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Fonte: Coletivo Intervozes
[20/04/15]
Por que criticar, desde já, uma parceria entre o Governo Federal e o Facebook?
- por Marina Cardoso
* Marina Cardoso é integrante do Intervozes
A presidenta Dilma Rousseff posou para foto vestida em um casaco com o logo do
Facebook, ao lado de seu criador, o norte-americano Mark Zuckerberg. Assim, ela
anunciou possível acordo entre o governo brasileiro e a plataforma de rede
social para trazer a iniciativa Internet.org para o Brasil. O projeto é uma
parceria do Facebook com empresas de telefonia para viabilizar acesso à Internet
gratuitamente para determinadas partes da rede. Mas o que está em questão, para
além do aparente benefício, é a nossa privacidade e o próprio modelo de Internet
que ele impulsiona.
A empresa de Zuckerberg mantém atualmente uma experiência em Heliópolis, bairro
popular do estado de São Paulo. Lá os moradores são estimulados a usar a maior
rede social do mundo para promover negócios próprios. Segundo a presidenta, esta
seria a base para um futuro acordo com o Facebook. Em entrevista recente a um
grupo de blogueiros, Dilma falou na possibilidade de, em uma segunda etapa, o
Facebook garantir infraestrutura de banda larga em regiões onde atualmente não
há.
Mas por que desde já é preciso criticar esta “parceria” com o Facebook?
Primeiro, porque não se trata de inclusão digital. O Internet.org costuma
envolver a garantia de que, mesmo quem não tenha pacote de dados, tenha acesso à
timeline do Facebook. Isto estimula a concentração da Internet em um único
aplicativo/plataforma, cujo lucro principal está no acesso de dados de cada
usuário e na publicidade vendida a partir dos dados gerados por ele.
Uma pesquisa realizada pela Quartz, agência de notícias sobre mundo digital, é
bastante esclarecedora sobre os rumos da concentração de uso da Internet apenas
no Facebook. A reportagem “Milhões de usuários de Facebook não têm ideia que
estão usando a Internet” mostra que os novos usuários da rede, em países em
desenvolvimento, não usam e muitas vezes não sabem que existem navegadores, que
têm esse nome por permitir nos levar a diferentes caminhos. Quando perguntados
se o Facebook é a Internet, mais da metade dos usuários brasileiros que
participaram da pesquisa disseram "sim".
A situação da concentração já é alarmante. O Facebook não é um local público,
por mais que pareça. É uma empresa com interesses privados e regras próprias.
Ela tem o poder, sozinha, de alterar aparição das notícias e demais conteúdos
que aparecem na linha do tempo dos cidadãos.
O jornalista Alex Hern, do inglês The Guardian, expressou sua preocupação com
essa situação na reportagem “Quando algoritmos definem nossas notícias,
deveríamos ficar aliviados ou preocupados?”. Hern estava obviamente preocupado.
Ele relata que, durante as manifestações decorrente do assassinato de um jovem
negro por um policial, nos Estados Unidos, o Facebook concentrava a lista de
posts em referências aos vídeos de balde de gelo na cabeça, campanha de
divulgação da esclerose que ganhou adepto de artistas.
A mobilização em torno do assassinato, aponta Hern, ficou por conta do Twitter,
que não gerencia os posts de seus usuários; a ausência desse tipo de filtro
permitiu muita gente ficar sabendo do que estava acontecendo. Para o jornalista,
o fato de o Facebook querer que seus usuários entrem na rede social, cada vez
mais, para vender anúncios a eles pode direcionar o conteúdo. Por exemplo, a
empresa pode priorizar a circulação de notícias felizes, a fim de não afugentar
os clientes.
O Facebook é um espaço murado, privado, onde valem as opções da empresa acerca
do que pode ser publicado ou não. O controle do conteúdo e a imposição de suas
regras têm sido frequentemente expostos. Nesta semana, o Ministério da Cultura (MinC)
informou que iria acionar judicialmente a empresa por ela ter deletado postagem
com fotografia de um casal de Índios Botocudos que mostrava uma índia com o
dorso nu. Inicialmente, a rede negou o pedido do ministério de liberar a foto,
alegando que ela não estava de acordo com suas regras. A censura só foi desfeita
na noite de ontem (18), depois da ameaça de ação judicial.
