WirelessBRASIL |
|
WirelessBrasil --> Bloco Tecnologia --> Crimes Digitais, Marco Civil da Internet e Neutralidade da Rede --> Índice de artigos e notícias --> 2013
Obs: Os links originais das fontes, indicados nas transcrições, podem ter sido descontinuados ao longo do tempo
Leia na
Fonte: Canal Tech
[28/10/13]
Entenda o Marco Civil da Internet, que deverá ser votado nesta semana na Câmara
- por Giancarlo Silva
A expectativa já dura cerca de quatro anos em meio a polêmicas, reviravoltas e
adiamentos. Elaborada em caráter colaborativo e visando criar regras claras
sobre os direitos e deveres dos cidadãos brasileiros na rede mundial de
computadores, o Marco Civil da Internet finalmente deverá ser levado à votação
na Câmara dos Deputados nesta semana, em caráter de urgência devido às recentes
denúncias de espionagem das redes digitais e de telecomunicação da presidente
Dilma Rousseff e da Petrobrás pela NSA, a Agência de Segurança dos Estados
Unidos.
O conjunto de diretrizes criado no ano de 2009 vem passando por constantes
transformações – algumas boas, outras questionáveis – e com o tempo se tornou um
Projeto de Lei, sob o número 2126/2011, anexado a um outro PL, de número
5403/2001.
Mas, afinal, o que é exatamente o Marco Civil da Internet? Que direitos e
deveres ele garante aos brasileiros? Quais problemas existentes ele busca
resolver?
O que é?
O Marco Civil da Internet é um conjunto de diretrizes legislativas que tem o
objetivo de regular o uso da Internet em nosso país, pela previsão de
princípios, garantias, direitos e deveres de seus usuários. Se aprovado, o
Estado deverá atuar de acordo com as diretrizes de tal Marco para a execução de
leis que garantam o fornecimento do acesso com qualidade e o uso irrestrito e
justo da internet. O Marco Civil foca em três aspectos básicos que necessitam
ser regulamentados para garantir o exercício da cidadania:
Neutralidade da Rede
De acordo com o chamado Princípio da Neutralidade, toda e qualquer informação
que trafegue na internet deverá ser tratada de igual maneira, trafegando na
mesma velocidade (dentro do contratado pelo usuário) e sem qualquer restrição,
vigilância, monitoramento ou censura. Atualmente, diversos provedores de
conteúdo (ISPs) impõem práticas de controle de tráfego – o chamado traffic
shaping – que prejudicam o funcionamento de determinados recursos e serviços
online.
Telefonia por VoIP, sites de vídeos e streaming de conteúdo, protocolos de
compartilhamento de arquivos e outros serviços, alguns deles essenciais, são
prejudicados por essa limitação importada por muitos dos ISPs existentes no
mercado. Os artigos do Marco Civil que abordam a Neutralidade da Rede visam
combater essa e outras práticas de limitação e discriminação do tráfego de dados
na rede.
Outro grande problema a ser combatido é o risco de violação de privacidade, pois
é cada vez maior a incidência de empresas que rastreiam e monitoram o tráfego
dos dados para coleta e uso de informações sem o consentimento dos usuários.
Reserva Jurisdicional
O Marco Civil da Internet também prevê que a obtenção de dados pessoais e
registros de acesso a internet pelas autoridades deverá ser feita somente
mediante prévia decisão judicial específica e fundamentada, para uso em ações
civis e criminais. O que significa, entre outras coisas, que os ISPs não seriam
obrigados a ceder dados pessoais e histórico de uso da internet dos usuários de
seus serviços, a não ser sob ordem judicial.
Responsabilidade dos Provedores
Este aspecto do Marco rege que os provedores de acesso não devem assumir a
responsabilidade por danos decorrentes do uso indevido da internet por seus
usuários. A prática comum hoje em dia é que, com certa frequência, provedores de
acesso e prestadores de serviços em geral são considerados culpados pelas ações
de determinados usuários que publicam conteúdo que desrespeite as leis ou que
cometa crimes virtuais de qualquer natureza, e são obrigados a bloquear seus
serviços ou o acesso a serviços de terceiros no todo ou em parte, prejudicando
boa parte dos usuários que não tem nada a ver com o uso indevido.
