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Fonte: Band / Colunas
[12/09/13]
Enfim, Dilma acorda para o Marco Civil - por Mariana Mazza
Na noite dessa quarta-feira, 11, algo excepcional aconteceu nas dependências do
Palácio do Planalto. Cansada do bombardeio contra o governo pela falta de uma
ação efetiva para reverter a crise gerada pelas denúncias de que os Estados
Unidos andam bisbilhotando tudo de importante e desimportante no Brasil, a
presidente Dilma Rousseff fez mais uma reunião de emergência para, enfim, exigir
a votação do Marco Civil da Internet. Não custa lembrar que até a própria
presidente foi alvo dos arapongas da NSA, agência norte-americana de segurança.
É bem provável que a resposta lacônica do governo dos Estados Unidos ao pedido
de explicações feito por Dilma no último domingo tenha pesado na escolha
estratégica de apoiar o Marco Civil. Se o governo brasileiro esperava um
movimento concreto da equipe de Barack Obama, saiu frustrado. No fim, a coisa é
até simples: ou nos defendemos como for possível ou continuaremos passando pelo
vexame de ver nossos políticos, empresas e até cidadãos tendo a privacidade
invadida por outras nações.
O Marco Civil, em si, não tem o condão de resolver a questão da segurança das
comunicações no Brasil. Mas o apoio dado por Dilma ao texto do relator do
projeto, deputado Alessandro Molon (PT/RJ), pode colocar o Brasil em um caminho
virtuoso nas discussões sobre o direito às comunicações na Internet.
Vamos ao que foi acertado ontem na reunião. Dilma convocou o deputado Molon e os
ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e das Comunicações, Paulo Bernardo.
Também foi chamado o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. O primeiro
resultado importante desta conversa foi a definição de que o Marco Civil passará
a tramitar em regime de urgência. Na prática, isso significa que a votação do
texto deve ser concluída em, no máximo, 45 dias. A definição do regime de
urgência é muito importante, já que a votação do projeto está travada desde o
ano passado.
Outro aspecto relevante é o fechamento do apoio do governo ao texto do relator
Alessandro Molon. É preciso lembrar que o impasse nas tentativas de votação foi
gerado justamente por uma divisão dentro do governo. De um lado estava o
Ministério da Justiça, apoiando o texto proposto pelo relator. De outro estava o
Ministério das Comunicações, exigindo mudanças no documento para dar mais poder
à Anatel e flexibilizar itens inconvenientes para as teles.
O ponto principal desta disputa é a neutralidade de redes, princípio que impede
as empresas que prestam serviços de conexão de discriminar o acesso a conteúdos
na rede. Em oposição ao texto proposto por Molon - onde a neutralidade está
prevista com regras claras contra a discriminação -, as empresas de
telecomunicações defendem a inclusão de uma ressalva permitindo a redução da
velocidade do cliente caso ele ultrapasse o consumo de dados contratado. Na
visão das companhias, essa redução não desrespeitaria a neutralidade. Os
defensores deste princípio pensam o contrário.
O fato é que Molon deixou a reunião com Dilma dizendo que não incluirá a tal
ressalva em seu texto, o que é uma excelente notícia para os consumidores. Paulo
Bernardo, franco opositor à proposta do relator, saiu do Palácio do Planalto
dizendo que passará a apoiar o texto como está. Mais uma boa notícia. A grande
alteração que será feita é fruto de um pedido pessoal da presidente Dilma:
inserir no texto a previsão da guarda de dados dos brasileiros que navegam na
Internet em sistemas localizados aqui no Brasil.
Este é um ponto polêmico, especialmente sob a ótica do mercado de provimento de
Internet. Guardar as informações no Brasil trará novos custos para as empresas e
não necessariamente garantirá que os internautas ficarão mais seguros em uma
nova onda de grampos. Isso porque, se o provedor é uma empresa norte-americana,
por exemplo, manter os dados no Brasil não apaga o fato de que este provedor
continuará seguindo as leis de seu país de origem. E essa invasão dos dados de
outros países pelos Estados Unidos tem relação direta com as normas de segurança
nacional norte-americanas, que obrigam as companhias a fornecerem os dados.
Ainda assim, a inserção da guarda das informações não deixa de ser um movimento
político interessante já que no campo diplomático o Brasil não tem se saído tão
bem na polêmica dos grampos. Fica a dúvida, porém, se os eventuais efeitos
maléficos da medida não superarão a tentativa de proteger o cidadão. Mesmo
assim, as dúvidas em torno da eficácia da guarda de dados não deve ser um
obstáculo para a aprovação do Marco Civil como foi a crise em torno da
neutralidade de redes.
Se houve um efeito positivo da novela da NSA no Brasil é o governo ter acordado
para a importância de a neutralidade de redes estar assegurada na lei. Um fato
curioso é que na última reunião da União Internacional de Telecomunicações (UIT)
braço da ONU nas telecomunicações o Brasil defendeu uma visão mais flexível da
neutralidade. Esta visão era encabeçada nos bastidores justamente pela comitiva
dos Estados Unidos. Mais um detalhe interessante: nesta mesma reunião, o Brasil
liderou o grupo de trabalho do tema segurança. E o resultado colocou o país no
centro de uma polêmica. Um dos itens aprovados, segundo a comitiva brasileira,
tinha como intenção sinalizar para a criação de ferramentas de controle de spam.
Mas o texto final usa expressões tão amplas que abriu margem para a
interpretação de que os países poderiam adotar medidas para controlar as
comunicações de seus cidadãos. O Brasil assinou o documento junto com países de
perfil claramente totalitário, como China e Arábia Saudita. Os Estados Unidos e
os países europeus se recusaram a aprovar o texto. Uma última curiosidade: antes
das denúncias de espionagem, o Brasil era favorável ao controle multilateral da
Internet (assim como os Estados Unidos) e as autoridades locais deram muitas
declarações contra a gestão da web pela UIT. Agora as mesmas autoridades dizem
que vão pedir para a UIT gerir itens importantes da oferta de Internet.
Às vésperas dessa reunião histórica em Dubai, o Parlamento Europeu divulgou uma
moção defendendo francamente a neutralidade da rede como uma peça essencial para
a garantia das liberdades individuais e da democracia na Internet. Os
organizadores da reunião da UIT não gostaram. Obviamente preferiam a proposta
colocada pelo Brasil, de que o controle de tráfego não fere a neutralidade. No
fim, este foi um dos eixos da divisão entre os países na conferência
internacional.
Hoje o apoio de Dilma ao Marco Civil, com a neutralidade de redes garantida,
coloca novamente o Brasil no centro dessa discussão mundial. Se o texto for
mesmo aprovado, o Marco Civil colocará o país na dianteira do debate. Isso
porque, apesar das discussões acaloradas, moções e discursos, não há nenhum
precedente no mundo do estabelecimento da neutralidade de redes como um
princípio legal.
O Marco Civil pode não resolver todos os nossos problemas de segurança na
Internet, mas fará com que o Brasil volte a ser respeitado na comunidade
internacional depois de tantas ações confusas nesse setor. Será um sinal claro
de que o Brasil respeita os direitos de quem usa a Internet e que não aceita que
outras nações ataquem esses direitos. Antes tarde do que nunca...