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Fonte: Gizmodo
[02/07/15]
Como o Facebook está se transformando na internet - por Leandro Beguoci
[Visite a Fonte para ver as ilustrações]
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Leandro Beguoci é editor-chefe da F451, uma
empresa de mídia que publica o Gizmodo Brasil e a Trivela, além de desenvolver
conteúdo para marcas e agências. Ele também trabalhou na Folha de S.Paulo,
Editora Abril (é colunista da revista VIP e já editou especiais da
Superinteressante), iG e News Corp, onde criou o departamento online do grupo
FOX no Brasil. Também faz parte da OrbitaLAB, uma laboratório de inovação em
jornalismo e mídia.
Beguoci, ao lado de Mariana Castro, criou o primeiro debate online entre
políticos na história da internet brasileira. Também já entrevistou o papa Bento
16 e Edward Snowden. Em 2014, seu texto sobre os rolezinhos na revista digital
Oene foi citado pelo New York Times. Em 2015, seu texto sobre água em São Paulo,
publicado pelo UOL, teve ampla repercussão no país e foi exibido até em
condomínios paulistanos.
Tem mestrado pela London School of Economics e é fellow na Tow-Knight Center for
Entrepreneurial Journalism, na City University of New York.
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Se você nasceu nesse interior bonito Brasil adentro, provavelmente conhece um
tipo de ser humano que, para efeitos científicos, vou chamar de “vizinho (a) com
alta capacidade de observação e organização”.
Na prática, é aquela pessoa que tudo sabe e tudo vê, mesmo morando num sobrado
sem janela numa rua sem saída. Ela sabe as datas de aniversários – e a hora em
que você chega do trabalho. Ela pergunta quando você troca de televisão – e às
vezes aparece com um aparelho igual, algum tempo depois. É meio chato,
especialmente quando é muito bisbilhoteiro(a) e desenxabido(a). Mas essa pessoa
tem uma função social importante. Ela toma a iniciativa. Organiza as festas e os
velórios, chama para os batizados e para os casamentos. Por mais que a gente
reclame, e há uma lista de motivos para reclamar, sente falta quando perde,
quando se afasta. Alguém prestava atenção em você, se importava com você. Tirava
a sua privacidade, é verdade, mas mantinha a comunidade unida.
Essa é mais ou menos a relação que nós temos com o Facebook, com a diferença de
que somos nós que procuramos a rede de Mark Zuckerberg. Trazendo para o mundo
dos vizinhos, é como se um bilhão de pessoas fossem à casa ao lado contar como
está a vida. Só que o vizinho esquece com o tempo, não toma nota. O Facebook,
não. Ele é o vizinho com método. Ele vê como agimos e ajuda a nos organizar em
comunidades.
A empresa se transformou em uma das mais valiosas do mundo porque entendeu
profundamente a forma como nós nos comportamos e o que valorizamos. O Facebook é
uma empresa de tecnologia – e de pesquisa humana. Os programadores são tão
importantes quanto os cientistas de dados. Os algoritmos são tão importantes
quando a categorização de comportamentos. Ao unir excelência tecnológica e
obsessão por pesquisa, o Facebook está se transformando na própria internet.
Sim: o negócio é sério.
Mas, antes de entrar em pânico ou celebrar a maestria do Facebook, é preciso
entendê-lo. É isso que a gente vai tentar fazer nos próximos parágrafos. E se
ficar qualquer questão em aberto, é só falar ai na área de comentários – ou no
Twitter, no Facebook….
O Facebook é a internet?
Cada empresa de tecnologia tentou ser a internet em algum momento. A AOL, nos
anos 1990, chegou perto do que era possível naquela época. Ela fornecia acesso à
então rede mundial de computadores (que só tinha computadores mesmo…), hospedava
seu email, centralizava conteúdo. Quando o Yahoo surgiu, organizando aquele
mundo de informação que começava a se acumular, ele apareceu como forte
candidato a se transformar em internet. Tinha email, conteúdo e buscador – era
basicamente o que alguém normal fazia na rede naquele tempo.
Só que daí veio o Google, e sua enorme capacidade de buscas. Mais do que isso: a
empresa se expandiu à medida em que as áreas de atenção das pessoas iam migrando
para outros serviços. O Google investiu em vídeo (YouTube), email e até rede
social – o Orkut — e agora está dando alguns tiros na água com o Google+. Sua
capacidade de oferecer anúncios de acordo com as buscas que nós fazemos
transformou a empresa em uma máquina de fazer dinheiro.
