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Leia na Fonte: O Globo
[29/04/14]
Que neutralidade? - por Pedro Doria
Enquanto a presidente Dilma Rousseff sancionava o Marco Civil da Internet, na
semana passada, os EUA propuseram ao público uma regra muito diferente para a
rede. Em grande parte, a celebração de especialistas americanos tinha menos a
ver com o Brasil e mais com a política de lá: queriam deixar claro o contraste.
No centro da polêmica estão a briga entre duas empresas, duas decisões judiciais
e uma definição da agência reguladora das telecomunicações, a FCC. E tudo atende
pela expressão muito usada e pouco compreendida: neutralidade de rede.
Em janeiro saiu a segunda decisão de um tribunal federal declarando que a FCC
não poderia regulamentar provedores de acesso à internet como se faz com
empresas que proveem água, gás ou luz. Por conta disso, a FCC voltou aos
rascunhos para criar novas regras. A nova proposta estabelece que os provedores
devem agir de forma “razoável comercialmente” e que devem deixar claro como o
tráfego é tratado.
Requer tradução. No caso da água, a empresa liga uma casa ao encanamento, e o
cidadão paga pelo que consome. Toda água é igual. Com a internet, nos EUA, se as
regras novas forem aprovadas, é diferente. O usuário paga por uma conexão de 10
Mbps, mas nem todos os bytes são iguais.
Nossa internet já não é neutra
É onde entra a briga entre Comcast e Netflix. De um lado, a maior provedora de
acesso à rede do país. Do outro, a principal fornecedora de filmes on-line do
mundo. Desde o ano passado, a Comcast vinha diminuindo a velocidade dos filmes
da locadora digital em sua rede. Chegou a cair 25%, segundo a Neftlix. O
resultado é imagem com menos qualidade ou vídeos engasgando. Em fevereiro,
contrariada, a Netflix fechou um contrato com a grande provedora. É para
garantir que os filmes da Netflix não tenham dificuldades na rede.
Vídeo consome muita banda. O argumento da Comcast é que, se a Netflix não paga,
ela impõe aos usuários da rede que não assistem a filmes um pedaço do custo. Por
sua vez, a Netflix diz que este é um esquema para a provedora ganhar duas vezes
pelo mesmo serviço. Cobra do usuário pela sua conexão, mas só entrega esta
conexão com qualidade se, na outra ponta, quem envia informação também pagar.
Neutralidade de rede ocorre quando a internet é como água, gás, eletricidade.
Todos pagam de acordo com o que consomem. Quando ela não é neutra, o pagamento
ocorre nas duas pontas. O resultado é uma barreira. Empresas pequenas terão
dificuldade de lançar serviços inovadores se não conseguirem pagar pelo mesmo
espaço. Aí, os Googles e Netflixs se dão bem.
A FCC vinha bancando a neutralidade. Foi quando decisões judiciais começaram a
virar o jogo que ela se moveu. Mas a nova regra pode ainda ser derrubada pela
Justiça. E, assim como está, ela tem uma qualidade: quem provê acesso terá de
deixar claro para seus usuários se está tornando acesso a um site mais difícil.
Enquanto isso, no Brasil, o novo Marco Civil nos garante neutralidade. Ótimo. Só
que não. Ou, ao menos, não tão rápido. Não há transparência e os provedores,
discretamente, fazem traffic shaping. Ou seja, dão o contorno que querem ao
tráfego de dados. Exemplo típico: sua internet é muito rápida, mas só na hora de
ver um vídeo no YouTube, ela engasga. Acontece com muita gente. Ninguém explica
por que, caro consumidor. Mas ocorre que nossa internet já não é neutra. E nada,
no Marco Civil, garante que isso vá mudar. É que provar é difícil.