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Fonte: Estadão / Link
[24/04/14]
Teles buscam brechas no Marco Civil para driblar neutralidade - por Murilo
Roncolato e Anna Carolina Papp
Representante do setor disse que haveria em andamento acordo sobre um decreto
para regulamentar as exceções ao princípio
SÃO PAULO – Após a aprovação do Marco Civil da Internet pelo Congresso e sanção
pela presidente Dilma Rousseff, o relator do então projeto de lei, o deputado
federal Alessandro Molon (PT-RJ), sabia que novas brigas surgiriam. As empresas
de telecomunicações, que tanto insistiram em mudanças enquanto a discussão
corria na Câmara, agora pretendem explorar possíveis brechas por meio de
diferentes interpretações da lei, afirmando que o texto não veta a venda de
pacotes de dados diferenciados por conteúdo.
Na primeira sessão plenária do dia na NETmundial, Alexander Castro,
representante do sindicato das companhias do setor (Sinditelebrasil), disse que
haveria um acordo em andamento sobre um decreto para regulamentar as exceções da
neutralidade de rede, um dos principais princípios defendidos no Marco Civil,
sancionado na abertura do evento pela presidente Dilma Rousseff.
‘Não há como contornar o que está no Marco Civil’, diz relator
Deputado Alessandro Molon rebate operadoras e diz que “conceito de neutralidade
é cristalino”
Uma fonte próxima ao assunto, relacionada às empresas e ao sindicato, afirmou
que as operadoras tentariam legitimar acordos com as OTTs (Over-the-top content),
como são chamadas empresas que exigem muita banda larga para o tráfego de seus
conteúdos, sendo o maior exemplo a Netflix. Ao Link, o deputado Alessandro Molon
rebateu a intenção e disse que o princípio da neutralidade em vigor no Brasil
por meio do Marco Civil da Internet é claro e que “não há como contornar a lei”.
“O conceito de neutralidade é cristalino. Não pode haver discriminação de
pacotes de dados pela rede em função da sua origem, conteúdo, destino, serviço,
terminal ou aplicação”, disse. “Isso seria discriminar em função da origem,
talvez não discriminem pelo destino, mas pela origem sim. Dependendo da origem o
conteúdo chegaria mais rápido para o usuário? Então não pode.”
Para a advogada do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Veridiana Alimonti,
além de discriminar conteúdo, a prática geraria uma discriminação econômica.
“Quem quer ter um Netflix mais rápido, o que podemos oferecer é um plano de
banda larga melhor, ou podemos discutir sobre a criação de mais pontos de troca
de tráfego no Brasil”, diz Alimonti, que também participa do Comitê Gestor da
Internet (CGI.br). “Mas acordos comerciais entre empresas de conteúdo e empresas
de telecomunicações para um privilégio de tráfego são muito complicados, porque
isso é uma afronta a algo que é muito importante na internet: a criatividade e a
inovação.”
O fundador do Núcleo de Direito, Internet e Sociedade (NDIS) da Faculdade de
Direito da USP, Dennys Antonialli, acredita que a permissão para modelos de
negócios, prevista no texto do Marco Civil não pode ser utilizada pelas
operadoras como brecha. “Pelo Marco Civil, essa liberdade existe, desde que se
respeite esse tráfego de maneira isonômica”, explica.
Para o doutorando, há uma chance de que o Judiciário se torne parte importante
na discussão, agora que há o Marco Civil direcionando as decisões legais. Mas
essa jurisprudência pode gerar controvérsias. “O problema de judicializar é que
o judiciário não está pronto para lidar com essas questões técnicas ainda, ao
menos não de forma homogênea, tanto do ponto de vista do funcionamento da rede
como do ponto de vista concorrencial, para decidir sobre neutralidade da rede.”
Para o deputado Alessandro Molon, “se começarem a surgir interpretações sobre o
texto que o parlamento não pretendia, o parlamento deve corrigi-lo, tornando
ainda mais claro o trecho que esteja gerando alguma ambiguidade.”
NETmundial. Em sua fala, Castro, do Sinditelebrasil, questionou ainda os
parágrafos 5, 10 e 12 do rascunho da carta de princípios discutida no evento. O
parágrafo 12, em especial, pode ser interpretado como uma referência à própria
neutralidade de rede, ainda que sem citá-la explicitamente. O texto prevê
“tratamento técnico igualitário de todos os protocolos e dados”. A diretiva
antes no evento, no entanto, era de não abordar o assunto no documento, uma vez
que não há consenso sobre o tema em outros países.
Paul Mitchell, representante da Microsoft, defendeu na NETmundial alterações no
mesmo parágrafo. “Tratar dados de forma igualitária no âmbito técnico é
impossível, já que há serviços críticos e emergenciais que devem ter
prioridade”, diz.
Apesar de elogiar o Marco Civil da Internet e a jornada brasileira no
estabelecimento de princípios para a rede, ele afirma que a neutralidade não
pode ser imposta à força neste momento, uma vez que seria necessário mais
discussão na esfera de cada país. “É ótimo que o Brasil tenha chegado a um
consenso e aprovado a neutralidade em forma de lei, mas ainda não há consenso
global sobre o tema”, diz.
Em sua fala na sessão plenária, o embaixador dos Estados Unidos Daniel Sepuvelda
afirmou nesta quinta-feira que a neutralidade deveria ser discutida mais à
frente, no Fórum de Governança da Internet (IGF), agendado para setembro, na
Turquia. Segundo ele, o assunto estava se tornando um obstáculo para o
desenvolvimento das discussões no NETmundial.
FCC. O debate sobre o tema se acalorou nos Estados Unidos nos últimos dias.
Segundo reportagem do jornal Wall Street Journal, a Comissão Federal de
Comunicações (FCC) dos EUA planeja propor novas regras que põem em risco a
neutralidade de rede em solo americano. Com a nova regulamentação, empresas
poderiam pagar a provedores de internet para acesso mais rápido por seus
conteúdos – como já fez o Netflix com a Comcast.
As novas regras da FCC legalizariam acordos entre empresas para pacotes de
tráfego no país, desde que fossem “comercialmente sensatos”, o que fere o
princípio de neutralidade de rede. Em uma rede neutra, provedores não podem
cobrar mais, dar preferência ou diminuir a velocidade de conexão de sites ou
aplicativos de acordo com seu conteúdo. No entanto, as regras da FCC garantiriam
que as empresas deveriam deixar claro como gerenciam o tráfego da internet e não
poderiam restringir a navegação dos usuários. A votaçao da proposta deve ocorrer
no mês de maio.