Só que o eixo da atenção mudou. Para a maior parte das pessoas, hoje, internet é
uma ferramenta para trabalhar e para falar com os amigos e conhecidos. É social
por definição. É para trocar mensagens, publicar fotos, agendar eventos. Houve
várias redes sociais no passado, mas só o Facebook entendeu o que estava
acontecendo no mundo, se tornou global e ofereceu ferramentas para unir pessoas
de cada pedaço do planeta onde elas estivessem – seja na frente do computador ou
segurando um celular no ponto de ônibus. O resultado é impressionante.
No começo do ano, vi uma pesquisa sobre uso de internet e Facebook na Ásia.
Havia duas perguntas: você usa a internet? Você usa o Facebook? O resultado foi
chocante. Na Tailândia, na Indonésia, nas Filipinas e em Mianmar, teve mais
gente dizendo que usava o Facebook do que pessoas que declaravam usar a
internet. As pessoas acessavam o Facebook sem se dar conta de que a rede social
está dentro da internet. O Facebook está mais presente na vida das pessoas do
que qualquer outra ferramenta digital. O mesmo resultado foi visto em uma
pesquisa na África. E, aparentemente, o Facebook sabe disso – e vai usar isso a
seu favor.
O internet.org, iniciativa da empresa para levar acesso a partes remotas do
planeta, é basicamente uma tentativa de associar internet a Facebook . Nós
explicamos isso em maio deste ano:
**** “O Facebook promove o Internet.org como uma forma de empoderamento para as
pessoas famintas pelos benefícios da conexão digital, mas o projeto tem seus
limites. (A Wired o chamou de “Facebooknet” em vez de internet.)
Mark Zuckerberg admite que seria caro demais dar internet de graça para todo
mundo e o que a iniciativa está pronta para fazer é dar as pessoas acesso ao
Facebook e parceiros selecionados: “Acreditamos que o Facebook está
impropriamente definindo a neutralidade da rede em pronunciamentos públicos e
construindo um serviço fechado no qual a população de baixa renda do mundo terá
acesso a uma série de sites inseguro”.
As pessoas que precisarem do Internet.org terão uma versão da internet restrita
e controlada pelo Facebook. Quem apoia o projeto, incluindo Zuckerberg,
argumenta que um pouco de internet grátis é melhor que nada.
Mas existem preocupações legítimas de que, ao permitir uma das maiores
corporações multinacionais dos EUA a treinar pessoas a usar essa versão
customizada da internet, isso irá gerar uma forma de neocolonismo digital que
atrapalhará inovações locais, prendendo os usuários ao Facebook e seus
afiliados” ****
Ainda é difícil cravar que o Facebook virou a internet. Muita gente faz buscas
de saúde no Google e trabalhos escolares usando a Wikipedia. Além disso, os
dados são escassos e não há metodologia padrão para comparar usos e acesso em
vários países do mundo.
Mas os indícios estão aí. Basta olhar para o nosso comportamento e observar o
que os nossos amigos usam. Dia após dia, as pessoas usam o Facebook, o Whatsapp,
o Instagram – três serviços da mesma companhia. Sem perceber, estamos vivendo em
arquipélagos da internet controlado por Zuckerberg.
Quem descreveu esse movimento muito bem foi Jonathan Zittrain, professor de
direito de Harvard. Ele tem um livro chamado The future of the internet and how
to stop it (você pode ler a versão completa aqui, em inglês).
Publicada em 2008, a obra analisava o mundo dos aplicativos e dos smartphones.
Ele mostrava, em outro contexto, como estávamos usando apenas pedaços da rede,
meticulosamente desenhados para nos manter em ilhas de conexão, dentro de
espaços determinados pelas empresas. Acabamos ficando dentro de áreas de
conforto, sem contato com outras aplicações. Seria quase um regresso à era em
que todo mundo usava apenas um sistema operacional, o Windows. Naquela época, a
Microsoft era praticamente o que se chamava, então, de computação.
Claro, isso nunca se aplicou, desta forma, para o leitor do Gizmodo. Vocês têm
um enorme conhecimento técnico e sempre tiveram meios de usar recursos que as
outras pessoas nunca puderam, por falta de conhecimento da área. Para as pessoas
que não são de tecnologia, o mundo é mais limitado mesmo – e cheio de desafios
invisíveis. Elas não têm como saber coisas que, para vocês, são óbvias.
