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Fonte: IDG Now!
[26/03/14]
Marco Civil: a saga continua no Senado - por Cristina de Luca
O que mais se ouviu após a aprovação do projeto de lei do Marco Civil da
Internet pela Câmara, na noite desta terça-feira, 25/3, é que a redação final é
positiva, mas longe da ideal.
A opinião é partilhada por advogados (Ronaldo Lemos, um dos autores da proposta
inicial, e Renato Opice Blum entre eles), expoentes da rede (Silvio Meira, por
exemplo) e até pelo Sindicato das operadoras de telecom.
Todos, sem exceção, apontam avanços, sobretudo em relação à neutralidade de
rede. E todos, sem exceção, têm preocupações quanto às regras para a guarda e
fornecimento de logs de acesso e conexão e retirada de conteúdo impróprio do ar.
Concordo em muitos pontos. Também acredito que, diante das circunstâncias e das
muitas versões propostas, o texto aprovado é o que menos prejuízos causa ao
ecossistema da internet. Mas está longe de ser aquele
idealizado no início do processo, há cinco anos.
A impressão que fica é que todos cederam onde podiam ceder, principalmente em
nome de um compromisso assumido pelo Brasil em fóruns internacionais que tratam
da governança da Internet.
Não por acaso, ao explicar a mudança de posição de seu partido, o maior opositor
do projeto, deputado Eduardo Cunha, líder do PMDB, fez questão de ressaltar o
peso da Reunião Multissetorial Global sobre o Futuro da Governança da Internet,
que será realizada em São Paulo, nos dias 23 e 24 de abril de 2014, na decisão
de aprovar o Marco Civil.
Segundo Eduardo Cunha, as mudanças de última hora promovidas no texto – para
deixar claros limites que o governo passaria a ter para regulamentar a
neutralidade e para excluir a obrigatoriedade da guarda de dados de brasileiros
em data centres localizado no Brasil – se somaram ao apelo do governo de “ter na
conferência internacional a prerrogativa de mostrar um esboço de regulamentação
para que possa ser debatida com os demais países”.
“Nós entendemos que não estamos produzindo um regulamento ideal. Talvez, na
minha concepção única, pessoal, não ter regulamento seria o melhor caminho para
o Brasil. Porém, se a vontade da maioria do Parlamento, a vontade da discussão,
na tentativa de ver o que vai acontecer”, disse Eduardo Cunha ontem, na tribuna
da Câmara. “Lá na frente, eu não tenho a menor dúvida, isso voltará a ser
debatido”, completou o líder do PMDB.
Portanto… Há ainda muitas batalhas pela frente.
Acredito que, em relação à neutralidade de rede, a redação final é bastante
equilibrada. O decreto só pode regulamentar as exceções ao princípio de
neutralidade estabelecido no Marco Civil, que proíbe as operadoras de
discriminarem pacotes de dados da mesma natureza. E o fato de ter incluído
consultas prévias à Anatel e ao Comitê Gestor é salutar. Ouvir só um, ou só
outro, seria sempre objeto de controvérsia, maior do que a já normalmente
esperada na discussão do tema.
Se os artigos que versam sobre neutralidade não forem modificados no Senado, o
palco da discussão sobre neutralidade passará a ser a regulamentação das
exceções.
Já em relação a outros pontos, como retirada de conteúdos do ar, minha primeira
impressão é a de que o texto aprovado reafirma práticas correntes para retirada
de conteúdos impróprios (seja por calúnia, difamação, atentado à honra,
desrespeito aos direitos autorais e conexos, ou desrespeito à legislações
vigentes, como a Lei Eleitoral) e fará a festa dos advogados e dos tribunais.
O sistema do notice and takedown voltou explicitamente à cena no artigo 21,
exclusivamente em relação a violações da intimidade decorrentes da divulgação de
conteúdo não autorizado, contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter
privado. No mais, a necessidade de obtenção de ordem judicial para a retirada
foi mantida, menos nos casos de violação a direitos autorais e conexos, que
serão regulados em lei específica.
