WirelessBRASIL |
|
WirelessBrasil --> Bloco Tecnologia --> Crimes Digitais, Marco Civil da Internet e Neutralidade da Rede --> Índice de artigos e notícias --> 2013
Obs: Os links originais das fontes, indicados nas transcrições, podem ter sido descontinuados ao longo do tempo
Leia na Fonte: BBC Brasil
[24/10/13] Debate
sobre controle da internet ainda procura solução global - por Pablo Uchoa
*** É um debate no qual as partes interessadas não sabem exatamente o que
querem, mas sim o que não querem.
A interrogação de como gerenciar a internet – e quem deve fazê-lo – ganhou corpo
após as revelações de espionagem na rede vazadas por Edward Snowden,
ex-funcionário da Agência de Segurança Nacional americana (NSA, na sigla em
inglês).
Mas até agora, mais propostas foram rejeitadas do que bem recebidas, indicando a
complexidade dos interesses envolvidos em um debate que está sendo impulsionado
em parte pelo Brasil.
Em uma discussão promovida pelo centro de estudos Wilson Center, em Washington,
um painel de especialistas trouxe à tona a variedade de questões presentes na
discussão.
É possível conciliar a tarefa dos governos de patrulhar a rede em busca de
potenciais terroristas com as liberdades fundamentais e o direito à privacidade
das sociedades ocidentais?
E como evitar um confronto de "soberanias" – como disse a presidente Dilma
Rousseff em seu discurso na ONU, referindo-se à espionagem americana sobre
outros governos, inclusive o seu – sem causar uma fragmentação da rede, ou
"balcanização", como dizem os especialistas?
As questões têm levado a soluções nacionais – o marco civil da internet no
Brasil, por exemplo, que está prestes a ser analisado na Câmara dos Deputados –
mas, em nível global, as interrogações permanecem sem resposta, à espera de
propostas que consigam fazer convergir interesses tão distintos.
*** Solução brasileira
"Ainda não há nenhuma proposta concreta sendo discutida", disse o conselheiro da
corporação americana encarregada de atribuir domínios, o ICANN, Jamie Hedlund.
Falando à BBC Brasil após o evento, ele disse que "uma forma de fazer isso seria
chegando a um modelo de política nacional que possa ser implementado em todos os
países".
Até o episódio envolvendo a NSA, os EUA podiam sem grande polêmica ser
considerados um exemplo neste tipo de discussão.
A legislação americana de privacidade no setor de telecomunicações data dos anos
em que procurou-se evitar a repetição dos excessos cometidos pelos serviços de
inteligência do governo durante o governo do ex-presidente Richard Nixon
(1969-1974).
Mas a polêmica da NSA erodiu a liderança no tema – opinião comum entre analistas
americanos –, e a internet coloca na equação uma realidade que ultrapassa
fronteiras, requerendo ações mais coordenadas em nível internacional.
Voz ativa na discussão, a presidente Dilma Rousseff não esconde que pretende
fazer do marco civil da internet brasileiro uma inspiração para um arranjo
semelhante que gerencie o funcionamento da rede no mundo.
Entre os pontos incluídos no projeto de marco civil da internet estão a garantia
de neutralidade da rede – ou seja, que todos os dados da internet possam ser
acessados sem distinção de conteúdo -, a garantia de privacidade dos usuários,
salvaguardas aos dados pessoais dos internautas e uma regulamentação
estabelecendo em que situações conteúdo pode ser retirado da rede.
Dilma anunciou uma conferência no Brasil em abril do ano que vem com o intuito
de promover discussões para chegar a uma internet "aberta, democrática e
participativa".
“Defendemos (…) que haja marco civil multilateral para governança e uso da
internet. Isso implicaria numa discussão sobre a proteção dos dados da internet
para impedir que qualquer movimentação de combate ao terrorismo (…) seja usada
como álibi para guerra cibernética”, disse a presidente nesta quinta-feira em
entrevista à rádio Itatiaia.
A linha será defendida pelo ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, durante o
Fórum Internacional de Governança da Internet (IGF), uma iniciativa da ONU cuja
reunião anual está ocorrendo em Bali, na Indonésia, até o fim desta semana.
*** Polêmica
Entretanto, um ponto na proposta do governo que está em tramitação no Congresso
Nacional, com o objetivo de garantir essa proteção de dados, está sendo acusado
de ir contra esse intuito: a cláusula que obrigaria empresas de telecomunicações
a manter no Brasil as informações de cidadãos brasileiros.
A ideia gerou oposição de cerca de 50 organizações e associações empresariais
que enviaram uma carta ao Congresso em Brasília, alertando que a iniciativa, se
aprovada, teria "consequências indesejadas" como menor segurança dos dados,
maior custo para empresas e consumidores brasileiros e menor competitividade
para a economia do país.
"Arquivos envolvendo brasileiros, por essa lei do marco civil da internet,
estarão no Brasil e não mais nos Estados Unidos, como ocorre hoje", disse Dilma
à Itatiaia. "Eu tenho a certeza e a convicção que a grande maioria dos países
democráticos vai procurar participar desse processo (…) que envolve, obviamente,
os marcos civis da internet locais, mas exige também uma 'engenharia' da
internet internacional que permita que a gente garanta esse espaço democrático
para todos os cidadãos do mundo."
Durante o evento em Washington, um dos mentores do marco civil, o especialista
Ronaldo Lemos, disse que a ideia de incluir a nacionalização de centros de dados
na legislação não partiu da sociedade civil e sim de "setores" do governo
brasileiro após os escândalos de espionagem.
Lemos questionou os efeitos da medida sobre a eficiência dos serviços de
internet no Brasil, lembrando que a infraestrutura brasileira já enfrenta
gargalos, por exemplo, no campo de energia.
Ecoando a queixa, o sócio da consultoria Prospectiva, Ricardo Sennes, avaliou
que a proposta enfrenta resistências mesmo dentro da sociedade brasileira.
E todos os especialistas concordaram que outro perigo da proposta, mais além da
dificuldade técnica, tem a ver com a possibilidade de outros países seguirem o
exemplo, gerando uma espécie de "efeito dominó" e culminando na chamada
"balcanização" da internet.
O termo invoca a fragmentação do espaço virtual até hoje considerado fluido – e
percebido como tal –, e a sua substituição por um maior controle da internet por
parte dos Estados nacionais.
*** Estados x Estados
Uma proposta de controlar a internet em instâncias como a ONU, vista com
simpatia pelo governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, recebeu o
apoio de nações como China e Rússia, mais conhecidas pela censura à internet que
o respeito à liberdade de expressão.
Um modelo nesta linha possivelmente aumentaria os instrumentos dos governos para
evitar ações de espionagem de outros governos. Mas entidades de direitos civis
alertam que em vez de liberar a rede dos Estados nacionais, a proposta criaria
ainda mais vigilância.
Na linha atual defendida pelo governo Dilma, o controle estatal deu lugar no
discurso à governança multilateral e sobretudo "participativa", com a inclusão
de vozes da sociedade entre as partes interessadas.
Mesmo que uma proposta global para a internet ainda seja uma realidade distante,
Jamie Hedlund, do ICANN, acredita que a discussão foi apenas acelerada pelas
revelações de Snowden.
"Se surge um problema envolvendo a internet agora, quem devo chamar?", ilustrou
o executivo. "Essa já era uma preocupação antes de Snowden."