No final das contas, essa discussão tem outros lados. São poucas as pessoas que
precisam usar a internet inteira – se é que isso é possível. As empresas tornam
o acesso a alguns serviços mais simples, melhores de usar. Mérito delas. Não é
todo mundo que tem paciência para mergulhar nos meandros digitais.
Porém, é preciso entender e dimensionar o poder que as empresas (e qualquer
organização e governo) têm sobre nós. Não é pelo fato de ser empresa. Podia ser
governo, ONG, fundação… É uma questão de quantidade de poder, até porque
precisamos decidir o que aceitamos e o que não aceitamos. Ter clareza disso é
fundamental.
O fato de que algumas pessoas conseguem viver sem Facebook hoje não significa
que elas vão continuar assim para sempre. Lembra daquele tio que se recusava a
usar email? Ou daquela pessoa que digitava na máquina de escrever e passava para
o estagiário digitar no computador? Talvez, no futuro, a gente faça a mesma cara
de “ué!” quando alguém disser que não tem conta no Facebook. E, se isso
acontecer, o jogo já terá sido vencido pela empresa de Zuckerbeg.
As pesquisas do Facebook
A empresa tem uma série de cientistas de dados dedicados a entender a forma como
interagimos e como nos comportamos. Às vezes, eles vão longe demais. O Facebook
mudou deliberadamente o que alguns usuários veem para saber como isso afetaria o
humor deles. A pesquisa foi criticada porque cruzou a linha sobre o que podemos
fazer em um estudo — usar as pessoas como cobaias sem que elas saibam disso é
eticamente questionável, embora algumas pesquisas só funcionem se forem feitas
dessa forma. São dilemas sérios. Afinal, ninguém acorda de manhã, faz o login no
Facebook e pensa “agora deixa eu tomar um chá enquanto participo de um
experimento social”. É invasivo, e isso acendeu um pavio de críticas e
desconfianças sobre o trabalho de monitoramento da companhia.
Recentemente, quando a empresa ofereceu o filtro colorido para as imagens de
perfil, em celebração ao casamento igualitário nos EUA, muita gente boa
aplaudiu, com razão, a iniciativa da companhia. Outras pessoas, mais
ressabiadas, olharam para as imagens com as cores do movimento gay e viram mais
uma experiência do Facebook sobre o nosso comportamento. Afinal, o Facebook
também vem estudando como as pessoas votam e como se engajam em causas sociais.
Ao mudar nossa imagem de perfil, nós influenciamos outras pessoas a apoiar uma
causa? O Facebook negou que a ferramenta de filtro fosse um experimento. Em
entrevista à The Atlantic, disse que a tecnologia foi criada durante um
hackathon da empresa, por dois estagiários, sem nenhuma preocupação além de
demonstrar felicidade.
Talvez não fosse mesmo um experimento. Mas isso está deixando de ser um ponto
importante porque o Facebook, por default, consegue saber e compilar todos os
nossos passos dentro da sua plataforma. Ele não faz experimentos – o Facebook é
um enorme experimento sobre o comportamento humano acontecendo em tempo real.
Mas e se essa rede social virar a principal interface pela qual nos conectamos
com o mundo?
Quanto mais cresce, mais o Facebook se transforma num enorme laboratório que
estuda a maneira como nós vivemos nossas vidas. E, quanto mais cresce e nos
entende, mais valiosa a empresa fica.
O modelo de negócios do Facebook
O Facebook é uma empresa que produz conhecimento sobre nós e vende esse
conhecimento para outras companhias que querem conversar conosco. Sim, você já
sabe disso, mas não custa lembrar: quando um serviço é de graça, o produto é
você. No caso do Facebook, ele vende seus hábitos para que outras empresas
consigam a sua atenção. Simples assim.
Porém, vale lembrar que isso não é novo. As empresas de mídia usaram esse modelo
por décadas. Dados sobre assinantes ajudavam os anunciantes a conversar com
pessoas que poderiam consumir seus produtos e serviços. E também não é
necessariamente errado. Você troca alguns dados pessoais por um produto melhor,
por um serviço mais eficiente. É uma relação de confiança – desde que isso
esteja claro para todo mundo. Há confiança quando há transparência.
A diferença, hoje, é de escala, precisão, privacidade e… poder. No passado, a
gente sabia onde as pessoas moravam, o sexo, a idade. Hoje, nós podemos saber
quanto tempo, em média, as pessoas dedicam a um determinado artigo ou a um
vídeo. Podemos saber como elas navegam por um site ou como usam um aparelho.
