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Leia na Fonte: Observatório da Internet no Brasil
[01/10/15]
CGI.br posiciona-se contrariamente a Projetos de Lei que subvertem
princípios fundamentais da Internet
O Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) publicou resolução alertando para
os riscos inerentes à aprovação do Projeto de Lei 215/2015 e seus apensos (PL
1547/2015 e PL 1589/2015). A resolução CGI.br/RES/2015/013 recomenda que o
ambiente legal e regulatório relativo à Internet seja orientado,
fundamentalmente, à proteção dos direitos básicos dos cidadãos, como o direito à
privacidade e à liberdade de expressão. Além disso, o texto recomenda que se
preserve o equilíbrio alcançado com o Marco Civil entre a liberdade de expressão
e a proteção à privacidade e aos dados pessoais, as atividades relacionadas à
persecução criminal e o combate a ilícitos na Internet, bem como a
inimputabilidade dos provedores de serviços de Internet por danos decorrentes
das ações de seus usuários.
"O Brasil é um dos países mais avançados em relação à legislação para a
Internet. O Marco Civil é de extrema importância para a garantia de direitos dos
usuários e para a segurança jurídica do ecossistema da Internet no país. A
exigência de ordem judicial para que se tenha acesso a dados privados e ao
conteúdo das comunicações privadas ou para que se remova um conteúdo online é
uma regra fundamental e corolário da democracia contemporânea. Temos que tomar
cuidado para que as exceções não sejam infinitamente mais amplas que a própria
regra", afirma Thiago Tavares, representante do CGI.br eleito pelo Terceiro
Setor.
Flavia Lefèvre, também representante do Terceiro Setor, reforça a necessidade do
respeito ao processo legal. "Com a aprovação e vigência do Marco Civil da
Internet, fica estabelecido que qualquer conflito de interesses dentro da
sociedade relacionado com a Internet seja equacionado pelo poder judiciário,
inclusive o acesso a dados cadastrais, registros de conexão e de acesso a
aplicações. Os Projetos de Lei tratados na resolução CGI.br/RES/2015/013
revertem esse cenário, pois abrem mão de garantias fundamentais consagradas,
como o contraditório e a ampla defesa, além da presunção de inocência. Além
disso, essas propostas são inconstitucionais, pois o artigo 5º protege de forma
clara e indiscutível a privacidade e a correspondência privada, impondo a
necessidade de ordem judicial para sua violação".
Ainda, o texto da resolução sugere que a ação legislativa resguarde a natureza
democrática, pluriparticipativa e colaborativa que marcou o processo de adoção
do Marco Civil dentro e fora do Congresso Nacional.
“O Marco Civil da Internet estabelece princípios, garantias, direitos e deveres
para que a Internet no Brasil mantenha as características que a trouxeram até o
presente estágio de desenvolvimento. Ele foi redigido a partir dos princípios do
CGI.br em um processo democrático, horizontal e colaborativo, que contou com
apoio dos representantes da Comunidade Científica e Tecnológica, Terceiro Setor,
Setor Empresarial e do Setor Governamental", declara Virgílio Almeida, membro do
setor governamental e coordenador do CGI.br.
Flávio Wagner, membro do CGI.br eleito pela Comunidade Científica e Tecnológica,
reforça a importância do processo de construção do Marco Civil e do modelo
brasileiro de governança da Internet. “O processo multissetorial que marca a
governança da Internet é algo que leva tempo, mas que conforma grandes consensos
entre os diferentes setores envolvidos. Isso marcou o processo de concepção,
debate e aprovação do Marco Civil, está na essência da lei. Toda e qualquer
reforma legislativa precisa levar isso em consideração. A pressa com a qual se
está conduzindo o processo, atualmente, pode acabar tornando o seu resultado
bastante desequilibrado, especialmente porque afeta dispositivos do Marco Civil
relacionados a direitos fundamentais, arduamente negociados”, ressalta.
A resolução trata ainda de outra preocupação que é central para todo e qualquer
processo relacionado com a Internet: a rede não deve ser tratada de forma
distinta de outros meios de interação social. Eduardo Parajo, representante do
Setor Empresarial pelos Provedores de Acesso e Conteúdo da Internet, ressalta a
importância do equilíbrio no ecossistema da Internet. "O Marco Civil representa
um conjunto bastante enxuto de coisas que precisam ser preservadas para que a
Internet funcione em prol do desenvolvimento do país. A imposição de obrigações
excessivas para as empresas que prestam serviço de Internet - como
responsabilizá-las pelo comportamento de seus usuários - é algo que prejudica
tanto as empresas quanto os próprios usuários", diz.
O representante do Setor Empresarial pelos Provedores de infraestrutura de
telecomunicações, Eduardo Levy, traz preocupação semelhante: “É bastante
temerário do ponto de vista do funcionamento da Internet e da segurança jurídica
para as partes interessadas no processo. Não faz sentido imputar
responsabilidade ao provedor de conexão por danos recorrentes de conteúdos
gerados por terceiros, pois os provedores sequer disponibilizam conteúdos”,
afirma.
"A legislação brasileira sobre a Internet, na qual se destaca o Marco Civil, tem
sido ao longo desses anos, uma construção de diferentes segmentos sociais,
amplamente debatida e que vem servindo de modelo para o mundo. Logo, na condição
de representante de um desses segmentos no CGI.br, o acadêmico, e em nome do
segmento que represento, manifesto extrema preocupação com possíveis mudanças
casuísticas que setores do Congresso pretendem introduzir no Marco Civil,
tolhendo um dos princípios básicos da nossa constituição e do Estado de Direito,
que é a liberdade de expressão e de pensamento”, enfatiza Marcos Dantas,
representante eleito pela Comunidade Científica e Tecnológica.
