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Leia na
Fonte: Canal do Otário
[29/03/14]
Cavalo de Troia ou Marco Civil da Internet? - por Otário Anonymous
O Marco Civil da Internet foi aprovado pela Câmara dos Deputados e, a partir de
agora, teremos uma internet neutra, segura, livre de traffic shaping e de
empresas FDP fudendo com o consumidor!
- Ooooh que legaaaaal! Será mesmo?!
Pois é… calma, porque não é bem assim! :-/
O
Projeto de Lei 2126-B (também conhecido com Marco Civil da Internet) ainda
passará por uma análise no Senado e, caso aprovado, irá para a sanção
presidencial.
Se aprovado, o Brasil será o primeiro país no mundo a possuir uma “constituição
exclusiva para a internet”! Mas, assim como nas
urnas eletrônicas brasileiras (as “melhores do mundo”, segundo o governo),
mais uma vez, poderemos pagar um preço caro por esse nosso pioneirismo.
Curiosidade: Os FDPutados demoraram cerca de 3 anos para analisar o projeto, já
os senadores terão 45 dias. Será que eles conseguirão ler alguma coisa, ou
votarão sem ler?!
Presente de Grego
A principal bandeira do Marco Civil foi a defesa da Neutralidade da Rede, onde
empresas de banda larga (como NET e GVT) ficariam impedidas de vender planos que
permitissem o uso apenas de aplicativos específicos como Facebook, YouTube,
Skype… Além de ficarem proibidas também de praticarem o Traffic Shapping
(recurso muito utilizado pelas operadoras para reduzir a velocidade de alguns
clientes, de forma unilateral e sem consulta prévia, especialmente em horários
de pico).
Porém, não é apenas de Neutralidade da Rede que é feito o Marco Civil. Junto com
ela, ganhamos também uma série de brechas jurídicas que poderão gerar ainda mais
censura e invasão de privacidade na internet brasileira, ou ainda, comprometer a
própria neutralidade da rede.
Com base no texto aprovado pelos FDPutados, em 25/03/2014, tentarei apontar os
principais pontos que me levam a crer que esse Marco Civil da Internet está mais
para um Cavalo de Troia do que para um paladino da defesa da liberdade de
expressão, segurança de dados e de uma internet realmente neutra.
Mudanças no texto
Basicamente, ocorreram 3 mudanças no texto aprovado pela Câmara dos Deputados.
Sendo que o artigo 9° sofreu alteração na redação de um de seus parágrafos (§
1º), o artigo 12 foi integralmente removido e o artigo 29 foi acrescentado. Veja
as alterações comentadas a seguir:
1 – Neutralidade da Rede
O artigo 9° possui a seguinte redação:
Art. 9º O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever
de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por
conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação.
Anteriormente, este artigo possuía o seguinte parágrafo:
§ 1º A discriminação ou degradação do tráfego será regulamentada por Decreto
e somente poderá decorrer de:
I – requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e
aplicações; e
II – priorização de serviços de emergência.
Este parágrafo sofreu a seguinte mudança:
§ 1º A discriminação ou degradação do tráfego será regulamentada nos termos
das atribuições privativas do Presidente da República previstas no inciso IV do
art. 84 da Constituição Federal, para a fiel execução desta Lei, ouvidos o
Comitê Gestor da Internet e a Agência Nacional de Telecomunicações, e somente
poderá decorrer de:
I – requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e
aplicações; e
II – priorização de serviços de emergência.
Esta alteração melhorou o texto original, já que, teoricamente, restringiria um
pouco a atuação da Presidente da República ao estabelecer as exceções da
Neutralidade da Rede. Mas, na prática, continuou tudo igual, já que, apenas
estabelecer que a Presidente irá ouvir a opinião do Comitê Gestor da Internet
(CGI) e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), não significa muita
coisa, mesmo porque, essas instituições não teriam poder de impedir (ou vetar)
uma decisão Presidencial. Além disto, vale lembrar que estas instituições foram
criadas pelo próprio governo e, no caso do CGI.br, os 9 dos 21 membros também
são escolhidos por ele (dificilmente um cachorro morde a mão do próprio dono, e
quando morde, apanha!).
Sem contar que o CGI é uma instituição burocrática de “tecnologia” que ainda
funciona a base de papel e envio de documentação através dos
Correios. E se dependermos do CGI para estabelecer os critérios para
segurança dos dados dos usuários, é capaz deles serem favoráveis a divulgar até
as informações sobre o tipo sanguíneo dos bichos de estimação do proprietário de
um site. Quanto a Anatel, bom… deixa pra lá, né?! ;-)
Portanto, o texto atual do Marco Civil sequer garante a neutralidade da rede, já
que bastaria uma “canetada” presidencial para estabelecer exceções para a
neutralidade.