Todo o papo sobre “big data” está apoiado nisso. Estamos reunindo cada vez mais
dados sobre cada vez mais pessoas para entender como vivemos e como nos
comportamos. E isso vai muito além de mídia. Outras indústrias também se apoiam
em dados. Bancos, telefônicas, qualquer empresa, em algum momento, vai querer
saber algumas coisas sobre você.
É por isso que, sim, você vai ver sempre e cada vez mais coisas do seu próprio
universo na sua timeline – incluindo objetos e serviços para comprar. No Brasil,
você verá cada vez mais vídeos que começam a tocar sozinhos. Além disso, como eu
andei reparando nos últimos dias, eventos vão pipocar na sua timeline –
especialmente se você estiver acessando o Facebook pelo celular. O Facebook tem
me mostrado cada vez mais onde estão os meus amigos – assim como a minha vizinha
lá de Caieiras fazia, colocando os aniversários das pessoas numa lousa pendurada
no portão ou dizendo que fulano foi para o centro da cidade comprar umas coisas
para a festa junina.
Ao saber cada vez mais sobre a sua vida, o Facebook consegue transformar sua
rotina em um produto ou um serviço para você usar. Isso é ótimo e conveniente.
Por causa dessa nova forma de mostrar eventos, descobri shows incríveis. Só que
é fundamental ter clareza sobre por que esses serviços são tão bons e tão úteis.
O Facebook está se transformando em uma mistura de TV global, em todos os
idiomas disponíveis, com um poderoso instituto de pesquisa. Ele mostra todo e
qualquer conteúdo relevante para a gente – ou, melhor, aquilo que o Facebook
julga conveniente a partir de cálculos complicadíssimos baseados no seu
comportamento na rede. Esse cálculo, baseado em dados, vale ouro. Uma marca pode
anunciar um carro elétrico apenas para pessoas que usam bicicleta. Podem
oferecer apartamentos para pessoas que acabaram de mudar o status de “casado”
para “solteiro”. As combinações são infinitas. E, quanto mais específico, mais
útil. Quanto mais útil, maior a chance de você comprar aquele produto ou
serviço.
Toda informação que damos ao Facebook aumenta um tantinho o faturamento da
empresa. Hoje, o Facebook ganha um de cada dez dólares investidos em publicidade
digital nos EUA, segundo estudo do Pew Research Center, um dos principais
institutos de pesquisa do mundo. E esse número vem crescendo. A empresa
praticamente dobrou o faturamento, nessa área, entre 2012 e 2014. O Google ainda
é maior que o Facebook. A questão é se continuará sendo – ou até quando será.
Só que esse faturamento tem consequências. E uma delas é clara. Qual a
influência do Facebook nas nossas vidas?
O poder do Facebook
No começo deste ano, quando estava passando uma temporada em Nova York, eu e
alguns amigos visitamos a sede da empresa. Era uma visita oferecida pelo
programa de estudos que nós estávamos fazendo na cidade.
Visto do hall do elevador, é como todos os escritórios de empresas de tecnologia
sediados na cidade. Bonito, bem desenhado, moderno. Com uma diferença: para
entrar, é preciso ter uma conta no Facebook. Em várias empresas mundo afora,
você mostra sua identidade ou fala seu nome, que deve constar em uma lista de
presença. No Facebook, sua identidade é a sua conta na rede social. Um dos meus
amigos tinha uma foto de cachorro no perfil. Essa foto foi impressa e colocada
no crachá com o qual ele circulou nas reuniões.
Um pouco antes da reunião, notei um cartaz nos corredores do Facebook: “People
over Pixels”, Pessoas Acima dos Pixels. É uma frase boa para uma rede social. A
tecnologia ali não é feita por si. É feita para entender o comportamento das
pessoas, para servir as pessoas como elas querem, do jeito que elas querem. Não
significa fazer a melhor interface, a mais moderna ou a mais bonita. É a
interface mais simples de usar – a melhor e mais simples tecnologia para servir
igualmente bem mais de um bilhão de pessoas. Essa obsessão de usabilidade, de
conforto, chega a níveis bastante altos.
Durante o papo, um dos funcionários do Facebook explicou como eles estavam
preocupados com os links postados dentro da plataforma. Não por causa do link em
si, mas por causa do tempo que eles demoravam para ser carregados quando abriam
em outra janela. Segundo o estudo do Facebook, em média, cada link de um site de
notícias demorava oito segundos para ser aberto. Era um problema. A pessoa
entrava no site, via a notícia e demorava tempo demais para acessá-la. Qual a
solução do Facebook para esse problema? Criar uma plataforma para que os
veículos de comunicação publiquem diretamente dentro do Facebook.
