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Fonte: Band / Colunas
[24/09/15]
Novo nome, velha ameaça - por Mariana Mazza
O conto de fadas do Internet.org, aplicativo do Facebook que promete conectar as
pessoas gratuitamente à web, começou a desmoronar. Do ponto de vista financeiro,
a coisa continua indo muito bem para a empresa de Mark Zuckerberg, que já atinge
1 bilhão de usuários no mundo graças à ajudinha do programa de oferta gratuita
e, com isso, consegue alavancar seu modelo de ganho publicitário. Mas as
críticas ao modelo de negócios do Internet.org parecem estar fazendo efeito. A
companhia resolveu fazer alguns ajustes no Internet.org para acalmar os ânimos
dos opositores. Só que a saída encontrada foi tão singela que beira o cômico:
rebatizar o aplicativo.
De acordo com o portal Convergência Digital, o Internet.org passará a se chamar
Freebasics.com. A página oficial da iniciativa ainda não foi atualizada, mas
quem digitar Freebasics.com no navegador será despachado imediatamente para o
Internet.org, o que significa que o domínio já está ativo. A adoção do novo nome
soa como uma admissão da prepotência que a primeira alcunha carregava. Quem
parar para analisar o modelo de oferta do aplicativo perceberá rapidamente que o
acesso garantido pelo agora Freebasics.com é limitado ao uso da rede social
Facebook e à navegação em sites considerados "parceiros" da iniciativa. Ou seja,
o Internet.org atualmente está mais para uma ferramenta de promoção da rede
social do que para uma real conectividade, capaz de diminuir o abismo digital
nos países onde a iniciativa foi adotada, como sugere o marketing e o domínio
.org. Nesse aspecto, chamá-lo de Freebasics.com parece bem mais honesto.
Mas adotar um nome mais sincero não resolve praticamente problema algum, a não
ser o risco de um eventual processo por propaganda enganosa contra a publicidade
da iniciativa. As críticas sobre a política de distribuição de acesso restrito
por meio do aplicativo se acumulam mundo afora e envolvem questões bem mais
importantes do que o nome do sistema. Há muitas reclamações, por exemplo, sobre
as falhas de privacidade e segurança no acesso permitido pelo Internet.org/Freebasics.com.
O vice-presidente de produto do Facebook, Chris Daniels, disse ao Convergência
Digital que estão sendo adotadas medidas para adequar o sistema nestas áreas,
como garantir que as páginas acessadas pelo aplicativo suportem o protocolo
HTTPS, de acesso seguro, e diminuir a coleta de dados dos usuários. Ainda assim,
a essência do sistema de acesso gratuito restrito mantém seu caráter tóxico.
Em recente artigo republicado no Brasil pela PoliTICs, o fundador e diretor da
Internet Policy Observatory do Paquistão, Arzak Khan, descreve de forma bastante
clara os temores que rondam os defensores do acesso livre à Internet. "Os
paquistaneses que porventura se conectem pela primeira vez usando a Internet.org
correm o risco de ficar sem saber o que é a Internet de verdade, que pode
dar-lhes oportunidades ilimitadas de desenvolvimento socioeconômico, e acabar
perdendo todo o interesse pelo que venha a ser a Internet", analisa Khan. E dá
um bom exemplo para reflexão: "Plataformas como o Facebook não teriam sido
criadas se Zuckerberg só tivesse acesso à Internet através de uma iniciativa
como essa".
Infelizmente, a preocupação do analista paquistanês de que o entendimento sobre
o que é a Internet seja prejudicado com a oferta de acessos limitados é bastante
real. Em março deste ano, durante o Seminário Marco Civil da Internet
Neutralidade e Proteção de Dados Pessoas, realizado pela ProTeste em parceria
com o Comitê Gestor da Internet (CGI.br), o professor de Direito de Internet e
Mídia da Universidade de Sussex Christopher Marsden apresentou dados
perturbadores sobre os efeitos desse fenômeno. Na pesquisa comentada por Marsden,
55% dos brasileiros concordaram com a frase "Facebook é a Internet". Na Índia
esse percentual é de 58%. Nos Estados Unidos, onde a pesquisa foi organizada, o
índice é de apenas 5%.
Dados como estes mostram como é fácil estabelecer uma visão limitada das
potencialidades da Internet quando se oferece um acesso restrito à população. Na
Índia, onde o Internet.org iniciou sua aventura, as críticas ao programa apenas
crescem e vários parceiros decidiram pular fora do barco. Em abril deste ano,
seis grandes empresas indianas, incluindo duas publicações locais da Times Group,
anunciaram sua saída da plataforma. Metade delas - Cleartrip, NDTV e Flipkart -
deu um passo adiante e fecharam posição em apoio aos grupos de defesa da
neutralidade de rede na Índia. "Acreditamos que a Internet gere igualdade e que
a liberdade da Internet seja crucial para a inovação. A Cleartrip tem e sempre
terá um compromisso pleno com a #NeutralidadeDaRede", diz um dos comunicados
oficiais.
Apesar da avalanche de reclamações, aqui no Brasil o Internet.org/Freebasics.com
ainda é visto com bons olhos na esfera governamental. Oficialmente, o governo
nega qualquer negociação com o Facebook para incluir o país na lista de usuários
do aplicativo. Mas parlamentares e autoridades do Executivo têm mantido
encontros com executivos da companhia e costumam sair satisfeitos das conversas.
Até a mudança de nome anunciada foi compreendida por alguns como uma concessão a
ponderações feitas aqui no Brasil, como se ignorassem o acúmulo de críticas
contra o projeto de cidadãos, entidades civis e empresas de outros países.
Aos poucos, o Internet.org/Freebasics.com vai alcançando sua posição de
protagonista no debate sobre acesso à Internet no mundo, embora não seja
exatamente como imaginado. De um lado estão as iniciativas gratuitas de acesso
limitado, onde o aplicativo fincou sua bandeira. De outro, os defensores da
neutralidade de rede e do acesso amplo à Internet. O Brasil está estranhamente
posicionado nesse cenário de batalha. Após ter reconhecimento internacional como
pioneiro na defesa da neutralidade, ao sancionar o Marco Civil da Internet,
estamos flertando com o inimigo e correndo o risco de aumentar ainda mais nosso
abismo digital.