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Leia na Fonte: Band / Colunas
[28/04/15]  O aperto de mão entre Brasil e Facebook  - por Mariana Mazza

No início do abril, a presidente Dilma Rousseff fez uma pausa em sua agenda na 7a Cúpula das Américas para se encontrar com Mark Zuckerberg, o criador do Facebook. Do encontro, saiu o anúncio de uma parceria entre o governo brasileiro e a rede social para um projeto de inclusão digital. "Mas não é a inclusão digital pela inclusão digital. É a inclusão digital porque ela pode garantir acesso à educação, acesso à saúde, à cultura, à tecnologia. Enfim, olhar (essa rede social) como um instrumento", avaliou Dilma no vídeo oficial divulgado pelo governo. "Consideramos que o Facebook é um dos grandes instrumentos que geraram essa revolução que é similar ao que aconteceu com a energia elétrica quando o mundo foi iluminado", complementou.

É difícil evitar o constrangimento ao ver o vídeo. A impressão que fica é que a presidente Dilma continua sem qualquer afinidade com o assunto, mesmo depois do fortalecimento da agenda sobre a Internet após as denúncias feitas pelo ex-agente da NSA Edward Snowden em 2013. A comparação com a energia elétrica, onde o Facebook seria o principal vetor da revolução digital, é de fazer corar boa parte dos leigos. Aliás, fez corar o próprio Zuckerberg, que sequer conseguiu segurar o riso após a declaração. A web é uma das maiores revoluções que o planeta já presenciou e o Facebook é um fenômeno econômico digno de nota, mas vamos devagar com o andor.

O mais complicado por trás do anúncio feito pelo governo brasileiro é o indício de que o Brasil ainda não compreendeu a web, o que é realmente o acesso à Internet e o papel das grandes empresas no escândalo da espionagem norte-americana. Se entendeu, o governo agora está se fazendo de rogado. Porque é estranho, pra dizer o mínimo, ver a presidente Dilma Rousseff fechando acordos com o Facebook depois do memorável discurso feito em setembro de 2013 na ONU pela defesa da privacidade dos governos e de suas populações. A presidente não foi informada de que o Facebook é um dos grandes colaboradores da NSA na análise de dados dos internautas? Ou o Brasil decidiu sair da posição de vítima da espionagem e passar a uma estratégia mais ativa, digamos assim?

Contradições à parte, a parceria anunciada peca em seu principal objetivo: a inclusão digital. Compreender o acesso à Internet como acesso ao Facebook é de um reducionismo assustador. O Internet.org, projeto capitaneado pelo Facebook em países subdesenvolvidos e que será importado para o Brasil, também promove uma visão estreita da inclusão digital. A proposta é dar acesso a sites selecionados de saúde, emprego e informações locais sem cobrança pelo uso de dados, como se isso fosse garantir acesso à Internet em sua magnitude. No nome do projeto temos mais uma pista de como essas companhias tem reduzido a Internet a um pequeno grupo de grandes fornecedores de conteúdo. Afinal, transformar em propriedade a alcunha Internet.org cria a falsa impressão de que o Facebook é, de fato, o centro desse universo. Ele e literalmente meia dúzia de empresas de tecnologia como Samsung, Ericsson e Nokia.

Na página da Internet.org há um diagnóstico bastante direto sobre o motivo de a rede estar inacessível a dois terços da população mundial: "Os dispositivos são muito caros. Os planos de serviço são muito caros. As redes móveis são poucas e distantes umas das outras". A despeito do complexo de vira-latas brasileiro, esse diagnóstico já foi dado por dezenas de funcionários (e ex-funcionários) do governo. Até porque estes obstáculos não são vistos apenas no Brasil, mas em todo o mundo. O preocupante é que a solução proposta pelo projeto não resolve muita coisa quando o assunto é a barreira ao acesso à Internet. Oferecer de forma gratuita - na verdade, patrocinada por esses grandes grupos - acesso limitado à Internet não pode ser considerado inclusão digital.

No coração dessa discussão está o recente fenômeno do Zero Rating, modelo econômico onde se inserem esses pacotes patrocinados de acesso limitado. Há muita polêmica em torno desse tema. Aqui no Brasil o assunto pegou fogo com as consultas públicas para a regulamentação do Marco Civil da Internet. Não há consenso entre os especialistas se o acesso patrocinado deve ser proibido ou não. Mas todos concordam que acesso limitado a um pacote de sites não pode ser chamado de acesso à Internet.

Não é à toa que o anúncio da parceria entre o governo e o Facebook gerou reações pouco amistosas de órgãos de defesa do consumidor e entidades civis. A ProTeste enviou uma carta à presidente Dilma pedindo que ela volte atrás no acordo ou que, no mínimo, garanta que o Marco Civil será respeitado, especialmente o princípio da neutralidade de redes. Outras 33 entidades e pessoas físicas assinaram a carta que critica a iniciativa.

E o momento em que esse acordo foi selado não podia ser pior. Com consultas públicas abertas pelo Ministério da Justiça e pela Anatel sobre o que deve ou não fazer parte da regulamentação do Marco Civil, fica a sensação de que o governo já está desprezando o debate público antes mesmo de ele chegar ao fim. Curiosamente, a situação me fez lembrar de uma bronca recorrente que Dilma Rousseff, então ministra de Minas e Energia, dava nos jornalistas quando tentávamos descobrir quais as propostas do governo durante a reforma do setor elétrico. A então ministra Dilma dizia quem, se saísse falando quais as intenções do governo para a imprensa, isso soaria como imposição em uma mesa de negociações que ainda estava aberta. A ministra de outrora estava certa pois, agora, a presidente parece querer impor o Zero Rating em plena mesa de negociação com a sociedade.