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Leia na Fonte: IDG Now! - Circuito de Luca
[10/02/14]
Sociedade civil reitera apoio ao Marco Civil da Internet, mas quer
melhorias no texto - por Cristina de Luca (Íntegra do
documento)
Nas últimas semanas, ativistas e representes de ONGs discutiram estratégias para
fazer chegar ao governo, antes do projeto do Marco Civil a Internet retornar à
pauta de votação da Câmara, sua opinião a respeito da útima redação apresentada
pelo deputado Alessandro Molon.
Em jogo está a necessidade de abrir os olhos do governo para o fato de a redação
se afastar dos compromissos assumidos durante os debates com a Sociedade Civil
com a proteção dos direitos à inviolabilidade e o sigilo do fluxo e conteúdo das
comunicações privadas, à privacidade e à liberdade de expressão.
Temerosos de que críticas ao projetos fossem usadas pelo lobby das operadoras
como um sinal de retirada de apoio do Marco Civil, algumas organizações
defendiam a publicação imediata de uma carta manifestando as preocupação da
sociedade civil com o novo texto, reiterando o apoio. Assinam a carta as
organizações Arpub (Associação das Rádios Públicas do Brasil), Artigo 19,
Associação Software Livre.org, Barão de Itararé, Coletivo Digital, CTS – FGV,
FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, GPOPAI/USP, Idec,
Instituto Bem Estar Brasil, Instituto Socio Ambiental, Intervozes, Knowledge
Commons, Movimento Mega, Partido Pirata e Proteste.
Confira a íntegra do documento:
Carta das Organizações da Sociedade Civil ao Relator do Marco Civil da
Internet
As organizações abaixo assinadas vêm, por meio desta, manifestar grave
preocupação com relação à última versão do Projeto de Lei n° 2.126/2011
(Marco Civil da Internet) apresentada pelo relator Alessandro Molon.
Entendemos que com a nova proposta pilares fundamentais deste projeto de lei
foram abalados, prejudicando a efetivação de alguns direitos que são
protegidos na parte principiológica do projeto, quais sejam: o direito à
inviolabilidade e o sigilo do fluxo e conteúdo das comunicações privadas, o
direito à privacidade e à liberdade de expressão.
Reconhecemos a importância dos esforços de se construir maioria parlamentar no
apoio ao texto, mas esses esforços não podem colocar em risco os princípios
fundamentais da lei, algo que entendemos estar acontecendo, pelas razões
abaixo, que comprometem o apoio das entidades subscritas ao Marco Civil da
Internet:
Privacidade
Ao contrário das versões anteriores, que tratavam apenas dos “registros de
conexão e de acesso a aplicações de Internet”, o novo texto do artigo 10 faz
referência também ao “conteúdo de comunicações privadas”, alargando,
portanto, o escopo do projeto de lei que foi inicialmente confeccionado apenas
para lidar com os referidos registros. Atentamos para o fato de que há ampla
discussão sobre como tratar os diferentes tipos de dados pessoais em andamento
no âmbito do Anteprojeto de Lei de Dados Pessoais que entendemos ser, portanto,
instrumento mais adequado para lidar com toda diferente gama de dados que
transitam na rede. Ainda assim, qualquer referência à disponibilização do
conteúdo das comunicações privadas que se queira fazer no Marco Civil deve-se
ater aos pré-requisitos Lei de Interceptação Telefônica (Lei n° 9.296, de 24
de julho de 1996), que já trata do tema.
Mas, ainda mais grave que isso, o novo texto também amplia as obrigações de
guarda de registros. Ao contrário da versão anterior que previa
obrigatoriedade de guarda apenas dos registros de conexão, a versão atual
também torna obrigatória a guarda de registros de acesso a aplicações de
Internet para um perfil bastante amplo de provedores. Estabelece, portanto, uma
espécie de grampo
compulsório de toda navegação realizada em grandes sítios eletrônicos,
invertendo o princípio constitucional da presunção de inocência. Essa
atividade, destaca-se, requer investimentos consideráveis e incentivará as
empresas obrigadas a guardar dados a utilizá-los comercialmente. O Marco Civil,
que se pretende afirmar como a “Carta de Direitos” da Internet no Brasil, não
pode ampliar o escopo da retenção obrigatória de dados, nem incentivar que um
direito fundamental se torne moeda de troca comercial.
