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Leia na Fonte: IDG Now! -
Circuito de Luca
[13/03/14]
A era de uma Internet global pode estar no fim - por Cristina de Luca
Ontem, enquanto o Marco Civil da Internet era retirado de pauta mais uma vez,
alimentando preocupações de que nunca chegue a ser de fato a tão desejada carta
de princípios sonhada pelos ativistas das liberdades da rede, um baluarte da
Internet no Brasil resumiu, em poucas palavras, o que poucos ousam dizer: “Cris,
estou começando a achar que o marco NÃO pode passar como está. Do jeito que está
escrito, a neutralidade vira pó e a coisa da guarda de dados dos serviços no
país pode ser a base para reservas de mercado e censura… para filtrar serviços,
como faz a China. Não sei se o relatório É mais o que queremos.” E queria saber
as minhas impressões.
Concordei. Não só pelo clima pré-eleitoral do Congresso, que cada vez mais
coloca em risco uma discussão sensata sobre temas cobertos pelo Marco Civil
(neutralidade de rede e privacidade, por exemplo), determinantes para o papel
que o país virá a ter na Era do Conhecimento, mas pelo risco real de o Marco
Civil acabar se tornando uma licença legislativa para o país entrar na onda da
Balcanização da Internet.
Hoje, o que tem polarizado as discussões são menos os diretos mais corriqueiros
dos usuários e os deveres dos provedores de conexão e de acesso frente a eles, e
mais as brechas que a última versão do substitutivo do relator, Alessandro Molon
(PT-RJ) abre ou não para mecanismos de controle, os mais diversos.
Neste exato momento, governos de todo mundo estão colocando de barreiras ao
livre fluxo de informações através das fronteiras digitais. Impulsionados por
preocupações sobre privacidade, segurança, vigilância e aplicação de leis, esse
governos são construindo fronteiras no ciberespaço, fragmentando a a World Wide
Web.
Ontem mesmo, enquanto Tim Berners-Lee, sob o guarda-chuva das comemorações de 25
anos da Web, dava o pontapé inicial em uma campanha em defesa dos princípios que
fizeram da Web um sucesso, e do desbloqueio do imenso potencial dessa mesma Web,
ainda inexplorado, o Parlamento Europeu aprovava o novo Regulamento de Proteção
de Dados, por 621 votos a favor, 10 contra e 22 abstenções.
Em comunicado, a DigitalEurope, uma organização representativa do setor de TI,
considerou esse regulamento ” inadequado para a economia digital” e demasiado
rígido. “Vai prejudicar a capacidade da Europa tirar proveito de novas formas de
utilização de dados. Isso vai colocar a Europa em desvantagem face a outras
partes do mundo, que estão adotando novas tecnologias”, disse a entidade em um
comunicado distribuído à imprensa.
Empresas de todos os tamanhos e de todos os setores serão impactadas pelas leis
de proteção de dados da Europa. As nações europeias têm agora um salvo-conduto
para construir “zonas de Schengen” para os dados, prejudicando a possibilidade
de prestação de serviços globais.
Não por coincidência, também ontem tive acesso a um estudo recente, chamado
“Dividindo a web: localização de dados versus a Internet global”, escrito por
Anupam Chander, professor do International Law Center, na Universidade da
Califórnia, que já começou a repercutir lá fora (Business Week e Financial
Times).
O estudo alerta para os riscos da chamada “localização de dados”: criar
barreiras artificiais para o comércio internacional; aumentar as possibilidades
de vigilância por parte dos países; e consolidar o controle do que os cidadãos
desses países veem através da Internet. Olha aí, retratados, todos os temores do
meu interlocutor…
“Barreiras não-tarifárias do século passado, para bens, reapareceram como
firewalls bloqueando os fluxos de dados internacionais. Requisitos de
localização de dados ameaçam os novos grandes avanços na tecnologia da
informação , não só em relação à Computação em Nuvem , como também em relação ao
Big Data e à Internet das Coisas. Requisitos igualmente importantes de
localização de dados minam os direitos sociais, econômicos e civis , corroendo a
capacidade dos consumidores e das empresas de se beneficiarem do acesso ao
conhecimento e a mercados internacionais, dando aos governos maior controle
sobre informações locais”, alerta o relatório.
Os exemplos? São muitos. O Irã busca desenvolver uma Internet livre de
influências ocidentais ou dissidências internas. O governo australiano coloca
restrições sobre dados de saúde que saem do país. A Coreia do Sul exige que os
dados de mapeamento sejam armazenados internamente . O Vietnã insiste em uma
cópia local de todos os dados vietnamitas, mais ou menos como o Brasil, que quer
obrigar a instalação de data centers para que dados sobre os brasileiros sejam
armazenados no país.
O estudo analisa medidas de localização de dados já em curso em dezesseis
países: Austrália, Brasil, Canadá, China, França, Alemanha, Índia, Indonésia,
Cazaquistão, Malásia, Rússia, Coreia do Sul, Suécia, Taiwan, Tailândia e Vietnã,
bem como a União Europeia. Vale a leitura atenta.
Os esforços para manter os dados dentro das fronteiras nacionais ganharam força
na esteira da revelações de espionagem eletrônica feitas por agências de
inteligência dos Estados Unidos. Governos de todo o mundo, indignados com as
divulgações recentes, citaram a vigilância externa como um argumento para evitar
que os dados saiam de suas fronteiras, especialmente através de serviços
prestados por empresas estrangeiras. Colocar dados em outros países põe em risco
a segurança e privacidade de tais informações, argumentam.
“Imagine uma Internet onde os dados devem parar nas fronteiras nacionais,
examinados para ver se ele estão autorizados a deixarem o país _ e entrarem nele
_ e, possivelmente, tributados quando o fizerem. Fantasia?”, questiona o estudo.
Eu já não tenho tanta certeza.
O fluxo de dados transfronteiras voltou para a ordem do dia. No Brasil, era
considerado pelos militares assunto de Segurança Nacional. Quem já passou dos 40
anos de idade lembra muito bem que o conceito de fluxo de dados transfronteiras
(FDT) foi aplicado na década de setenta como parte de uma política voltada à
regulamentação e ao controle do tráfego de dados com o exterior. O pêndulo
parece estar retornando…
Ver figura na Fonte:
Mapa de cabos submarinos – nov/2013