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Fonte: Band / Colunas
[17/09/13]
Males que vêm para o bem - por Mariana Mazza
A presidente Dilma Rousseff anunciou nesta terça-feira, 17, o adiamento da sua
viagem a Washington, que ocorreria neste mês. O motivo do adiamento é a crise
instalada após as denúncias de que o Brasil tem sido espionado pelo governo
norte-americano. Documentos mostraram que a agência norte-americana de
segurança, a NSA, invadiu os sistemas da Petrobras e teve acesso a comunicações
da própria presidente Dilma. O mal estar entre as duas nações ainda não se
dissipou. E isto ficou muito claro na nota oficial divulgada pelo Palácio do
Planalto na tarde de hoje.
"As práticas ilegais de interceptação das comunicações e dados de cidadãos,
empresas e membros do governo brasileiro constituem fato grave, atentatório à
soberania nacional e aos direitos individuais, e incompatível com a convivência
democrática entre países amigos", afirma o governo brasileiro. O documento
também esclarece o que todos já suspeitavam: Dilma não ficou satisfeita com as
explicações dadas até agora pelas autoridades norte-americanas. O que o governo
brasileiro espera agora é um compromisso formal dos Estados Unidos de que as
comunicações no Brasil um país considerado amigo pelos órgãos de defesa
norte-americana não serão mais espionadas. Até lá, a presidente Dilma pretende
fazer um discurso em apoio à liberdade de comunicação e ao direito à
privacidade. O tema será apresentado pelo Brasil na reunião da Organização das
Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque, na próxima semana.
Tardou, mas enfim o governo agiu de forma exemplar nessa história. A saída
encontrada, pela via diplomática, deu corpo à tão invocada
"indignação" das autoridades brasileiras frente às denúncias de espionagem. E se
a presidente Dilma Rousseff arrematar um discurso pela necessidade de se
respeitar os direitos individuais e a soberania das nações no uso da Internet no
encontro da ONU será melhor ainda. Mas, indo além do tabuleiro diplomático, a
crise da espionagem continua dando bons frutos no Brasil. O primeiro movimento
local interessante (explorado na última coluna) foi a presidente Dilma ter
chamado para si a responsabilidade pela aprovação do Marco Civil da Internet com
garantias importantes para a manutenção de um ambiente democrático no uso da
rede.
Ontem mais um movimento importante foi feito. Pela primeira vez em sua gestão,
Dilma Rousseff encontrou-se com o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).
Este grupo, criado pelo governo em 1995, tem a função de coordenar as
iniciativas envolvendo a Internet no Brasil e sugerir estratégias que promovam a
melhoria do serviço. O comitê possui representantes das várias camadas da
sociedade envolvidas diretamente na oferta de Internet e é pioneiro no modelo de
coordenação multilateral da rede. Mesmo sendo vanguardista nas questões de
Internet, o CGI.br vinha sendo constrangido pelo governo até então.
O drama do comitê começou com os debates sobre o Marco Civil da Internet. Com
vários membros contrários às propostas defendidas pelo Ministério das
Comunicações, o grupo passou a ser criticado publicamente pelo ministro Paulo
Bernardo. A gota d`água veio quando o relator do Marco Civil, deputado
Alessandro Molon (PT/RJ), incluiu no texto a previsão de que o CGI.br deveria
ser consultado sobre assuntos críticos envolvendo a Internet. Paulo Bernardo
insinuou em declarações públicas que o CGI.br não teria legitimidade para tratar
do assunto, apesar de o órgão ter sido criado justamente para isso. Para o
ministro, apenas a Anatel deveria ter voz nesta questão.
O encontro do CGI.br com a presidente Dilma literalmente calou Paulo Bernardo,
que segundo fontes não se pronunciou durante todo o encontro. Dilma ouviu dos
integrantes como funciona o tão falado modelo multilateral de coordenação da
Internet e permitiu que o grupo expusesse suas impressões sobre a situação
atual, pondo fim ao isolamento que o Ministério das Comunicações havia imposto
ao comitê. Para se ter uma ideia do quão importante foi este encontro, semanas
antes falava-se no setor que o CGI.br seria fechado pelo governo. Parece que o
Palácio do Planalto compreendeu que o grupo não é inútil como alguns membros do
próprio governo andavam dizendo.
De forma tortuosa, o episódio dos grampos continua trazendo benefícios para o
Brasil. O caso chacoalhou o Palácio do Planalto, não só na diplomacia, mas
alertando para a má gestão que vinha sendo feito dos assuntos ligados à
Internet. Nos últimos anos, as empresas detentoras das redes ditaram a agenda
dos debates sobre a Internet, impondo bloqueios a temas importantes para a
sociedade e silenciando opositores. A crise resgatou a diversidade de ideias e a
relevância de se ouvir especialistas nesta área ao invés de permanecer refém de
uma lógica onde tudo gira em torno da garantia do negócio das empresas que
prestam serviços de Internet. Existem temas bem mais importantes nessa briga,
como a privacidade e o direito à comunicações. Nada como um grampo nos e-mails
da própria presidente da República para relembrar o que deve ser prioridade.