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Leia na Fonte: Estado de S.Paulo
[18/09/13]  Dilma e a internet livre - Editorial Estadão

A presidente Dilma Rousseff não pode hesitar em usar seu poder de veto caso o Congresso resolva desfigurar o Marco Civil da Internet. Se é verdade que ela é favorável à neutralidade da rede, como manifestou a integrantes do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) em reunião na última segunda-feira, então não há razão para permitir que essa importante conquista, responsável pela expansão da internet no País, seja anulada por força de interesses das grandes operadoras de telecomunicações.

A neutralidade da rede é o princípio segundo o qual se garante acesso irrestrito à internet, sem a necessidade de pagar valores extras para obter determinados serviços de voz ou de dados. As teles vêm se esforçando para romper essa neutralidade, porque querem ampliar seus ganhos com a cobrança de taxas para diferenciar clientes, velocidade e volume de dados transmitidos.

No limite, a prevalecer a pressão das teles, o acesso a determinados sites pode ser limitado em razão do perfil econômico do internauta. Embora ninguém no governo ou no Congresso seja publicamente contrário à neutralidade da rede, o Ministério das Comunicações e uma parte dos parlamentares vêm se mostrando sensíveis ao argumento segundo o qual a internet é um negócio das teles e que essas empresas têm de ter alguma forma de “equilíbrio financeiro”. Esse é um dos impasses que vêm travando a aprovação do Marco Civil.

As teles, porém, são apenas a infraestrutura que permite o tráfego de informações, mas nada têm a ver com o conteúdo em si, razão pela qual não podem impor barreiras econômicas a esse fluxo, que deve ser livre por definição. Qualquer empecilho representaria a necessidade de licença para a criatividade e o empreendedorismo, que são a grande marca da internet. Ademais, o Marco Civil não deve se prestar a regular a cobrança de tarifas, pois seu objetivo é apenas estabelecer princípios.

No entanto, com base no raciocínio de que a internet é seu negócio, as empresas de telecomunicações pressionam para que o Marco Civil atribua à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) o poder de regulamentar a rede. Mas a liberdade da internet depende da manutenção do atual modelo, em que não há nenhum órgão regulador.

Hoje, cabe ao CGI.br – composto por representantes do governo, das empresas, da sociedade civil e da comunidade acadêmica – coordenar os serviços de internet, zelar por sua qualidade técnica e promover sua disseminação.

Caso atribua à Anatel o poder de regular a internet, como querem as teles, o Marco Civil igualará esse serviço às telecomunicações em geral, cujas empresas dependem de licença estatal para funcionar. Seria uma intolerável deformação do elogiado modelo de governança da internet brasileira, pois caracterizaria uma trava à inovação e ao crescimento da rede – sem falar da possibilidade de censura.

Mesmo assim – e provavelmente em razão da recente derrota que sofreu no Congresso, quando seus vetos ao projeto dos royalties do petróleo foram derrubados –, Dilma evitou garantir que vetará uma eventual distorção do Marco Civil que enseje qualquer forma de controle ou obstáculo à internet. Com isso, a despeito de seu discurso em favor do atual modelo, a presidente sinaliza que aceitará o que vier.

Além disso, em vez de assegurar que sua base no Congresso mantenha intocados os atuais pilares da gestão da internet no País, Dilma parece mais empenhada em explorar o assunto para faturar politicamente, depois da revelação de que os serviços de espionagem dos Estados Unidos podem ter monitorado autoridades e empresas brasileiras.

Em sua ânsia eleitoreira, a presidente deliberadamente confunde a discussão do Marco Civil com o problema da proteção de dados contra a bisbilhotice alheia, como se bastasse uma lei para impedir a espionagem. No entanto, o Marco Civil deve se prestar somente a determinar direitos e deveres na internet, e não a criar maneiras de pegar arapongas americanos no pulo.