Cabe ressaltar que na União Europeia, onde os standards de proteção à
privacidade são mais altos, a Diretiva que trata de retenção obrigatória de
registros diz respeito apenas aos registros de conexão, e não aos registros de
aplicações. E mesmo a retenção de dados de conexão está tendo sua
constitucionalidade questionada.
Na Alemanha, por exemplo, tal previsão foi declarada inconstitucional, levando
em consideração o histórico do período nazista, que se aproveitou de bases
de dados muito mais simples. A Alemanha foi também o país que, juntamente com
o Brasil, apresentou a resolução na Assembleia da ONU sobre o direito a
privacidade, aprovada por maioria. Para que no contexto nacional nosso país
seja coerente com sua pauta internacional, qualquer guarda de registros deve ser
balizada pelos direitos previstos no artigo 7o. Se obrigatória, deve ser por
tempo determinado e limitada a registros relativos a fatos específicos. Além
disso, qualquer previsão de acesso a estes registros deve ser precedida de
ordem judicial e protegida por limites a eventuais abusos.
Vale lembrar também o Artigo 12 não se destina ao propósito de garantir maior
privacidade aos internautas brasileiros, pelo contrário amplia a possibilidade
de espionagem, além de representar um custo econômico elevado para o setor que
pode prejudicar colateralmente o surgimento de novas empresas nacionais.
Por fim, considerando o status global conquistado pelo Marco Civil, deve-se
sopesar o possível impacto em outras jurisdições, quiçá menos
democráticas, de se traçar um precedente em que grande parte do tráfego de
navegação na rede é armazenado.
Liberdade de expressão
Na válida tentativa de proteger pessoas que tenham sua intimidade exposta, o
novo texto pode criar um sério precedente para a remoção de conteúdos
postados na rede, em detrimento da liberdade de expressão. No artigo 22 da
proposta, criou-se um mecanismo de remoção de conteúdos com cenas de nudez e
sexo a partir de uma simples notificação por qualquer pessoa que se oponha a
essas imagens, abrindo espaço para o patrulhamento de conteúdos por parte de
indivíduos ou organizações que discordem do seu teor, quiças por parâmetros
morais ou religiosos específicos que não sejam abertos para a diversidade da
rede, e da sociedade. É imperativo que a remoção deste tipo de material na
rede seja possível apenas mediante a solicitação, nos termos propostos no
artigo 22, pela vítima da violação de sua intimidade.
Neutralidade de Rede
A inclusão da “liberdade de modelos de negócio” como um princípio da
disciplina do uso da Internet no Brasil abre uma importante margem
interpretativa sobre os limites da neutralidade de rede. Entendemos que o novo
texto cumpre o objetivo de debelar a pressão sistemática das operadoras de
telefonia contra o texto do artigo 9o, que permaneceu intacto. Entretanto esse
movimento de conciliação política não pode prejudicar a técnica
legislativa, ensejando assim uma guerra de interpretações sobre o princípio
da neutralidade. Diante disso, consideramos que os esforços políticos de
conciliação dos diversos interesses em torno do Marco Civil eliminaram
completamente as possibilidades de novas concessões no que diz respeito à
neutralidade de rede, sob pena de se comprometer definitivamente essa importante
garantia para a liberdade de expressão, a concorrência e o desenvolvimento da
Internet no Brasil.
Data centers no Brasil
É relevante sublinhar, ainda, que as entidades que assinam essa carta não
compartilham da opinião de que o art. 12 do atual relatório é medida voltada
à proteção da privacidade dos internautas brasileiros. Ao contrário, a
obrigatoriedade de instalação de data centers no país pode facilitar o
monitoramento dos brasileiros, especialmente na ausência de legislação mais
detalhada de proteção de dados pessoais no Brasil. Além disso, representa um
custo econômico elevado que pode prejudicar colateralmente o surgimento de
novas empresas nacionais, bem como uma quebra na lógica global da rede.
Diante desses graves retrocessos do último texto, as organizações abaixo
assinadas apresentam as reformulações que consideram necessárias nos três
artigos mencionados, colocando-as como imperativas para a manutenção de apoio
ao projeto de lei. Caso o texto proposto ou equivalente não seja admitido no
relatório, as entidades que assinam esta carta retirarão o apoio do projeto de
lei, apesar do grande esforço de contribuição com texto no intuito de
assegurar direitos alinhados à defesa de uma sociedade democrática, justa e
livre.
Proposta de texto:
Art. 10.
A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a
aplicações de Internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do
conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da
intimidade, vida privada, honra e imagem das partes direta ou indiretamente
envolvidas.
