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Leia na Fonte: Band / Colunas
[16/01/14]
FCC, neutralidade e o caso brasileiro - por Mariana Mazza (foto)
Na
última terça-feira, 14, um tribunal dos Estados Unidos derrubou as regras
criadas pela Federal Communications Commission (FCC) - a Anatel norte-americana
- em 2010 que estabeleciam os parâmetros da neutralidade de redes naquele país.
A Open Internet Order, anulada pela Justiça, impedia que as empresas de
telefonia reduzissem a velocidade de conexão dos clientes ou promovessem outras
discriminações de acesso ao conteúdo disponível na web. A decisão atendeu a um
recurso movido pela operadora Verizon.
À primeira vista, a decisão do tribunal é um golpe nos avanços feitos no debate
sobre a neutralidade de redes. Ainda que a Open Internet Order fosse considerada
por muitos uma norma tímida na garantia de direitos dos consumidores, não há
como negar que ela era um bom começo para a consolidação de limites para a
gestão de rede pelas empresas. O simples fato de o bloqueio das regras ter sido
feito a pedido da Verizon deixa claro que as empresas não estavam felizes com a
ideia de ter o controle de tráfego na Internet limitado pelo órgão regulador.
Mas há um outro lado dessa controvérsia que é bastante interessante e pode ter
impacto nas discussões realizadas aqui no Brasil sobre o mesmo tema, dentro do
Marco Civil da Internet. O que foi julgado nos Estados Unidos não foi o conteúdo
da Open Internet Order, mas sim se a FCC teria poderes para editá-la. Essa é uma
briga boa. No entendimento do juiz norte-americano, a entidade não poderia
regular os provedores de banda larga por conta de uma separação técnica criada
pela própria FCC. Pela definição da comissão, os serviços de banda larga devem
ser explorados livremente, cabendo regulação apenas para os chamados "provedores
comuns", que operam os demais serviços de telecomunicações, como os de voz.
Ao ler a decisão do juizado norte-americano, me lembrei dos tempos em que era
estagiária na Anatel, nos idos 2000. Na época, um assunto recorrente na agência
era justamente se as agências reguladoras, um fenômeno recém-criado no Brasil e
em outros países mundo afora, deveriam se envolver na criação de regras para a
Internet. Aqui, a escolha feita foi seguir a linha norte-americana, expressa em
1996 e consolidada na prática poucos anos depois, de não mexer com a Internet.
No caso do Telecommunications Act, editado pelo Congresso dos Estados Unidos,
foi mantida a porta aberta para que a FCC eventualmente criasse regras para a
banda larga. Mas ao detalhar os serviços, a comissão reguladora declinou do
papel ao classificar a banda larga em uma categoria distinta dos provedores
comuns, dando plena liberdade para as companhias nesta área.
No Brasil não foi muito diferente. Tecnicamente, até hoje a banda larga não é
considerada um "serviço de telecomunicações" pela Anatel. Aqui, a agência a
classificou como um Serviço de Valor Adicionado (SVA), o que na prática
significa que a conexão de Internet em alta velocidade é um serviço que usa as
redes de telecomunicações, mas não se confunde com as telecomunicações. Para se
ter uma ideia melhor de como essa classificação ofuscou a magnitude da banda
larga, fazem parte do rol de SVAs serviços extintos como disque-amizade e
disque-sexo.
Ou seja, tanto lá quanto cá, as agências reguladoras se esforçaram para evitar a
polêmica tarefa de criar regras para a Internet em seu período de expansão,
especialmente pela natureza complexa desse então novo serviço. Mas o movimento
se inverteu nos últimos anos, justamente quando a net transformou-se no pilar
dos negócios das empresas de telecomunicações, que pouco a pouco foram cedendo à
realidade incontornável da substituição dos serviços tradicionais de voz por
seus paralelos na web. No caso dos Estados Unidos, a FCC entendeu ser necessário
enfim impor regras que impedissem que os provedores discriminassem o acesso ao
conteúdo, bloqueando a criação de um modelo de negócios baseado no tipo de
informação buscada na Internet. Infelizmente, as escolhas do passado voltaram
para assombrar a norma norte-americana.
Mas, no Brasil, o episódio jurídico envolvendo os poderes da FCC pode ser um mal
que veio para o bem. Por aqui, a Anatel também passou a desejar ser a
responsável por regular a Internet. O problema é que, no caso brasileiro, a
visão da neutralidade expressada pela agência não é a mesma de sua colega
norte-americana. Em fóruns nacionais e internacionais, a Anatel tem insistido em
uma visão puramente econômica do ambiente da net, defendendo que um certo nível
de discriminação dos conteúdos acessados pelos consumidores de banda larga não
só é tolerável, mas desejável para garantir a rentabilidade das empresas de
telecomunicações e a gestão da rede.
Por conta desse discurso, os defensores da neutralidade de rede no Brasil temem
que o Marco Civil dê poderes para que a Anatel regule a questão. A proposta
deste grupo é que os princípios da neutralidade - por seu impacto não apenas
econômico, mas civil e social - sejam estabelecidos pelo próprio Congresso
Nacional ou por decreto da Presidência da República e não pela agência
reguladora. Essa proposta garantiria uma visão mais ampla da questão, sem
limitá-la à preservação do modelo econômico das empresas.
Para defender sua natural competência para comandar o tema, a Anatel vinha
usando como argumento a norma agora derrubada da FCC. A lógica era: se nos
Estados Unidos a agência é a responsável pela neutralidade, no Brasil a Anatel
deveria ter o mesmo poder. Sendo assim, o golpe sofrido pela FCC nos tribunais
de certa forma puxou o tapete da Anatel. O argumento usado pela agência
brasileira de que o mais prudente seria "imitar" os Estados Unidos agora
voltou-se contra ela.
Por esse ângulo, há um efeito colateral positivo para as discussões brasileiras
do Marco Civil da Internet no recuo norte-americano. Já que gostamos tanto de
mimetizar os Estados Unidos, a controvérsia agora exposta no caso FCC pode,
enfim, amadurecer o debate sobre os limites de atuação da Anatel sobre a
Internet e qual o melhor caminho para garantir que os princípios da neutralidade
de rede sejam de fato assegurados.