Situação semelhante tem sido denunciada por entidades de mulheres que querem que
o Facebook não censure imagens de amamentação. Se a sociedade inteira faz um
movimento para estimular o aleitamento materno, por que estimular uma plataforma
que joga contra? Também as integrantes de movimentos feministas como a Marcha
das Vadias reclamam de terem posts censurados. Os exemplos são muitos. Nos EUA,
a organização Eletronic Frontier Foundation (EFF) estuda se o Facebook não trata
diferentemente posts de denúncia de violência praticadas por palestinos e
israelenses.
Outra questão se trata de como o Facebook participaria da construção de
infraestrutura no país. As notícias dão conta de que Governo Federal e Facebook
estão discutindo o tema. Isto já causa espanto, pois a defesa do Estado
brasileiro apoiou a neutralidade de rede, princípio basilar do Marco Civil da
Internet. O controle da infraestrutura por uma só plataforma ou empresa fere
frontalmente o coração do Marco Civil, legislação apontada como das mais
avançadas do mundo na área.
Vale ressaltar que, exatamente por defenderem a neutralidade de rede, empresas
indianas anunciaram nesta semana a saída da parceria que beneficia o Facebook.
Privacidade
Se firmado o acordo, é provável que o Facebook se torne a plataforma prioritária
de comunicação dos brasileiros, potencializando, com isso, a capacidade da rede
de sugar os dados dos usuários. Tendo em vista que a plataforma é uma das
empresas que disponibiliza o acesso ao seu centro de processamento de dados para
Agência Nacional de Segurança dos EUA, fica a questão: como é possível defender
a soberania nacional se estimularmos a entrega da privacidade dos cidadãos?
Tal parceria já seria, assim, contraditória diante da postura do Brasil frente
às denúncias de espionagem reveladas por Edward Snowden. O próprio Snowden,
aliás, apontou que o Facebook estaria permitindo que governos vissem as
mensagens dos internautas. Diante disso, fica claro que é incompatível estimular
o uso da rede, quando a mesma empresa desrespeita os direitos à privacidade.
Inovação e modelo da Internet em jogo
Ao liberar acesso e estimular o Facebook, o acordo poderá custar a possibilidade
de manter o ritmo de inovação da Internet. A rede, até hoje, manteve um nível de
concorrência sem precedentes. Mesmo pequenas empresas conseguiram entrar no
mundo virtual e desenvolver novos produtos, isso porque até aqui as dificuldades
para entrar nesse mercado eram baixas, assim como o preço da conexão e a
dificuldade de acesso às plataformas de comunicação.
A lógica do acordo proposto também atinge o modelo de Internet que conhecemos.
Até aqui, os pontos conectados podem ver outros pontos conectados igualmente. O
que Zuckerberg propõe é que sua rede (e quem sabe possível parceiros) tenha
prioridade nesse circuito.
É como se o portal para o mundo da Internet estivesse começando a se fechar em
torno de diversas empresas norte-americanas e do Norte Global como um todo.
Triste isso, ainda mais para um país como o Brasil que apenas engatinha em
construção de plataformas digitais. A porta pode se fechar antes de o Sul Global
passar de fato, o que manterá a desigualdade entre Norte e Sul na produção de
comunicação.
Inclusão digital como política pública e não negócio
Enquanto a presidenta Dilma diz que deve sentar com Zuckerberg para discutir o
acordo, a sociedade civil segue aguardando uma agenda com o governo para debater
a universalização do acesso à rede. Inclusão digital não pode ser encarada como
um simples projeto social, mas sim como política pública que garanta o acesso
universal à conexão banda larga enquanto um direito, além de informação e
formação para que os cidadãos possam ser sujeitos na rede, capazes de escolher
quais plataformas vão adotar, quais conteúdos vão produzir e fazer circular.
Um possível acordo com o Facebook jamais poderá ser comparado à inclusão
digital. Trataria, apenas, de vender nossa privacidade, independência,
possibilidade de inovação e de criação livre de narrativas. Uma grande cilada!