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Fonte: Observatório da Imprensa
[08/04/14]
Boa intenção, ideia questionável - por Eduardo Ribeiro Luna Toledo
* Eduardo Ribeiro Luna Toledo é consultor jurídico e escritor
Não se questiona que o projeto de lei 2.126/11, que estipula o Marco Civil da
Internet, poderia ser uma ação legislativa sem precedentes no contexto global.
Tampouco que sua formação contou com a participação maciça de vários setores da
sociedade civil, especialistas e agentes econômicos envolvidos. Tratar-se-ia da
criação de uma política para o assunto que, se por um lado mereceria aplausos;
por outro não se poderia esconder a frustração relativa aos aspectos omissos e
confusos, ao jogo partidário e á conjuntura peculiar que resultou na votação em
urgência de um texto de lei que se revela insuficiente, inexequível e
burocrático para a organização da vida social.
Tanto o texto anterior quanto o texto modificado preveem que os provedores de
internet não podem excluir da rede “imagens, vídeos, ou outros materiais
contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado sem autorização de
seus participantes” – após receberem “notificações de seus ofendidos” (sic). Uma
leva de ofendidos surgirá de todos os lados:
(a) ofendidos pelo nu artístico;
(b) ofendidos pelas páginas de garotas de programas e nightclubs,
(c) uma gama
de ofendidos por motivos de credo, etnia, opção sexual e todas as minorias
imagináveis.
Importa dizer que a censura, após notificação de ofendidos, será julgada
discricionariamente pelos provedores de serviços da internet. Conforme se
observa atualmente na maior rede social brasileira, o nu artístico gera o
banimento do usuário; ao passo que, outras ofensas, nem tanto (ver aqui). A
norma está contida no artigo 21 do projeto de lei.
Significa dizer, ainda, que a proteção dos dados dos usuários remanesce sob o
julgamento axiológico das empresas prestadoras de serviços. Conforme o artigo
11, “deverá ser obrigatoriamente respeitada a legislação brasileira, os direitos
à privacidade, a proteção dos dados pessoais e o sigilo das comunicações
privadas” – pelas empresas de internet que gerenciam os dados de seus usuários.
O termo “ordem judicial”
Deixar sob a responsabilidade das empresas o julgamento de valores em respeito à
legislação brasileira demandará um decreto regulamentador que, salvo melhor
juízo, na prática, não conseguiria estipular deveres e obrigações
minuciosamente, sem que se incorra em vícios de inconstitucionalidade
flagrantes.
Conforme o artigo 9º, a “discriminação ou degradação do tráfego será
regulamentada por Decreto e somente poderá decorrer de:
I – requisitos técnicos
indispensáveis à prestação adequada dos serviços e aplicações; e
II –
priorização a serviços de emergência”.
Em outras palavras: a discriminação ou
degradação do tráfego de conteúdo da rede será objeto de regulamentação do
“Presidente da República (...) ouvidos o Comitê Gestor da Internet e a Agência
Nacional de Telecomunicações”.
Se, por um lado, tratar-se-ia de um avanço regulamentar a neutralidade da rede
não somente via Anatel; por outro, demandar-se-ia uma burocracia infernal ao se
impor uma aprovação da questão por 3 órgãos estatais. A rede internet é
dinâmica, não haveria neutralidade que poderia funcionar segundo o modo de
proceder previsto no projeto de lei. Finalmente, se o leitor ler o texto que
será votado pelo Senado Federal poderá notar nossa herança burocrática. Não
seria necessário repetir, aqui, os motivos que fizeram com que o projeto de lei
recebesse tramitação de urgência nas casas legislativas. Trata-se de um texto
conciso, como deve ser os projetos de leis ordinárias. Mas se prestarmos atenção
a uma curiosa estipulação, entender-se-ia ao que me refiro.
Experimente contar quantas vezes o termo “ordem judicial” consta do projeto de
lei. Vou lhe poupar esse trabalho. Nas normas contidas em 25 artigos, “ordem
judicial” é remetida a seis ocasiões – praticamente – para cada seção do texto
de lei.
(1) no artigo 7º (Dos Direitos e Garantias dos Usuários);
(2) no artigo
10º (Da Guarda de Registros);
(3) no artigo 13 (Da Guarda de Registro de Acesso
e Aplicações da Internet);
(4) no artigo 15; e
(5 e 6) no artigo 16 (Da
Responsabilidade por Danos Decorrentes de Conteúdo Gerado por Terceiros).
Por isso, não custa lembrar ao usuário para se preparar, caso tenha que fazer
valer alguns de seus direitos da carta. Uma breve leitura do texto do projeto de
lei pode antecipar o que teremos pela frente.