem a uma briga de interesses que se arrasta
até hoje. Atualmente, as questões sobre de quem é a responsabilidade pelo
contedo disponibilizado na internet (empresa ou autor do contedo), por exemplo,
ainda são julgadas conforme o entendimento do juiz. Para se ter uma ideia, o STF
ainda julga o caso de responsabilidade do Google pela existência de algumas
comunidades do antigo Orkut.
Entre as inclusões da nova versão, estão pontos polêmicos como o princípio da
neutralidade da rede, considerado nas palavras do relator como o "coração da
proposta"; a obrigatoriedade de data centers dos provedores de conexão e de
aplicativos de internet estrangeiros que se instalarem no Brasil; o direito à
privacidade e a retenção de dados.
Os dois primeiros pontos, neutralidade da rede e obrigatoriedade de os data
centers serem no Brasil, sem dúvida são os mais polêmicos, por influenciarem de
maneira mais enfática as ações das empresas. O princípio da neutralidade da rede
determina que os provedores de conexão não poderão oferecer aos usuários pacotes
com serviços diferenciados, por exemplo, só com e-mails, apenas com acesso a
redes sociais ou incluindo acesso a vídeos.
Os favoráveis a esta determinação defendem que ela garante um tratamento
isonômico aos usuários, obrigando que todo o conteúdo seja oferecido com a mesma
velocidade contratada, independemente da maneira como o internauta irá usá-lo
(para assistir a vídeos, enviar e-mail ou acessar as redes sociais). Já os
contrários a esta resolução defendem que a legislação deve se atrelar a
princípios básicos e ser flexível para não "congelar" a rede. O congelamento
impediria a gestão da mesma, o que influenciaria de maneira negativa no mercado.
Porém, vale lembrar que o próprio relator afirma que continuará existindo oferta
de pacotes com velocidades diferenciadas. Portanto, persistirá a diferenciação
nos preços de acesso à internet, com aqueles que dispõem de mais recursos tendo
um acesso mais rápido e aqueles com menor poder aquisitivo, tendo uma internet
mais lenta.
O segundo ponto polêmico é o que obriga os data centers de provedores a estarem
localizados no país. Segundo Molon, as novas regras foram incluídas no texto a
pedido da presidente Dilma Rousseff, depois das denncias de espionagem do
governo norte-americano.
O problema é que determinar que os data centers devem estar sediados no Brasil é
como tentar criar fronteira em um universo que por si só não possui barreiras. O
temor é que esta medida leve muitos provedores a não disponibilizarem serviços a
usuários brasileiros. Além disso, o custo de manutenção dos data centers no país
é muito elevado. Estima-se ser superior até mesmo ao de países vizinhos da
América do Sul, como Argentina e Colômbia. A saída, neste caso, seria por meio
de outras vias, por exemplo o estímulo fiscal.
Por fim, no que tange ao direito à privacidade e à retenção de dados, o texto
determina que os provedores deverão respeitar a legislação brasileira incluindo
direitos à privacidade e ao sigilo dos dados pessoais, mesmo que a empresa
esteja sediada no exterior. Cláusulas contratuais que violem a garantia do
direito à privacidade e à liberdade de expressão passarão a ser consideradas
nulas. Já a retenção dos chamados logs (dados de conexão, que incluem endereço
IP, data e hora do início e término da conexão) deverá ser feita pelo período de
um ano.
Como se vê, o texto afeta os interesses de muitos públicos: empresas, usuários,
governos. É de suma importância que o governo brasileiro agilize o processo de
aprovação, porém realizando um amplo debate com associações, empresas e demais
representantes do setor. A aproximação entre entidades e representantes públicos
e a troca de experiências entre eles pode contribuir para tornar a "Constituição
da internet" mais coesa e assertiva.