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Leia na Fonte: Band / Colunas
[11/03/14]  Um garoto propaganda e muitos inimigos - por Mariana Mazza

A briga em torno do Marco Civil da Internet está esquentando e saiu da arena puramente política. Na Câmara dos Deputados, o debate ainda se arrasta, resultado da pressão da base aliada liderada pelo PMDB, que se recusa a votar o texto como proposto pelo deputado Alessandro Molon (PT/RJ). A crise continua em torno do conceito da neutralidade de redes, princípio que se aprovado impedirá que as empresas discriminem os usuários da Internet pelo conteúdo a ser acessado na rede. O líder do PMDB na Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ), é a principal voz contra a manutenção do conceito no Marco Civil.

A boa notícia veio de fora do Congresso Nacional. Desde segunda-feira, as entidades civis que defendem a aprovação da nova lei na íntegra conseguiram um apoio de peso nesta batalha. Gilberto Gil, ex-ministro da Cultura e conhecido entusiasta da Internet, somou forças com o movimento e assinou a petição virtual que será enviada à Câmara dos Deputados exigindo que os princípios básicos do Marco Civil sejam aprovados pelos parlamentares.

Gil fez mais. Agindo como garoto propaganda da campanha, permitiu que sua foto fosse colocada no site de petições Avaaz.org junto com um texto simples e direto sobre os riscos de um Marco Civil sem o princípio da neutralidade. "Há muitos anos eu me encanto com o poder da Internet e a criatividade que nela circula, mas agora estou muito preocupado que isso possa acabar", afirma Gil. "O poderoso lobby das empresas de telecomunicações está influenciando nossos políticos para que transformem a Internet em uma espécie de TV a cabo, em que se poderia cobrar a mais para podermos assistir a vídeos, ouvir música ou acessar informações."

A convocação feita por Gil para que a sociedade assine a petição e "salve a Internet" foi respondida por milhares de pessoas. Em menos de seis horas o documento recebeu 100 mil assinaturas. Por volta das 18h a petição bateu novo recorde, com 250 mil apoiadores. Foram tantos acessos em um único dia que o site do Avaaz.org chegou a falhar no meio da tarde.

Outra vitória dos movimentos pró-Marco Civil foi conquistada no Twitter. Por mais de duas horas os comentários sobre a nova lei ficaram na primeira posição no trend topics brasileiro do site de relacionamentos. Mas também foi no Twitter que os movimentos foram lembrados da forte campanha de desinformação articulada para minar a aprovação do texto. Vários comentários contrários ao Marco Civil incluíam informações que não fazem parte do projeto de lei, sugerindo que o texto não passa de uma censura à Internet, sendo que o que se pretende é justamente garantir que a rede não vire domínio apenas das empresas de telefonia. É evitar que os controladores da rede escolham o que as pessoas poderão ou não acessar na web. Sem essa proteção, quem tiver dinheiro para pagar mais, terá mais acesso a informação. Quem não tiver será jogado à margem desse meio de comunicação.

O movimento pró-Marco Civil fez uma boa jogada ao buscar o apoio de Gilberto Gil, figura pública facilmente associada à defesa da Internet livre e seu uso como ferramenta de expressão cultural e social. Mas o despertar do interesse na petição apenas após a adesão de Gil merece uma reflexão. É lamentável que tantas pessoas usem hoje a Internet como principal meio de comunicação e ainda assim não se informem sobre um debate que pode alterar drasticamente o funcionamento dessa rede, para o bem ou para o mal. É evidente que muitos dos que assinaram a petição entre ontem e hoje apenas o fizeram por conta do apoio explícito de um artista respeitado em muitos meios e carismático o suficiente para sensibilizar as massas. Mas quantos realmente aproveitaram o momento para se informar de fato sobre o que está escrito no Marco Civil e quais os riscos que o tal lobby citado por Gil pode trazer para esta carta de princípios da Internet? Temo que pouquíssimos foram além da assinatura.

Desde as manifestações de junho de 2013 fala-se muito na Internet como ferramenta de mobilização coletiva, um instrumento capaz de reunir os jovens em torno de um objetivo comum, de colocá-los nas ruas em grande escala, dos rolezinhos aos agressivos black blocks. Não é de surpreender então a dificuldade dessa mesma juventude sair às ruas em defesa da garantia de seus direitos na Internet? A desinformação em torno desse projeto de lei é tão grande que boa parte desses manifestantes que estão nas ruas protestando pelas mais variadas pautas se diz contra o Marco Civil da Internet. Como se estivéssemos hoje protegidos da ganância das empresas de telecomunicações, da espionagem e da censura. O texto do Marco Civil não é perfeito. Mas boa parte dessa imperfeição vem justamente da pouca força que os defensores de uma Internet livre têm frente ao lobby das empresas. Força esta que poderia ser maior se a sociedade tivesse se interessado pelo tema e apoiado a questão desde o início.

Nesses dois anos de tramitação o Marco Civil parece ter angariado mais inimigos do que amigos. Gente que apoiava a proposta desistiu no primeiro sinal de vitória das teles. Não custa lembrar que na roleta política, se qualquer um dos lados tivesse plena certeza de vitória, este projeto já teria sido votado há muito tempo, Se o debate se arrastou é porque o cenário ainda é incerto para ambos os lados. A ideia dos organizadores é entregar a petição no momento em que o projeto entrar na pauta de votação da Câmara dos Deputados. Como o debate foi adiado pelos parlamentares e só deve voltar à agenda na próxima semana, a coleta de assinaturas, que terminaria amanhã, pode ser estendida. Então ainda há tempo de se informar sobre o Marco Civil. Leia o projeto, acesse a petição, forme sua opinião sobre a proposta. Gil deu uma grande contribuição para o debate. Mas só estaremos realmente protegidos de uma censura na Internet quando a sociedade acordar para os riscos que esta rede está correndo.