Por exemplo, através do lobby de grandes operadoras como NET e GVT, a prática do
traffic shaping poderia ser instituída (e sob uma alegação estritamente
“técnica”), já que, devido a incompetência e falta de investimento na ampliação
da estrutura da banda larga brasileira, o traffic shaping seria a “melhor
solução” para tapar esse buraco e evitar uma completa pane no sistema. Ou seja:
bye, bye neutralidade!
O ideal, portanto, seria que este parágrafo fosse integralmente removido.
Fato curioso: No mundo, apenas o Chile, Eslovênia e
Holanda possuem leis que controlam a neutralidade da rede.
2 – Data Centers
A única mudança realmente positiva no texto aprovado pela Câmara foi a
eliminação integral do artigo 12, o qual obrigava empresas como Google, Facebook
e Twitter a instalarem seus data centers no Brasil.
Art. 12. O Poder Executivo, por meio de Decreto, poderá
obrigar os provedores de conexão e de aplicações de Internet previstos no art.
11 que exerçam suas atividades de forma organizada, profissional e com
finalidades econômicas a instalarem ou utilizarem estruturas para armazenamento,
gerenciamento e disseminação de dados em território nacional, considerando o
porte dos provedores, seu faturamento no Brasil e a amplitude da oferta do
serviço ao público brasileiro.
Ninguém em sã consciência poderia acreditar que, colocando os data centers das
empresas em território nacional, poderia impedir ou coibir espionagens
internacionais, né?! E, de quebra, o governo brasileiro ganharia ainda mais
poderes e controle sobre o conteúdo da internet no Brasil. Espertinhos, hein?!
Além disto, empresas como: Google, Facebook, Twitter, entre outros, poderiam até
deixar de disponibilizar seus serviços no Brasil (dada a tamanha burocracia para
se trabalhar neste país).
Sem contar que esta obrigação poderia ser ruim inclusive para as empresas
brasileiras, já que outros países, aplicando o princípio da reciprocidade,
poderiam obrigar as empresas brasileiras a instalarem data centers em seus
respectivos territórios.
Portanto, felizmente, este artigo foi totalmente removido do projeto. Parabéns,
FDPutados!
3 – Controle Parental
A inclusão do artigo 29, que permite ao usuário a utilização do aplicativo que
bem entender para determinar o que os seus filhos podem ou não acessar, foi
apenas para encher linguiça, já que não interfere em nada na vida das pessoas.
Art. 29. O usuário terá a opção de livre escolha na utilização de programa de
computador em seu terminal para exercício do controle parental de conteúdo
entendido por ele como impróprio a seus filhos menores, desde que respeitados os
princípios desta Lei e da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da
Criança e do Adolescente.
Parágrafo único. Cabe ao poder público, em conjunto com os provedores de conexão
e de aplicações de internet e a sociedade civil, promover a educação e fornecer
informações sobre o uso dos programas de computador previstos no caput, bem como
para a definição de boas práticas para a inclusão digital de crianças e
adolescentes.
Se bem que seria engraçado ver um filho processando os pais por “cercearem” a
sua liberdade de acessar conteúdo pornográfico na internet ;-)
O Cavalo de Troia
Por trás de pontos positivos, como a Neutralidade da Rede (artigo 9°) e a
isenção de culpa, por parte das empresas, do conteúdo produzido por seus
usuários (artigo 18), existem algumas armadilhas.
Tentarei apontar as que considero mais grave, veja a seguir:
Censura Expressa
No artigo 19, temos o seguinte texto:
Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a
censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser
responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por
terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no
âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado,
tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as
disposições legais em contrário.
Este artigo, por si só, já é uma aberração, pois poderia fazer com que algumas
empresas comecem a censurar conteúdo de forma indiscriminada para evitar
possíveis brigas judiciais (veja aqui mais detalhes).
E, para piorar, o artigo 19 possui os seguintes parágrafos (especialmente o § 3º
e § 4º):
§ 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de
nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como
infringente, que permita a localização inequívoca do material.
§ 2º A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou
a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a
liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5º da Constituição
Federal.
§ 3º As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos
disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de
personalidade bem como sobre a indisponibilização desses conteúdos por
provedores de aplicações de internet poderão ser apresentadas perante os
juizados especiais.
§ 4º O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3º, poderá antecipar, total
ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo
prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na
disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os requisitos de
verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou
de difícil reparação.
Nos parágrafos 3º e 4º, deixa-se uma brecha para a censura, já que um magistrado
qualquer de um Juizado Especial (onde sequer há necessidade de um advogado)
teria o poder de decisão, com efeito imediato, para censurar conteúdo na
internet.
Por exemplo, imagine que eu fiz um vídeo no YouTube onde eu falo sobre um
determinado político ou presidente de uma empresa (obviamente que eu não irei
falar bem dele). Então, esta pessoa vai a um Juizado Especial, dizendo que eu
estaria denegrindo a sua imagem. O Juiz, do Juizado Especial, sob a alegação de
que poderia existir dano irreparável ou de difícil reparação, poderia
solicitar a imediata remoção do meu vídeo, antes mesmo de eu entrar com uma ação
recorrendo da decisão em uma instância superior. Resumindo, é a criação da
censura a jato!