Finalmente, ainda segundo o texto da resolução, é preciso que se leve em conta a
natureza internacional e globalmente distribuída da Internet, o que impõe
desafios de coordenação do ordenamento jurídico brasileiro com o de outros
países. "A Internet deve ser mantida como um espaço aberto e de colaboração. A
criação de normas não deve impedir o desenvolvimento da rede pela oneração
excessiva de usuários e provedores com a imposição de deveres em desconsideração
aos diretos básicos consagrados no Brasil e no mundo", ressalta Demi Getschko,
representante de Notório Saber em assunto da Internet.
Veja a íntegra da resolução abaixo:
O COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL – CGI.br no uso das atribuições que lhe
confere o Decreto nº 4.829/2003, resolve aprovar esta Resolução, em 01 de
outubro de 2015, da seguinte forma:
Resolução CGI.br/RES/2015/013 – Recomendação sobre propostas de ações
concernentes ao ambiente legal e regulatório da Internet no Brasil
Considerando que:
- Compete ao CGI.br, nos termos do Decreto nº 4.829/2003, zelar pelo
desenvolvimento, disseminação e proteção da Internet em nosso país;
- A posição do Comitê sobre os temas cruciais da Internet está consolidada nos
Dez Princípios para a Governança e Uso da Internet no Brasil, aprovados pelo
CGI.br em 2009 , voltados à defesa de garantias básicas de usuários e
prestadores de serviços Internet no país;
- Esses Dez Princípios inspiraram o teor da Lei 12.965/2014, o "Marco Civil",
que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet
no Brasil, lei essa que foi construída colaborativamente, com participação ampla
de diversos setores da sociedade, de maneira democrática, colaborativa,
horizontal e pluri participativa, inclusive em seu processo legislativo durante
o qual realizaram-se amplos e diversos debates, seminários e audiências públicas
promovidos pelo Congresso Nacional entre 2011 e 2014;
- O compromisso do CGI.br, definido em sua resolução CGI.br/RES/2012/010/P, de
atuar no âmbito de suas atividades tendo como referência o quadro normativo
constante do Marco Civil da Internet e de promover a mobilização dos setores que
o integram na defesa e aprofundamento dos Dez Princípios para a Governança e Uso
da Internet no Brasil;
- O art. 24, II, do Marco Civil define a participação do CGI.br na promoção da
racionalização da gestão, expansão e uso da rede, junto à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios, no desenvolvimento da internet no Brasil;
e ainda que
- O Projeto de Lei 215/2015 e seus apensos PL 1547/2015 e PL 1589/2015 subvertem
os princípios e conceitos fundamentais da Internet, nos termos definidos pelo
Decálogo do CGI.br e consagrados no Marco Civil da Internet, ao modificar o
escopo da Lei 12.965/2014 propondo estabelecer práticas que podem ameaçar a
liberdade de expressão, a privacidade dos cidadãos e os direitos humanos em nome
da vigilância, bem como desequilibrar o papel de todos os atores da sociedade
envolvidos no debate, além de, como pretende o PL 1589/2015, alterar redação do
artigo 21 da Lei 12965/2014 para equivocadamente imputar responsabilidade ao
provedor de conexão por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.
O Comitê Gestor da Internet no Brasil decide, em relação ao ambiente legal e
normativo relativo à Internet no Brasil, recomendar que ele:
a) Seja pautado pela garantia de proteção aos direitos básicos dos cidadãos tal
como expressos na Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU, entre eles o
direito à privacidade e à liberdade de expressão, cláusulas pétreas na
Constituição Federal do Brasil e um dos pilares do Estado Democrático de
Direito.
b) Observe e promova o caráter transparente, colaborativo e democrático, com
ampla participação de todas as esferas do governo, do setor empresarial, da
sociedade civil e da comunidade acadêmica, que pautaram a criação e a adoção da
Lei 12.965/2014, inclusive por isso transformando-a em paradigma internacional
para a regulação da Internet.
c) Preserve o espírito da Lei 12.965/2014, assegurando os direitos e garantias
constitucionais aí inseridas, sobretudo a liberdade da expressão, a
inviolabilidade da intimidade e da vida privada, a inviolabilidade e o sigilo do
fluxo de suas comunicações pela Internet e de suas comunicações armazenadas,
salvo por ordem judicial em estrita observância ao devido processo legal nos
termos da Constituição Federal, sob o risco de aumentarem as possibilidades de
vazamento, abuso e uso político de dados de terceiros.
d) Preserve, principalmente, o equilíbrio, alcançado com a Lei 12.965/2014,
entre: (i) a liberdade de expressão e a proteção à privacidade e aos dados
pessoais; (ii) as atividades relacionadas à persecução criminal e o combate a
ilícitos na Internet, bem como a própria dinâmica da Internet como espaço de
colaboração; (iii) a inimputabilidade dos provedores de conexão por danos
decorrentes de conteúdo gerado por terceiros; e (iv) a inimputabilidade dos
provedores de aplicações por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros,
sendo que os provedores de aplicação somente poderão ser responsabilizados
civilmente se, após ordem judicial específica, não tomarem as providências no
âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, nos termos da Seção III, Capítulo
III, da Lei 12.965/2014.
e) Não trate a Internet de forma distinta de outros ambientes de interação
social, o que poderia gerar redundâncias ou conflitos desnecessários no âmbito
do Direito Penal brasileiro e,
f) Leve em conta a natureza internacional e globalmente distribuída da Internet
e seja, assim, estruturado como parte integrante do ecossistema complexo de
governança mundial da rede.