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Fonte: Reuters Brasil
[02/10/13]
Resposta brasileira para espionagem na Internet pode dar errado, diz setor -
por Esteban Israel e Alonso Soto
Para as empresas de tecnologia no Brasil, a decisão do governo de mirar as
companhias em resposta à espionagem norte-americana é tão inteligente quanto
enviar um email raivoso no calor de uma discussão.
O plano da presidente Dilma Rousseff de obrigar as empresas de Internet a
armazenar dados de usuários dentro do país não terminará com as preocupações
sobre segurança virtual no Brasil, e pode aumentar os custos e prejudicar
futuros investimentos em um importante mercado emergente para empresas como
Google, Facebook e Twitter, disseram analistas e executivos da indústria.
"Pode acabar tendo o efeito oposto do que se pretendia, e afugentar empresas que
querem fazer negócios no Brasil", disse Ronaldo Lemos, professor na Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), que ajudou a formular a legislação de
Internet no Brasil.
Dilma ficou indignada depois que documentos divulgados pelo ex-analista de
inteligência norte-americano Edward Snowden mostraram que a Agência de Segurança
Nacional dos EUA (NSA) espionou cidadãos brasileiros, a Petrobras e até mesmo as
comunicações da própria presidente.
Em resposta, Dilma passou a priorizar um projeto de lei que exige que grandes
empresas de Internet armazenem localmente dados reunidos nos servidores dentro
do Brasil. De outra forma, elas não poderão fazer negócios em um dos mercados de
tecnologia e mídia social que cresce mais rápido no mundo.
O projeto de lei ainda não foi publicado, e o número de empresas na mira do
governo é incerto.
No entanto, o deputado petista Alessandro Molon (RJ), relator do Marco Civil da
Internet, disse recentemente que o número de empresas afetadas poderia ser
contado "nas duas mãos".
No que foi interpretado pela indústria como outro sinal de hostilidade, o
ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, sugeriu recentemente que as empresas
de tecnologia não estavam pagando impostos suficientes.
Uma fonte da indústria, falando sob condição de anonimato devido à delicadeza da
questão, disse que muitas empresas ainda estão esperando para ver a lei, e como
será implementada, antes de decidir se continuarão com os planos de investir no
país. Algumas poderiam até mesmo sair do Brasil.
"É uma ideia horrível", disse a fonte. "E mesmo se o governo sabe, ele sente que
precisa continuar pressionando e enviar um forte sinal político".
Mesmo se os dados fossem mantidos em centros de dados brasileiros, ainda seriam
replicados em servidores no exterior, dizem os especialistas. Ter bancos de
dados inteiros em um único país tornaria a informação mais vulnerável a ataques
cibernéticos.
TAMANHO DO MERCADO IMPORTA
Mas até agora o governo se recusa a abandonar seu plano, apostando
principalmente que o Brasil é um mercado grande demais para as empresas
ignorarem.
"Não acredito que essas empresas vão parar suas atividades lucrativas no
Brasil", disse Molon, acrescentado que construir centros locais seria um "custo
pequeno" para empresas tão grandes.
O secretário de Política de Informática do Ministério de Ciência e Tecnologia,
Virgílio Almeida, que também está envolvido na questão, citou o Facebook como
uma empresa que deveria ter uma presença física maior no Brasil.
"O Brasil é o segundo maior mercado (do Facebook) em termos de usuários, e mesmo
assim a empresa tem infraestrutura zero no país. Seria natural, mesmo do ponto
de vista empresarial, ter parte dela aqui", disse Almeida.
Um estudo patrocinado pelo grupo de telecomunicações Brasscom descobriu
recentemente que os custos de operação de um centro de dados no Brasil podem ser
até 100 por cento mais altos do que nos Estados Unidos. Isso se deve
principalmente ao alto custo de eletricidade e aos pesados impostos sobre
tecnologia importada.
Almeida disse que o Ministério da Ciência e Tecnologia está estudando incentivos
fiscais para empresas dispostas a manufaturar servidores no Brasil. Subsídios de
eletricidade, ele disse, poderiam vir a ser discutidos com o Ministério da
Fazenda.
A ideia de exigir que dados sejam hospedados localmente ganhou força depois que
o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, tentou persuadir as autoridades
norte-americanas a executar todos os outros pedidos de vigilância através dos
tribunais brasileiros. Ele disse que o pedido foi rejeitado durante uma viagem
recente a Washington.
Almeida sugeriu que os prejuízos podem não ser tão ruins quanto algumas empresas
acreditam.
"É uma concepção ainda em construção", disse. "Acho que a indústria está vendo
esse debate sobre os centros de dados de maneira muito extrema".
FORTALEZA-VLADIVOSTOK
O rescaldo do escândalo da NSA também pode fortalecer outras iniciativas do
governo com relação à Internet.
Um projeto prevê ligar o Brasil e seus pares no grupos de países emergentes
Brics através de um cabo de fibra óptica de 34.000 quilômetros sem passar pelos
Estados Unidos. O cabo iria de Fortaleza até Vladivostok, na Rússia, também
ligando a África do Sul, a Índia e a China.
A Internet é fortemente centralizada nos Estados Unidos, o que significa, por
exemplo, que um email enviado por Dilma a seu colega russo Vladimir Putin
provavelmente irá passar por um servidor em Miami.
"Essa é uma boa oportunidade de procurar melhores opções de conectividade",
disse Leslie Daigle, chefe de Tecnologia de Internet na Internet Society, um
grupo sediado nos EUA que defende uma rede aberta.
Especialistas dizem que a conscientização é mais importante do que cabos
colossais de fibra óptica ou email locais ou serviços de criptografia em um país
onde autoridades responsáveis por fazer a política da Internet às vezes têm uma
má compreensão do assunto e geralmente trocam informações confidenciais através
do Gmail ou Whatsapp, serviço de mensagem instantânea para smartphones.
"Ao introduzir mais tecnologia, você está na verdade introduzindo mais problemas
em vez de abordar as questões", disse William Beer, analista de segurança
cibernética da empresa de serviços profissionais Alvarez & Marsal, em São Paulo.
Dilma fez da nova estrutura legislativa da Internet uma prioridade, significando
que a Câmara dos Deputados pode votá-la até o final de outubro. Com relação à
regra de localização dos dados, o deputado Molon parece determinado.
"As coisas não podem continuar como estão", disse. "Precisamos de uma resposta
política contra um ato político que violou nossa soberania".