No começo, as marcas jornalísticas resistiram – algumas resistem até hoje. Elas
consideram que o Facebook tem poder demais, e de fato tem. Os veículos de
comunicação dependem muito do tráfego que vem das redes sociais. Em alguns
casos, chega a 75%.
Para piorar, muitos viram o dinheiro da publicidade migrar das suas páginas para
as páginas do Facebook – e isso já é realidade no Brasil. Um estudo feito pelo
jornalista Fernando Rodrigues mostrou que o Facebook já recebe mais dinheiro de
publicidade do governo federal, por exemplo, do que o jornal O Globo e o portal
UOL. O Facebook tem cada vez mais atenção e dinheiro. É uma caldeira que se
retroalimenta. Quanto mais atenção, mais dinheiro. Quanto mais dinheiro, mais
recursos para investir em ferramentas e fazer pesquisas para atrair a minha, a
sua, a nossa atenção.
As resistências só caíram, nos EUA, quando o Facebook anunciou que as empresas
de mídia ficariam com um bom pedaço da publicidade nesses artigos publicados
direto na rede social. Aí a coisa mudou de figura. Do New York Times ao Buzzfeed,
passando pela National Geographic e pela Spiegel, grandes marcas de conteúdo
mundo afora fizeram acordos com a empresa. Há várias questões nesse acordo, é
claro. Mas um dos mais evidentes é que as empresas de mídia abriram mão de algo
que sempre controlaram: a distribuição do seu próprio conteúdo, nas suas
próprias plataformas (se você se interessa por jornalismo e tecnologia, escrevi
um texto sobre a reinvenção da comunicação em maio deste ano). Para se ter uma
ideia, nenhuma empresa de tecnologia tinha conseguido algo desse tamanho, com
tantos veículos grandes. Nem o Google, nem a AOL, nem o Yahoo. É uma enorme
demonstração de poder.
O Facebook entende tanto o que você quer, e faz dinheiro com isso, que conseguiu
dobrar até mesmo uma das indústrias mais influentes do mundo. O Facebook precisa
de conteúdo de qualidade para oferecer na sua timeline. Ninguém usaria a
plataforma se só visse o que as pessoas bebem pela manhã ou fizeram no final de
semana. As empresas de mídia precisam, desesperadamente, do dinheiro que o
Facebook pode oferecer para elas. As coisas mudam muito rápido… Há 15 anos, isso
seria impensável. Por isso, quem sabe, talvez no futuro o Facebook consiga fazer
acordos com empresas de segurança. E então vai ser difícil entrar num prédio sem
ter uma conta na rede social – viu como as possibilidades para a empresa são
gigantescas?
O problema é: quem garante que esses dados vão sempre ser usados a nosso favor?
Evgeny Morozov, um dos mais agudos críticos da ingenuidade em relação à
tecnologia, vê sérios riscos para a democracia num mundo em que algumas poucas
empresas sabem tudo sobre o que fazemos. Para ele, é muito difícil resistir à
tentação de espionar e controlar os cidadãos.
Os casos de espionagem da NSA, a agência de segurança nacional dos EUA,
revelados por Edward Snowden, mostram que os governos estão de olhos bem abertos
para isso. E não adianta dizer “ah, eu não tenho nada a esconder, pode olhar à
vontade”. Você tem certeza que quer ser monitorado o tempo inteiro? Você se
sente confortável em saber que cada parte da sua vida está sendo monitorada?
Talvez sim, mas talvez não. Nós ainda estamos longe, muito longe de saber como é
viver numa sociedade em que todos os nossos passos são rastreados. E o Facebook,
por definição, é uma excelente ferramenta de rastreamento (como a NSA bem sabe –
ela chegou a se disfarçar de Facebook para espalhar malware).
O mundo melhorou um bocado nas últimas décadas, como lembra o jornalista Matt
Ridley no livro “Rational Optimist”. A obra é um bom contraponto ao pessimismo e
à desconfiança de Morozov. Mas eu tendo a concordar com a frase “cautela e caldo
de galinha nunca fizeram mal pra ninguém”. O mundo não é um eterno evoluir. E
progresso passado não é garantia de progresso futuro.
