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Fonte: Observatório da Imprensa
[01/10/13]
Neutralidade da rede é essencial - por Ruan de Sousa Gabriel (Debate entre
Eugênio Bucci, Sérgio Amadeu e João Brant)
Ruan de Sousa Gabriel é estudante de jornalismo na ECA-USP
Em meio às recentes denúncias de que a presidente Dilma Rousseff e a Petrobras
teriam sido espionadas por agentes ligados aos serviços de inteligência dos
Estados Unidos, o governo brasileiro pediu ao Congresso Nacional que coloque em
votação, em regime de urgência, o Projeto de Lei 2.126/2011, o chamado Marco
Civil da Internet. A solicitação foi publicada no Diário Oficial da União no dia
11 de setembro. A partir daí, cada uma das casas do Congresso tem 45 dias para
votar a proposta. Detalhe perverso: a proposta já estava parada na Câmara havia
mais de um ano.
Diante dessa nova agenda, em que o Marco Civil volta ao destaque no noticiário,
um debate realizado entre Eugênio Bucci, jornalista e professor da ECA-USP e da
ESPM, Sérgio Amadeu, sociólogo e professor da UFABC e João Brant, radialista,
mestre em regulação e políticas de comunicação pela London School of Economics e
doutorando pela USP, pode interessar ao leitor deste Observatório.
Os três estudiosos se reuniram, no escritório do primeiro, em São Paulo, na
noite de 1º de agosto de 2013. O objetivo era discutir as linhas gerais do Marco
Civil da Internet, como a neutralidade da rede e a proteção aos dados do
usuário. Gravados em vídeo, alguns trechos dessa conversa estão disponíveis
somente agora.
O que está em jogo
A questão da neutralidade – princípio geral de que os pacotes de informação que
trafegam na rede serão tratados de forma isonômica – polarizou o debate sobre o
Marco Civil. De um lado, estão o governo e aqueles que fornecem conteúdo na
rede, como sites e empresas jornalísticas; do outro lado, as operadoras de
telecomunicação – as companhias telecom. Os primeiros defendem que o fluxo de
informação na rede seja livre, que ninguém precise pagar mais por privilégios de
tráfego ou para disponibilizar determinado conteúdo. As telecom, por sua vez,
querem cobrar de acordo com o conteúdo que trafega na rede e tratar, de maneira
diferenciada, os diferentes pacotes de informação. Segundo Amadeu, ao apresentar
um projeto de Marco Civil calcado em valores como a liberdade de expressão, a
defesa da privacidade do usuário e a neutralidade da rede, o governo não anteviu
a oposição que sofreria por parte das operadoras.
Um dos argumentos usados pelas telecom é o de que provedores de aplicação como o
Google e o Facebook têm lucros bastante significativos ao trafegarem pela rede,
e que o investimento necessário para garantir esse tráfego recai de maneira
desproporcional sobre as operadoras. O que as empresas de telecomunicação
desejam é poder cobrar dessas grandes corporações para possibilitar que o
usuário tenha acesso ao conteúdo oferecido por elas. Na opinião dos debatedores,
essa quebra de neutralidade não afetaria, num primeiro momento, o usuário, mas
sim fornecedores de conteúdo como a Wikipédia ou pequenos blogueiros, que não
têm como pagar as operadoras por privilégio de tráfego.
As empresas de telecomunicação também querem assegurar a opção de oferecer
pacotes diferenciados ao usuário, cujos preços variam de acordo com os serviços
utilizados. “A quebra da neutralidade significa que eu [as operadoras] vendo
pacotes diferenciados para o consumidor e negocio com quem é o fornecedor do
conteúdo”, resumiu Brant.
Controle sobre as redes
O que está em jogo no Marco Civil, segundo Sérgio Amadeu, não é a quebra da
neutralidade em si, mas as “possíveis exceções à quebra da neutralidade”, já
que, no Brasil, as operadoras não se sentem à vontade para propor que o tráfego
de informação na rede seja controlado pelos princípios do livre mercado. O
sociólogo explica o argumento das operadoras: a melhor maneira de regular um
recursos escasso, como são as redes, seria pelas regras de mercado, que
permitiria que as empresas de telecomunicação manipulassem o fluxo de
informações na rede e oferecessem privilégios de tráfego aos fornecedores de
conteúdo mediante preços negociados, “mudando completamente o modo como funciona
internet hoje”.
O argumento das empresas de telecomunicação de que a afirmação de uma
neutralidade tão ampla afetaria seus modelos de negócio é contestado pelos
especialistas, que o consideram falacioso. De acordo com João Brant, o modelo de
negócios que permite a mercantilização do acesso à rede com base na velocidade
de tráfego dos dados, e que garante os altos lucros das operadoras, está
preservado.
Ao final da discussão, Eugênio Bucci sugeriu que “se não houver neutralidade das
redes, o trânsito [de ideias, de informações] é privado”. Amadeu completou o
pensamento do jornalista ao afirmar que quem detiver o controle sobre as redes,
controlará também a criatividade. Na opinião do sociólogo, “para que internet
possa continuar funcionando como hoje, é [preciso] garantir a neutralidade da
rede”.
Assista aos principais trechos desse debate