WirelessBRASIL |
|
WirelessBrasil --> Bloco Tecnologia --> Crimes Digitais, Marco Civil da Internet e Neutralidade da Rede --> Índice de artigos e notícias --> 2014
Obs: Os links originais das fontes, indicados nas transcrições, podem ter sido descontinuados ao longo do tempo
Leia na
Fonte: Convergência Digital
[24/03/14]
Marco Civil, pela neutralidade da rede e a privacidade do cidadão - por
Claudia Melo e Felicity Ruby*
* Claudia Melo é Ph.D. em Ciência da Computação pelo IME-USP e diretora de
Tecnologia da ThoughtWorks Brasil e Felicity Ruby é diretora de Políticas
Globais de Internet da ThoughtWorks e foi conselheira sênior do senador
australiano Scott Ludlam
Existem dois pontos muito polêmicos envolvendo a votação do Marco Civil da
Internet na Câmara dos Deputados na próxima semana: a guarda compulsória de
dados e a neutralidade da rede. Por que eles dizem muito sobre o futuro de nossa
liberdade como cidadãos? Podemos citar diversos argumentos legais, morais e de
liberdade civil que depõem contra a vigilância generalizada e a coleta de dados
de navegação dos usuários de Internet, ou o que nós, especialistas em
tecnologia, chamamos de guarda compulsória de dados.
Como se isso não bastasse, a vigilância e coleta generalizada também são ruins
para os negócios e a economia como um todo, porque possivelmente irão reduzir a
confiança na utilização da Internet para conduzir conversas privadas e proteger
transações financeiras. Por isso, faz todo o sentido a urgência do governo
brasileiro em discutir e reformar a governança da Internet para preservar a
integridade de uma rede aberta e que proteja os direitos humanos no que diz
respeito à privacidade, liberdade de expressão e de opinião.
Por que preservar a neutralidade da rede? Simplesmente porque a liberdade de se
conectar e se comunicar na Internet é protegida pelo princípio e prática da
neutralidade da rede, impedindo que fornecedores de serviços bloqueiem, atrasem
ou acelerem conteúdo. Se o governo abandona esse princípio, os brasileiros serão
submetidos a estruturas de preços diferenciados, onde serviços rápidos são
fornecidos para aqueles que podem pagar e os serviços mais lentos para todos os
outros. Essa discriminação, com base em meios econômicos, compromete o acesso
democrático à informação e a liberdade de expressão.
Além disso, a neutralidade da rede garante que melhorias técnicas na Internet
beneficiem a todos. Sem ela, aqueles que pagam controlam o que vemos e o que é
compartilhado online e possivelmente haverá uma Internet para os ricos e uma
Internet para os pobres. Por que rejeitar a retenção de dados? A retenção de
dados privilegia desnecessariamente questões de segurança nacional que se
sobreporiam à privacidade e a liberdade civil de brasileiros, que são antes de
tudo cidadãos com direitos básicos e proteções e não meramente suspeitos.
Embora seja o papel do governo promover a proteção coletiva contra o roubo de
identidade, crimes online e atos de violência política, os cidadãos brasileiros
têm uma expectativa legítima de que o governo vai defender o seu direito
democrático à privacidade, liberdade de expressão e liberdade de atos
arbitrários de vigilância estatal ou coerção. Os especialistas em tecnologia
sabem que metadados não são triviais especialmente pela quantidade ou qualidade
das informações neles contidas. Seria enganoso minimizar o significado do que
pode ser aprendido através de metadados, pois eles podem incluir informações
sobre chamadas telefônicas feitas, e-mails enviados, informações acessadas
online ou mesmo a localização de telefones celulares.
Tais informações podem ser usadas para deduzir detalhes muito íntimos sobre as
associações, interesses e atividades de uma pessoa. Por exemplo, não seria
necessário ouvir uma conversa para fazer deduções sobre um telefonema de uma
pessoa com um advogado de divórcio, uma clínica de câncer ou um jornalista.
Tribunais na Romênia, Alemanha e República Checa já julgaram que as leis
nacionais de retenção de dados, com base na Diretiva da União Européia sobre
retenção de dados de 2006, são inconstitucionais.
Um tribunal, na Irlanda, referiu um caso de retenção de dados para o Tribunal de
Justiça da União Européia e questionou a legalidade da Diretiva da União
Européia sobre retenção de dados. E, no último dia 11 de março, o Parlamento
Europeu aprovou um conjunto de leis que aumentam a privacidade de dados dos
cidadãos. Com base em suspeita razoável de culpa, existem atividades e atores de
vigilância legítimos, além de procedimentos que lhes proporcionam licença para
atuar com adequada supervisão e garantias. Mandados não só protegem os cidadãos
contra o abuso de poder por parte do Estado, como também fornecem legitimidade e
autoridade à polícia ou às agências de inteligência em assegurarem que suas
ações são necessárias e proporcionais, durante o exercício de suas funções.
A retenção de dados compromete seriamente o direito à privacidade e outros
direitos associados estabelecidos em normas jurídicas internacionais, como a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Políticos e o Comentário Geral 34 da Comissão de Direitos Humanos (sobre
dados pessoais retidos pelas autoridades públicas, ver parágrafo 18). Cria-se
ainda um fardo para Provedores de Serviços de Internet (ISPs) pela despesa de
coleta, armazenamento, manutenção e transferência de dados para sistemas novos
ou em evolução. Os custos são possivelmente mais pesados para pequenas empresas,
impactando a competição e o mercado. ISPs são forçados a repassar alguns desses
custos para os usuários - o que custa a todos.