§ 1o
O provedor responsável pela guarda somente será obrigado a disponibilizar
os registros mencionados no caput, de forma autônoma ou associados a dados
pessoais ou outras informações que possam contribuir para a identificação do
usuário ou do terminal, mediante ordem judicial, na forma do disposto na
Seção IV deste Capítulo, respeitado o disposto no artigo 7o.
§ 2o
O conteúdo das comunicações privadas somente poderá ser disponibilizado
mediante ordem judicial, nos termos do disposto na Lei 9.296, de 24 de julho de
1996.
§ 3o
O disposto no caput não impede o acesso, pelas autoridades administrativas
que detenham competência legal para a sua requisição, aos dados cadastrais
que informem qualificação pessoal, filiação e endereço, na forma da lei.
§ 4o
As medidas e procedimentos de segurança e sigilo devem ser informados pelo
responsável pela provisão de serviços de forma clara e atender a padrões
definidos em regulamento, respeitado seu direito de confidencialidade quanto a
segredos empresariais.
Art 16.
Na provisão de aplicações de Internet é facultado guardar os
registros de acesso dos usuários, respeitado o disposto no art. 7o.
§ 1o
O provedor de aplicações de Internet constituído na forma de pessoa
jurídica, que exerça essa atividade de forma organizada, profissionalmente e
com fins econômicos que decidir guardar os registros de acesso dos usuários
nos termos do art. 7o deverá manter os respectivos registros de acesso a
aplicações de internet, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança,
pelo prazo de seis meses, nos termos do regulamento.
§ 2o
Ordem judicial poderá obrigar os provedores de aplicações de Internet
que não estão sujeitos ao disposto no § 1o a guardarem registros de acesso a
aplicações de Internet, desde que se tratem de registros relativos a fatos
específicos em período determinado, por prazo não superior a seis meses.
§ 3o
A autoridade policial ou administrativa ou o Ministério Público poderão
requerer cautelarmente a qualquer provedor de aplicações de Internet que os
registros de acesso a aplicações de Internet sejam guardados, inclusive por
prazo superior ao previsto no § 1o, não podendo ultrapassar doze meses.
§ 4o
Na hipótese do § 3o, a autoridade requerente terá o prazo de sessenta
dias, contados a partir do requerimento, para ingressar com o pedido de
autorização judicial de acesso aos registros previstos no § 1.
§ 5o
O provedor responsável pela guarda dos registros deverá manter sigilo em
relação ao requerimento cautelar, que perderá sua eficácia caso o pedido de
autorização judicial seja indeferido ou não tenha sido protocolado no prazo
previsto no § 4o. Com a ineficácia do requerimento cautelar o provedor
responsável pela guarda deverá promover a exclusão e definitiva dos dados
solicitados.
§ 6o
Em qualquer hipótese, a disponibilização ao requerente, dos registros de
que trata este artigo, deverá ser precedida de autorização judicial, conforme
disposto na Seção IV deste Capítulo.
§ 7o
Na aplicação de sanções pelo descumprimento ao disposto neste artigo,
serão considerados a natureza e a gravidade da infração, os danos dela
resultantes, eventual vantagem auferida pelo infrator, as circunstâncias
agravantes, os antecedentes do infrator e a reincidência.
Art. 22.
O provedor de aplicações de Internet que disponibilize conteúdo
gerado por terceiros poderá ser responsabilizado subsidiariamente pela
divulgação de imagens, vídeos ou outros materiais contendo cenas de nudez ou
de atos sexuais de caráter privado sem autorização de seus participantes
quando, após o recebimento de notificação da pessoa retratada nas imagens ou
de seu responsável legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e
nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.
§1o
A notificação prevista no caput deverá conter elementos que permitam a
identificação específica do material apontado como violador de direitos da
vítima, bem como a verificação de que o notificante se trata da pessoa
retratada ou de seu responsável legal.
§2o
Os casos de falsidade ideológica serão responsabilizados na forma da lei.
Amanhã, terça-feira, representantes da sociedade civil têm uma reunião marcada
com o Ministro da Justiça e com o deputador Alessandro Molon. A intenção é
entregar a carta durante a renuião. O Marco Civil da Internet deve voltar à
pauta da Câmara esta semana. Espera-se que matéria comece a ser apreciada nesta
terça ou quarta-feira. O projeto é o primeiro de cinco matérias que tramitam com
urgência constitucional, tendo prioridade na pauta do plenário e impedindo que
os deputados avancem em outras votações.