O preço da atenção
No começo deste ano, Scott Galloway, professor de marketing da New York
University, fez uma bela análise do modelo de negócios da Amazon, do Google, do
Facebook e da Apple. Tenho algumas questões sobre os seus apontamentos, mas o
raciocínio é interessante.
Para ele, Amazon e Google terão dificuldades no futuro próximo. A Amazon tem
custos muito grandes. Afinal, não é barato distribuir mercadorias para o planeta
afora por preços mais baixos do que os concorrentes locais. O modelo não fica de
pé. O Google, ainda segundo Galloway, é forte em buscas. Mas quem disse que as
pessoas vão continuar buscando informação como buscam hoje, especialmente numa
era de notificações e produtos inteligentes, que entendem o nosso comportamento?
O Google pressupõe um comportamento ativo. Porém, os serviços estão fazendo cada
vez mais coisas por nós.
Para ele, Apple e Facebook tendem a ter um futuro melhor. A Apple decidiu entrar
no mercado de luxo, de alto valor agregado, que dificilmente passa por crises –
ele funciona no ramo do desejo e do status, não no da razão e da funcionalidade.
Isso explicaria o preço dos seus produtos aqui e lá fora. Além disso, a marca
também está se posicionando no mercado de aparelhos que fazem coisas por nós –
como é o caso do Apple Watch, com todos os problemas que ele ainda tem.
Já o Facebook está conquistando a batalha da atenção, especialmente entre as
pessoas mais jovens. Tempo e atenção são dois ativos, para usar um termo bonito
da economia, muito disputados no mercado. Afinal, o tempo que você dedica a algo
mostra o quanto você gosta, precisa ou é viciado nele. E isso é ouro em pó em
uma época na qual a nossa atenção é bombardeada por zilhões de coisas ao mesmo
tempo.
Embora as pesquisas sobre comportamento e uso do tempo tenham muitas diferenças
entre si, há evidências claras. O Facebook está substituindo, no Brasil e nos
EUA, os veículos de comunicação como primeiro lugar em que as pessoas vão para
saber o que está acontecendo no mundo. Para as pessoas mais jovens, o Facebook e
o YouTube estão substituindo a TV como fonte de entretenimento – e isso ajuda a
explicar por que o Facebook começou a mostrar cada vez mais vídeos para você.
A rede de Zuckerberg ainda está longe de ocupar as cerca de cinco horas que as
pessoas dedicam, em média, à televisão nos EUA. Mas, a cada ano, seus produtos e
seus serviços abocanham um espaço maior das 24 horas que temos em um dia. No
passado, nós nos preocupávamos muito com a força da televisão nas nossas vidas.
Isso já mudou. O Facebook está virando o centro da nossa atenção.
Ok. E o que fazer?
As consequências da nascente “era Facebook” ainda são imprevisíveis. Num
determinado momento, a Microsoft parecia imbatível. Era muito difícil ter um
computador sem Windows. Mais tarde, o Google se tornou onipresente na nossa
rotina. Agora é o Facebook. A tendência, mostra a história, é que uma empresa
ultrapasse a outra na medida em que oferece produtos e serviços melhores. Tem
quem diga que o Snapchat, um serviço altamente popular entre adolescentes, vai
substituir o Facebook.
O nó é que nenhuma dessas empresas entendeu tão bem e tão profundamente como nós
nos comportamos quanto o Facebook. A companhia está crescendo junto com o uso da
internet via celulares. Ela está aprendendo rápido e se adaptando rápido. Está
comprando outras empresas, como o Instagram e o Whatsapp, que poderiam concorrer
com ela no mercado da atenção. O Facebook é um aluno aplicado, dedicado,
trabalhador. A empresa não se contenta em oferecer um bom serviço – ela quer
oferecer o próximo serviço útil. Isso ajuda a entender por que ela está testando
funções do Snapchat em fotos e vídeos.
Nós podemos ter preguiça, ou não prestar atenção na aula. Já o aluno Facebook
está ligadão o tempo todo.
Por isso, temos de fazer com o Facebook o que ele faz conosco. Aprender com ele,
entender como ele funciona. E então decidir o que aceitamos e o que não
aceitamos. O Facebook é uma empresa impressionante. Mas a vida, no final das
contas, continua sendo nossa.
Portanto, o fato de respeitar e admirar suas qualidades não significa aceitar
tudo que ela faz. Significa aceitar seus benefícios e combater seus problemas –
assim como a gente sempre fez com a vizinha do interior, que tudo via e tudo
fazia. Não é simples – mas é cada vez mais necessário.