O clássico caso da postagem de um vídeo íntimo da modelo Daniela Cicarelli no
YouTube e consequente bloqueio de todo o site de vídeos em território nacional é
um exemplo do tipo de problema que o Marco Civil da internet deseja combater. Em
uma situação ideal, ao invés de os provedores de internet bloquearem o acesso ao
serviço, eles cederiam às autoridades dados do usuário que postou o vídeo para
que ele seja punido de acordo com a lei. Entretanto, os provedores argumentam
que esse tipo de ação preventiva é tecnicamente inviável, por não existir
capacidade técnica e humana disponível para vigiar o tráfego de toda a rede.
A situação na Câmara
Hoje (28) expira o prazo de 45 dias para que o Projeto de Lei do Marco seja
votado, antes do trancamento da pauta, mas existe a possibilidade de que a
votação seja adiada. O deputado e presidente da Câmara Henrique Eduardo Alves
(PMDB-RN) expressou desejo de que a votação do Marco seja transferida para esta
quarta-feira, conforme noticiado pelo O Globo.
O deputado federal e relator do projeto Alessandro Molon (PT) terá as últimas
reuniões com outros representantes dos ministérios que estão envolvidos com o
Marco Civil. Ele demonstra preocupação com a possibilidade de a parcela do Marco
responsável pelo Princípio da Neutralidade (especificamente o artigo 9º) ser
derrubada pela ação de alguns indivíduos de dentro do Congresso. A Neutralidade
da Rede é defendida pelo Governo Federal, mas encontra oposição tanto por parte
de alguns políticos quanto pelos provedores de acesso e operadoras de
telecomunicações que possuem representação no Brasil.
Interesses próprios?
A Neutralidade da Rede é um assunto crítico justamente por atrair a oposição das
telecoms, que desejam ter o direito de regular a velocidade de acesso oferecida
aos seus clientes dependendo do tipo de conteúdo ou serviço usufruído. Uma mesma
assinatura poderia, por exemplo, estabelecer uma velocidade maior para o acesso
a vídeos fornecidos pelo próprio ISP, mas essa velocidade cairia caso o vídeo
acessado esteja hospedado em um servidor diferente do fornecido pelo provedor.
Pacotes básicos para usos de email e cobrança de valores adicionais para uso de
mensageiros por VoIP, como o Skype, seriam outros exemplos de serviços
"fatiados" e oferecidos de forma limitada, para maximizar os lucros dessas
empresas.
Molon demonstrou ser contra essa prática, que está sendo imposta não só no
Brasil, mas no restante do mundo. Para ele, tal prática encareceria o acesso à
internet e culminaria na exclusão digital. Já Eduardo Levy, presidente da
associação Telebrasil, declarou durante evento na Futurecom na semana passada:
"Somos a favor da neutralidade da rede, mas também somos a favor da democracia
na internet. Uma provedora pode querer oferecer a seus assinantes velocidade
maior para (visualização de) seus próprios vídeos que para os de outras. Mas os
outros vão ter a qualidade mínima garantida, pois a Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel) já nos fiscaliza sobre isso mensalmente".
Outros pontos preocupantes incluem a exigência de que os dados de acesso dos
brasileiros sejam armazenados em data centers instalados em território
brasileiro, com a justificativa de que muitas empresas de TI que têm sede no
Brasil não colaboram facilmente com a Justiça em investigações. O diretor de
políticas públicas do Google Brasil Marcel Leonardi argumentou que a jurisdição
é definida pela nacionalidade da empresa que detém os dados, e não pela
localização geográfica dos servidores, o que tornaria a exigência inútil.
Sem dúvida, o Marco Civil da Internet é um passo importante para a
regulamentação do acesso à internet no Brasil e à garantia de direitos e
responsabilidades por parte de Governo, empresas e usuários, mas pode correr o
risco de ser posto em vigor em um formato diferente do que foi originalmente
elaborado. Resta-nos acompanhar como será a votação e fiscalizar para que o
Marco não seja apenas mais uma ferramenta para viabilizar intenções que vão de
encontro aos interesses da população.