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Fonte: Estadão / Blogs
[23/04/14]
Os problemas do Marco Civil - por Renato Cruz
Durante os quase três anos em que tramitou na Câmara, a maior parte da discussão
sobre o projeto do Marco Civil da Internet se concentrou no conceito de
neutralidade de rede, que exige tratamento igualitário a todo conteúdo que
trafega na internet. Afinal, todos bits são iguais.
Enquanto isso, outros pontos essenciais, como privacidade e liberdade de
expressão, não receberam o cuidado que mereciam. Na semana passada, participei
de uma audiência pública no Senado, e falei sobre essas questões.
O artigo 10 define as regras de acesso aos registros de conexão dos usuários. O
problema está no parágrafo 3º: “O disposto no caput não impede o acesso aos
dados cadastrais que informem qualificação pessoal, filiação e endereço, na
forma da lei, pelas autoridades administrativas que detenham competência legal
para a sua requisição”.
Na prática, isso deixa margem para integrantes do governo terem acesso a dados
de usuários de internet sem decisão judicial. Mas por que permitir que o governo
tenha acesso a informações de usuários que não são suspeitos de nenhum crime?
Outro ponto preocupante são os parágrafos 3º e 4º do artigo 19, que trata de
liberdade de expressão. Eles permitem que juizados especiais, criados para
julgar ações de pequeno valor, que não exigem advogado, tomem decisões sobre
retirada de conteúdo da internet, e que concedam liminares.
Esses parágrafos criam uma via rápida para retirada de conteúdo da rede, mas não
definem regras para um possível recurso. Ou seja, vai ser fácil tirar conteúdos
– inclusive jornalísticos – da internet, mas difícil reverter essa decisão. O
risco é que esses processos em juizados especiais venham a ser usados, por
exemplo, para censurar reportagens com denúncias de corrupção.
O Marco Civil da Internet é uma lei muito importante e urgente. Mas é de se
lamentar que tenha sido tratado dessa forma. Liberdade de expressão e
privacidade são valores cada dia mais importantes, numa sociedade mais e mais
conectada.
A própria base do governo admite que o texto é imperfeito. Na semana passada,
durante a audiência pública, o senador Walter Pinheiro (PT-BA) chegou a defender
a aprovação do projeto da seguinte forma: “Vamos experimentar, e depois, num
segundo momento, vamos aprimorar. Por enquanto, esse não é o ótimo nem o bom,
mas é o possível”.
Com sua aprovação, só nos resta esperar que essa lei, criada para proteger os
direitos dos cidadãos na rede, não acabe virando mordaça nem máquina de
vigilância. Que não acabe sendo usada para atacar os mesmos direitos que se
propõe a defender.