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Fonte: Estadão/Blogs
[26/03/14]
Por que o Marco Civil é necessário - por Renato Cruz
Confesso que, lá atrás, quando começaram as discussões sobre o Marco Civil da
Internet, tinha dúvidas se ele era mesmo necessário. Afinal, existe diferença
entre o que acontece na rede mundial e o que acontece fora dela? Em alguns
momentos sim.
O Marco Civil poderá evitar, depois de sua aprovação pelo Senado e sanção pela
presidente, decisões inadequadas que vêm sendo tomadas por diversos tribunais ao
redor do Brasil, que tratam a internet como se fosse um meio de comunicação mais
antigo, por analogia. Às vezes, a web se comporta como jornal, como revista,
como televisão, como rádio e como telefone, mas ela não é nenhuma dessas coisas.
Já houve decisões em que a Justiça brasileira determinou que uma rede social
monitorasse as publicações de um usuário, para impedir que ele difamasse o autor
da ação. Ou que o Comitê Gestor da Internet tirasse sites do ar, como se fosse
corresponsável por aquilo que esses sites publicam. Minha opinião sobre a
necessidade do Marco Civil mudou ao ver sentenças como essas.
O texto define os direitos dos usuários e, dessa forma, mostra também qual é a
responsabilidade de cada um por aquilo que é feito na rede. O físico britânico
Tim Berners-Lee, criador da World Wide Web, já havia se manifestado, em mais de
uma ocasião, a favor da aprovação do projeto, colocando-o entre as legislações
mais avançadas na garantia da liberdade na rede.
O ponto central do Marco Civil, mantido no texto aprovado, é a chamada
neutralidade de rede. Por esse princípio, as operadoras não podem dar tratamento
diferente aos dados que trafegam em sua rede, de acordo com a origem ou o tipo
de serviço. Todos os bits são iguais. Isso impede que as teles façam acordos com
grandes provedores de conteúdo, para que, por exemplo, os vídeos de um
determinado parceiro tenham qualidade melhor. Ou que elas bloqueiem serviços de
mensagem via internet, que concorrem com as tradicionais mensagens de texto do
celular.
Uma mudança importante foi a retirada da exigência da instalação de data centers
no País por empresas internacionais de internet. Era um item que não fazia parte
do projeto inicial, foi sugerido pelo governo no calor das denúncias de Edward
Snowden sobre a espionagem americana e que, além de criar dificuldades para as
empresas, principalmente as menores, não reforçava a proteção da privacidade do
usuário. Pelo contrário, criava mais um ponto de vulnerabilidade às suas
informações, em território nacional. No lugar de exigir a instalação de centros
de dados nacionais, o projeto aprovado foi mais sensato, ao definir que empresas
de internet que prestam serviço no País devem respeitar as leis brasileiras,
mesmo que suas
sedes estejam em outro lugar.
As resistências ao projeto vinham, num primeiro momento, das operadoras de
telecomunicações, que achavam que a neutralidade de rede, como estava colocada,
as engessava comercialmente, impedindo-as até de oferecer pacotes já existentes
de banda larga. Depois, essa questão se misturou à briga da presidente Dilma
Rousseff com sua base, e o que era uma discussão sobre o mercado de internet
deixou de ser.
No mês que vem, será realizado no Brasil um evento internacional que vai
discutir propostas a respeito da governança da internet. Seria uma vergonha para
o governo brasileiro se ele chegasse a esse evento sem a aprovação do Marco
Civil.