“Receio de dano irreparável ou de difícil reparação”?!
Tá de sacanagem, né?!
- Por acaso existe dano pior que a morte?! Mesmo assim, existem leis que
estabelecem valores e prazos para que um assassino cumpra a sua pena e repare o
dano causado.
- Por que um texto, imagem ou vídeo na internet necessitaria de tratamento
especial ou um serviço de censura expresso?! #NumFodePorra
Ou seja, censura-se primeiro para depois averiguar os fatos, o que seria
inconstitucional, já que a Constituição Brasileira permite apenas que as pessoas
ofendidas sejam ressarcidas pelos danos causados, e não, que tentem impedir que
um conteúdo seja publicado. É importante dizer que nenhuma lei no mundo tem a
capacidade de impedir que uma pessoa cometa um crime, ela apenas tem o poder de
punir esse alguém por um crime que aconteceu e tentar ressarcir da melhor
maneira possível os prejudicados.
Neste exemplo, eu citei um vídeo de YouTube, mas isto poderia ocorrer em
qualquer post de blog, rede social ou mesmo sites de notícia!
- E aí?! Esta brecha é ou não é um ataque à liberdade de expressão?! :-/
Por mim, o artigo 19 inteiro deveria ser integralmente removido (ou, pelo menos,
os seus parágrafos 3º e 4º)
Grampo obrigatório
No artigo 13, que trata sobre os registros de conexão, temos o seguinte texto:
Art. 13. Na provisão de conexão à internet, cabe ao administrador de sistema
autônomo respectivo o dever de manter os registros de conexão, sob sigilo, em
ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 1 (um) ano, nos termos do
regulamento.
§ 1º A responsabilidade pela manutenção dos registros de conexão não poderá ser
transferida a terceiros.
…
§ 5º Em qualquer hipótese, a disponibilização ao requerente dos registros de que
trata este artigo deverá ser precedida de autorização judicial, conforme
disposto na Seção IV deste Capítulo.
Apesar deste artigo trazer um pouco mais de segurança para os dados pessoais dos
clientes , impedindo que provedores (como NET ou GVT) vendam ou vazem estas
informações para terceiros, existem algumas armadilhas.
Todo internauta brasileiro será “grampeado” pelos provedores (mesmo que estes
provedores não necessitem destas informações). Ou seja, todos que acessam a
internet serão tratados como um potencial criminoso, que precisa ter seus dados
armazenados para futura verificação.
O armazenamento destas informações deveria ser facultativo e, caso o provedor
realmente necessite dela, então estes dados deveriam ser armazenados de forma
segura, proibindo a sua divulgação para terceiros.
Além disto, por que guardar estas informações pelo prazo de um ano?! Por
que o governo está tão interessado em manter os registros de conexão de toda a
população?! #NumFodePorra
Pedir autorização para um Juiz grampear um criminoso que está sendo investigado,
tudo bem… mas grampear toda uma população (independentemente de culpa), aí já é
demais, né?!
Já temos o TSE querendo armazenar todos os nossos dados biométricos, agora
querem gravar também todos os nossos registros de conexão na internet?! :-/
Privacidade em perigo
Os registros de acesso a aplicações de Internet (como páginas de Facebook,
Youtube, etc) são tratados no Marco Civil através do artigo 15, ver a seguir:
Art. 15. O provedor de aplicações de internet constituído na forma de pessoa
jurídica e que exerça essa atividade de forma organizada, profissionalmente e
com fins econômicos deverá manter os respectivos registros de acesso a
aplicações de internet, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo
prazo de 6 (seis) meses, nos termos do regulamento.
Assim como no caso dos registros de conexão, se um site não precisa armazenar
informações de acesso aos seus aplicativos, então por que obrigá-los a fazer
isso?!
Mais uma vez, o texto deveria tornar facultativo o armazenamento destas
informações. E, apenas se a empresa necessitar (de fato) desses dados, é que
deveria haver a exigência de armazenamento de forma segura e sigilosa.
Alguém, com um mínimo de bom senso, pode imaginar que um criminoso virtual irá
se utilizar dos métodos convencionais para acessar aplicativos na internet?!
Pois é… na prática, esta lei servirá apenas como uma possível ferramenta de
perseguição política de usuários contrários ao governo, ou de quem quer que seja
(mesmo que, para isto, seja necessário utilizar o sistema judiciário). Ou será
que devemos acreditar cegamente na competência e honestidade da justiça
brasileira?! Tá aí o STF que não me deixa mentir, com os seus 11 “bonecos de
marionete” de reputação ilibada ;-)
Búuu!
Abraços,
Otário Anonymous