Mas, na prática, o projeto não impede a prática de retirada de conteúdo mediante
notificação, principalmente no caso do conteúdo ferir os termos de uso (bastante
subjetivos) dos sites (Facebook, por exemplo), como já acontece hoje. E ainda
garante aos provedores de serviços, como o YouTube, Facebook, etc, a
prerrogativa de, em muitos casos, não retirar o conteúdo do ar sem que haja uma
ordem judicial explícita para tal.
Ou seja, nada impede o Youtube de retirar do ar por sua conta e risco um vídeo
de determinado programa de televisão, que viole os direitos autorais e direitos
conexos. Mas o texto do Marco Civil o livra da responsabilidade sobre o conteúdo
de terceiros, deixando-o mais confortável para manter vídeos criticando esse ou
aquele programa, ou apresentador, ou paródias e mashaups, por exemplo.
Concordo, porém, com os advogados que dizem que ao permitir que as ordens
judiciais sejam emitidas por meio de ações em juizados especiais – que muitas
vezes dispensam a contratação de advogados – o Marco Civil abre uma brecha para
censura e para uma enxurrada de ações.
Em relação à liberdade de expressão e ao acesso à informação, como bem aponta
Silvio Meira, são princípios que “estão garantidos e as duas exceções são a
obrigatoriedade da exclusão de material pornográfico [de provedores de serviços]
no caso em que um [ou mais] dos participantes [vítimas] discorde de sua
veiculação e o controle do acesso dos filhos pelos pais ou responsáveis”. Também
acho que esses dois preceitos deverão ser aprovados no Senado, mas não sem
alguma discussão.
A coisa vai pegar mesmo é em relação à privacidade e controle, que tem relação
direta com a obrigatoriedade de guarda de logs de conexão e acesso.
A redação final da Câmara, entre outros pontos, reforça a inviolabilidade do
sigilo das comunicações, prevendo critérios para o acesso a essas informações em
investigações, e consagra o princípio da finalidade para a coleta de dados
pessoais. Mas algumas organizações da sociedade civil, incluindo o Idec, têm
críticas a atual redação do artigo 15, que estabelece a guarda obrigatória dos
registros de navegação dos usuários para um perfil determinado de provedores de
aplicações (sites) – discussão que ficará para o Senado.
Segundo o Marco Civil, a guarda e a disponibilização dos registros de conexão e
de acesso a aplicações de Internet, bem como de dados pessoais e do conteúdo de
comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, vida privada,
honra e imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas. O conteúdo das
comunicações privadas somente poderá ser disponibilizado mediante ordem
judicial. Mas muito questionam a capacidade dos provedores de aplicações para
assegurarem o sigilo desses dados.
Na opinião de Silvio Meira, por exemplo, “a captura de todos os dados, de todos
os usuários, de acesso e uso de serviços na rede é um ponto de partida para
criar um big brother oficial, uma grande base de dados de uso da rede e seus
serviços [distribuída entre os provedores], à disposição do estado” [ou
autoridades policiais]. Equilibrar bem os dispositivos inseridos no artigo 10
será um desafio, realmente.
Ainda em relação a esse assunto, um ponto positivo, lembrado por Renato Opice
Blun, é o estabelecimento de regras sobre a coleta de dados. As empresas terão
de pedir o consentimento explícito para coletar dados das pessoas, além de
deixar claro qual uso farão deles e se responsabilizar pela sua segurança.
Outro ponto positivo do projeto é obrigar as gigantes de internet que atuam no
Brasil a se sujeitarem às leis brasileiras. Isso vale, por exemplo, para Google,
Facebook, YouTube, etc. Mas também vai dar muito pano para manga nos tribunais.
Muitos advogados estão chamando a atenção também para a inclusão, por meio do
artigo 29, da obrigatoriedade de mecanismos de controle parental e incentivo a
medidas educacionais a crianças e adolescentes quanto ao uso da Internet. Pontos
positivos, sem dúvida.
Clique aqui para ter acesso à íntegra do Marco Civil.