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Fonte: Teletime
[17/03/15]
Em meio a consultas, regulamentação da neutralidade ainda carece de definições
- por Bruno do Amaral
Ainda em consulta pública pelo Minisério da Justiça e pelo Comitê Gestor da
Internet, a regulamentação das exceções técnicas do Marco Civil continua
mostrando que a neutralidade de rede necessita de um debate que vai além da
semântica, propondo uma ampla visão que possa garantir que o conceito sobreviva
a interesses puramente econômicos. Durante o Seminário Marco Civil da Internet:
Neutralidade e Proteção de Dados Pessoais, promovido pela associação de defesa
do consumidor Proteste e que aconteceu nesta terça-feira, 17, em São Paulo,
representantes do governo e especialistas mostraram que não há consenso,
tampouco um caminho ideal para se falar em exceções ao tratamento dado a pacotes
na Internet.
"A própria definição de neutralidade é um processo em disputa, mas considero que
o Marco Civil faz certo, com a palavra-chave em isonomia", afirma a diretora do
Departamento de Serviços e de Universalização de Telecomunicações do Ministério
das Comunicações, Miriam Wimmer. Ela alega que o conceito deve ser entendido no
contexto de um complexo conjunto de relações comerciais, que englobam uma
topologia híbrida na arquitetura da Internet no Brasil hoje: enquanto as grandes
operadoras se valem de conteúdos em cache nas redes de distribuição de conteúdo
(CDNs), há pequenos provedores (ISPs) que precisam buscar tráfego em redes Tier
1 internacionais, degradando sensivelmente a experiência do usuário final.
Miriam ressalta que, até por ainda estar em consulta pública, o Minicom ainda
não conta com um posicionamento a respeito das propostas, mas, na opinião
pessoal dela, defende as diferentes formas de gerenciamento de rede de acordo
com aplicações. "O best-effort não atende sempre, tem de considerar como tratar
o conceito de isonomia, que é entre tipos de aplicações: ou seja, não pode
priorizar o Skype por outros serviços de VoIP, mas pode Skype em cima do
e-mail", exemplifica. Ela elogia ainda a Federal Communications Commission (FCC),
nos Estados Unidos, que abordou o tema de maneira principiológica.
Para o vice-presidente sênior da organização civil norte-americana Publick
Knowledge, Harold Feld, o importante é que as regras não permitam a má fé por
parte das empresas. Ele cita o caso de 2008 nos Estados Unidos, quando a
operadora Comcast negou que houvesse bloqueio em aplicativos peer-to-peer (p2p),
como o bit torrent. "Se você reclamasse, diziam que não bloqueavam, e isso era
mentira. Demorou quase um ano para a FCC impedir isso, e então a Justiça disse
que a Comissão não tinha autoridade. Ou seja: não precisou de muito para os ISPs
começassem a bloquear tráfego", declarou.
Na visão dele, é importante que as regras de neutralidade propostas pela FCC
sejam aplicadas, já que colocam nas mãos de um regulador essa relação com o
consumidor que acabava em práticas abusivas das empresas. Feld lembra que a
Internet nos EUA já havia passado por uma abordagem de regulação leve em 2004.
"Por que jogamos fora o framework de dez anos? Porque o que fizemos não
funcionou, falhou em todos os níveis, falhou em produzir competição. Tínhamos 3
mil ISPs e agora temos dois no mercado (em determinados locais, considerando
velocidades acima de 20 Mbps), se tiver sorte. Talvez seja melhor no mercado
móvel, mas ele não é um substituto para a banda fixa".
Ele critica ainda o argumento de provedores, como a AT&T e a associação de cabo
dos EUA, a NCTA, que afirmam que a neutralidade de rede impediria investimentos
para ampliar infraestrutura e diminuiriam margens de receita. "Isso é
simplesmente uma mentira, nunca houve isso antes. Nunca vou entender porque as
pessoas acreditam (nas operadoras), mas entendo porque elas dizem. E garanto: a
neutralidade de rede não tem nada a ver com investimento em infraestrutura",
esbraveja.
Abordagem para o móvel
A concepção geral da mesa organizada no evento da Proteste é de que a prática de
Internet com franquia limitada é uma questão de modelo de negócio, e não de
neutralidade. É o que entende também o diretor do instituto de pesquisas
econômicas e regulatórias Wik, J. Scott Marcus. "A questão é que os preços aqui
são muito altos e as franquias baixas demais. Não é neutralidade, é na estrutura
competitiva do mercado", declara. Apesar de falar isso, há uma área cinzenta:
Marcus, que atuou em Bruxelas durante o debate da União Europeia sobre
neutralidade de rede em 2013, garante que a definição do conceito no continente
é muito mais uma questão de poder de mercado, baseando-se no pressuposto de que
a rede é neutra desde que o consumidor tenha a opção de escolher por outro
player e serviço. "O conceito de regulação nos EUA é sem bloqueio, sem
estrangulamento e sem priorização, mas, como economista, tenho desconforto neste
último. Penso que arranjos livres deveriam aumentar a inclusão social, e não se
afastar disso", disse.
O conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Demi Getschko,
explica que a abordagem do Marco Civil para a neutralidade não foi a de modelo
de negócios. "A Internet não é uniforme, os pontos finais da rede podem
introduzir deformações e filtragens. Não existe um nirvana da Internet neutra
geral", declarou. Por isso mesmo, ele defende que a abordagem da FCC de pedir
neutralidade também na banda larga móvel trará desafios. "É diferente discutir
neutralidade no telefone inteligente porque este usa a Internet sobre a
'estrutura telefônica celular'", diz. Ou seja: as características estatísticas
de conexão de um smartphone com uma estação radiobase (ERB) estão no nível acima
da conexão à Internet propriamente dita, o que traria desafios na hora de se
oferecer isonomia no tratamento de tráfego.
Getschko afirma ainda que, por uma razão econômica e histórica, não vê
operadoras adotando a prática de franquia ilimitada - ou ao menos mais generosa
- para a Internet móvel como fazem na fixa. "Todo mundo pretende continuar no
modelo mais confortável e rentável. O modelo antigo tem excelentes ferramentas
para fazer billing, ao contrário da Internet (na camada de conteúdo). Então, é
razoável que o mundo que tem o DNA da telefonia faça isso", conta.