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Fonte: O Estado de S.Paulo
[30/10/13]
A neutralidade necessária - Editorial Estadão
Divergências até mesmo dentro do principal partido de sustentação do governo
impediram a votação ontem, na Câmara dos Deputados, do projeto de lei que
institui o chamado Marco Civil da Internet, que define direitos e deveres de
usuários e provedores e estabelece as diretrizes para a atuação do poder público
para o desenvolvimento da internet no País, e por isso vem sendo chamado de
"Constituição da internet". A persistência das divergências talvez impeça a
votação também na sessão de hoje.
O projeto, que começou a ser elaborado em 2009 e é de grande importância para o
País, está pronto para ser votado há um ano. Mas, por não atender inteiramente
uma parte dos interessados na questão, sua votação vem sendo protelada. Nem
mesmo o fato de que, por tramitar em regime de urgência constitucional, o
projeto passou a trancar a pauta da Câmara - ou seja, enquanto ele não for
votado, a Casa não poderá votar mais nada, exceto propostas de emenda à
Constituição e o Código de Processo Civil - foi forte o suficiente para levá-lo
à votação.
O presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), disse que, se
não houver acordo sobre o texto a ser submetido ao plenário, a votação poderá
ficar para a semana que vem. Até lá, ele espera que se chegue a um entendimento.
"É melhor levar um texto acordado para evitar obstrução e dificuldades no
plenário", justificou.
Em 10 de setembro, em reação às denúncias de espionagem dos Estados Unidos em
vários países, especialmente o Brasil, a presidente Dilma Rousseff enviou
mensagem ao Congresso solicitando urgência para a tramitação do projeto de lei.
Na ocasião, após reunião da presidente com diversos auxiliares diretos, o
ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, afirmou que uma das decisões tomadas
então foi a de levar à votação o texto do relator, deputado Alessandro Molon
(PT-RJ), sobre a neutralidade da rede, uma das questões que mais têm dividido os
deputados, inclusive os da base governista. Há dias, a própria presidente Dilma
Rousseff usou o Twitter para afirmar que "defendemos a neutralidade da
internet".
Para os usuários da internet, este é, de fato, um dos pontos mais importantes da
versão do projeto elaborada pelo relator. O princípio da neutralidade estabelece
que todos os pacotes de dados que circulam pela rede devem ser tratados
igualmente pelas operadoras. Isso significa que as operadoras não podem dar
preferência para determinados clientes, diferenciar velocidades ou privilegiar o
tráfego de determinados dados. A neutralidade assegura a todos os usuários o
acesso livre aos serviços de transmissão de voz e dados, sem necessidade de
pagar valores adicionais por determinados serviços.
As empresas de telecomunicações são contrárias à neutralidade, pois ela impede a
comercialização de pacotes diferenciados, com preços e velocidades de
transmissão igualmente diferenciados. O líder do PMDB na Câmara, deputado
Eduardo Cunha, não vê problemas na oferta de pacotes diferenciados. "Quem só usa
e-mails paga menos", exemplificou.
Abrir caminho, por meio do Marco Civil da Internet, para a montagem de modelos
de negócios, formas de comercialização e política de preços das operadoras, no
entanto, é desvirtuar sua finalidade. Ele deve ser, como foi concebido há quatro
anos, o balizador dos direitos e deveres dos participantes da rede, assegurando
aos cidadãos a liberdade de expressão e às empresas, a liberdade de competir.
Outro foco de divergência no projeto é a privacidade, no caso entendida como a
guarda de dados, como data, horário e duração do acesso à internet. Depois da
revelação dos casos de espionagem pelos Estados Unidos, o governo passou a
defender que a guarda seja feita em datacenters no Brasil. Mas é ilusório
imaginar que uma lei como essa tenha o poder de impedir ações de espionagem. Uma
das soluções seria retirar o tema do projeto do Marco Civil e tratá-lo em um
projeto específico.