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Leia na Fonte: Portal da Band / Colunas
[29/10/13]  Cadê o Marco Civil? - por Mariana Mazza

Ah, o Marco Civil da Internet... Há duas semanas, os defensores da democratização da Internet comemoravam a perspectiva de uma votação rápida do projeto, que promete enfim estabelecer a base legal para o bom convívio entre usuários e empresas na web. A esperança foi renovada com a determinação da presidente Dilma Rousseff de que a proposta tramite em regime de urgência na Câmara dos Deputados em um contra-ataque às denúncias de espionagem do governo norte-americano em terras brasileiras. Com o regime de urgência, o projeto tem 15 dias para ser aprovado no Plenário ou passa a trancar a pauta da Câmara, impedindo que outras propostas sejam votadas. Pois bem, as duas semanas passaram, o projeto está oficialmente trancando a pauta desde ontem e o sonho de ver a proposta aprovada em sua versão mais progressista voltou a se esvair.

A manchete de hoje no portal da Câmara dos Deputados dava destaque à declaração do presidente da Casa, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB/RN), de que não havia chance de votar o projeto nesta terça-feira. O destino do Marco Civil foi discutido hoje à tarde em uma reunião de líderes partidários. Os mais otimistas acreditam que o texto só deve ser colocado em votação na próxima terça-feira, 5. Não custa lembrar que o projeto conta com o apoio da presidente Dilma e até do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, até pouco tempo atrás franco opositor da proposta. Sendo assim, por que não abrir a votação hoje? Segundo Henrique Eduardo Alves, ainda há muitas divergências entre os deputados sobre o texto proposto pelo relator Alessandro Molon (PT/RJ).

Existem mesmo muitas divergências. Mas o que se imaginava é que boa parte desses problemas seria solucionada após o envolvimento direto do Palácio do Planalto na aprovação. Essa movimentação deveria ter desatado a maioria dos nós, já que as tentativas de votação realizadas no passado foram frustradas justamente por conta de divergências dentro do próprio governo. A disputa entre os deputados sempre foi um mero reflexo dessa discordância. É fato que um projeto com desdobramentos tão fortes no modelo de negócios de companhias gigantescas como as teles sofre resistências para ser aprovado. O aspecto inesperado que poderia ter reequilibrado as forças nessa disputa foi o escândalo dos grampos promovidos pelo governo dos Estados Unidos.

Desde que as notícias sobre a espionagem da agência norte-americana de segurança, a NSA, começaram a circular no Brasil, a presidente Dilma Rousseff saiu em defesa da soberania nacional e do direito de privacidade dos cidadãos brasileiros. E passou a usar a aprovação do Marco Civil como a principal arma de defesa brasileira contra a bisbilhotagem internacional. Na verdade, a futura lei não é tão poderosa assim. Mas a iniciativa de instituir direitos e deveres básicos para quem usa a Internet é pioneira e foi bem recebida na comunidade internacional. No entanto, a demora em aprovar o projeto já começa a nos deixar em maus lençóis.

Existem muitos boatos sobre os efeitos das divergências dentro do Congresso Nacional. E a maioria deles não pode ser considerada boa notícia para quem aguarda a aprovação de um texto de vanguarda, que coloque o Brasil à frente na defesa da democracia na Internet. Fala-se muito que itens sensíveis do texto estão passando por uma reforma. Obviamente, o artigo que trata da neutralidade de redes princípio que garante a não discriminação do tráfego de pacotes na Internet é um desses itens revisitados. O pedido feito pessoalmente pela presidente Dilma para incorporar ao texto a previsão da guarda de dados no Brasil também travou os debates ao sofrer franca resistência dos provedores de conteúdo.

Mas o comentário mais preocupante dá conta de que a Casa Civil estaria trabalhando em um projeto paralelo, que poderia substituir o tão discutido Marco Civil. A julgar pelos nomes que estariam envolvidos nesse projeto secreto, a proposta pode até ser mais progressiva do que o texto que está sendo debatido no momento. Mas se esta estratégia foi mesmo colocada em curso, o efeito pode ser tremendamente nocivo por reabrir um debate que já dura anos. Na impossibilidade de neutralizar um projeto que lhe incomoda, as empresas sempre usaram a tática da protelação no Congresso Nacional. Se o governo resolver rediscutir a proposta, ele estará dando a munição necessária para que essa estratégica se cristalize de vez.

Após conversar com as lideranças, o relator do Marco Civil defendeu que o texto seja colocado em votação apesar das controvérsias. Isso seria o correto, afinal buscar uma unanimidade entre os 513 deputados é sempre utópico. E, neste caso, até mesmo um acordo entre as lideranças partidárias parece bem distante. A dúvida que fica no ar é se o momento político e empresarial não é o real vilão desta história. Com grandes negócios sendo alinhavados no setor de telecomunicações fusão Portugal Telecom/Oi e compra da Telecom Itália pela Telefónica fica a impressão de que ninguém quer mexer neste vespeiro agora. Por outro lado, os grupos das teles são grandes financiadores de campanha. Às vésperas do ano eleitoral, os políticos podem não estar tão dispostos a contrariar futuros apoiadores.

Enquanto os jogos continuam, a sociedade é quem sai perdendo. Ficamos sem um Marco Civil da Internet... Exatamente o que as empresas querem.