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Leia na 
Fonte: Conjur
[17/12/16] 
Entrave tecnológico provoca impasse sobre Marco Civil e anonimato - por 
Marcelo Frullani Lopes
Marcelo Frullani Lopes é advogado graduado na USP, sócio do escritório 
Frullani Lopes Advogados e pós-graduando em Direito e Tecnologia da Informação 
na Escola Politécnica da USP.
A vedação ao anonimato prevista na Constituição Federal encontra novos desafios 
desde a disseminação da internet. Nas hipóteses em que o exercício da liberdade 
de manifestação do pensamento por uma pessoa ofenda direitos fundamentais de 
outra, é necessário identificar o responsável. Antes da entrada em vigor do 
Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14), os tribunais já tratavam de diversos 
aspectos dessa identificação, mas a nova lei procurou sistematizá-los de forma 
coerente.
A partir da leitura do Marco Civil, inferem-se duas providências que, em regra, 
devem ser tomadas para essa identificação: primeiro, pede-se ao provedor de 
acesso à aplicação o endereço IP[1] do terminal[2] de onde partiu o ato 
investigado, bem como informações referentes à data e hora do acesso à 
aplicação; descoberto o provedor de conexão vinculado a esse IP, pode-se pedir 
ao provedor de conexão descoberto a identificação do usuário que utilizava o IP 
naquele exato momento.
Todavia, o aumento do número de usuários trouxe como consequência uma maior 
dificuldade na identificação. O atual Protocolo de Internet, chamado de IPv4, 
encontra-se em estágio de esgotamento, isto é, não há mais números de IP 
disponíveis para atender a todos os novos terminais conectados à rede.
Para solucionar o problema, foi criado um novo protocolo, chamado de IPv6, ainda 
relativamente pouco utilizado no Brasil. Neste momento de transição, para que a 
difusão da internet não fique impossibilitada, utiliza-se um novo protocolo de 
rede denominado “NAT” (Network Adress Translation), que viabiliza o 
compartilhamento do mesmo número de IP por mais de um usuário, de forma 
simultânea.
Segundo Relatório da Anatel de 2014, sobre o “Grupo de Trabalho para implantação 
do protocolo IP-Versão 6 nas redes das Prestadoras de Serviços de 
Telecomunicações”, foi consenso nas reuniões desse grupo que deveria ser 
implementada uma “solução paliativa para evitar a estagnação da Internet no 
País, com suspensão das vendas, congelamento do crescimento da base de usuários 
e a interrupção dos programas de massificação da Internet no Brasil”[3].
O chamado “NAT” consiste numa técnica que permite o compartilhamento de IPs 
entre vários usuários. A partir da adoção dessa tecnologia, há uma série de 
discussões na doutrina e na jurisprudência acerca da necessidade de os 
provedores de aplicações guardarem informações referentes não apenas ao IP, mas 
também em relação à “porta lógica de origem” utilizada por cada usuário. Segundo 
especialistas e a própria Anatel, apesar de não estar prevista na lei, essa 
informação é indispensável para que se identifique de forma unívoca o usuário 
infrator.
No entanto, não é consenso entre os provedores a definição de quem deve guardar 
essas informações. Os provedores de conexão, como pode ser visto no relatório da 
Anatel, defendem que, além deles, os provedores de aplicações também devem 
guardar informações referentes às portas lógicas dos usuários. Os provedores de 
aplicações alegam, porém, que não possuem essa obrigação, apresentando os 
argumentos expostos a seguir.
O argumento principal utilizado por estes provedores toma como base o princípio 
da legalidade. Isto é, não haveria previsão em nosso ordenamento jurídico quanto 
à guarda e fornecimento de informações relacionadas a “portas lógicas de origem” 
por parte deles. A definição de “registros de acesso a aplicações de internet” 
encontra-se prevista no inciso VIII do artigo 5°[4], não abrangendo a porta 
lógica.
Segundo os provedores, tal norma, assim como o artigo 15[5], não pode ser 
interpretada extensivamente para abranger outros registros não expressamente 
previstos. Trata-se de uma interpretação predominantemente literal dos 
dispositivos do Marco Civil. Se não há previsão de guarda das portas lógicas, os 
provedores de aplicações não poderiam sofrer sanções por não as guardarem.
Além da literalidade, essa interpretação se caracteriza por priorizar a 
segurança jurídica: se os provedores forem obrigados a guardar dados não 
previstos expressamente no Marco Civil, cada juiz poderia determinar a 
apresentação de dados diferentes, o que causaria insegurança.
Outro ponto levantado é que tal assunto foi abordado nas discussões sobre a 
regulamentação do Marco Civil, mas a edição final do Decreto n8.771/16 não 
tratou disso expressamente[6]. Ou seja, utiliza-se uma interpretação histórica 
para mostrar que a presidente deixou de incluir a questão da “porta lógica de 
origem” no decreto justamente porque não pretendia ampliar as hipóteses de 
guarda de registro já previstas no Marco Civil.
Em contribuição ao debate público sobre a regulamentação do Marco Civil, o ITS 
Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade) alegou que a interpretação extensiva 
das normas sobre guarda de registros “pode acabar por gerar uma grande 
quantidade de armazenamento de dados desnecessários, trazendo um ônus econômico 
exagerado, especialmente se considerarmos pequenos provedores de serviços e 
produtos na Internet”[7].
O entendimento favorável aos provedores de aplicações foi acolhido pelo Tribunal 
de Justiça de São Paulo no julgamento do Agravo de Instrumento 
2150710-76.2015.8.26.0000[8]. O acórdão deu provimento a um recurso da Google, 
considerando que a guarda das informações referentes às portas lógicas caberia 
apenas aos provedores de conexão.
Defensores da tese contrária aos provedores de aplicações baseiam-se não na 
interpretação literal do Marco Civil da Internet, e sim em uma interpretação 
finalística, evolutiva e sistemática. Renato Ópice Blum, por exemplo, entende 
que é natural que o Marco Civil não tenha previsto todos os improvisos do 
mercado, tal qual a técnica utilizada para compartilhamento de IPs. Todavia, nas 
palavras dele, “a obrigatoriedade de identificação existe, é patente e está 
entre as finalidades da lei. Portanto, se a quebra dessa sistemática ocorreu, é 
preciso aplicar ao novo contexto a mesma lógica da lei”[9].
Como o objetivo da previsão de guarda de registros é a identificação precisa de 
usuários, essa corrente defende que o Marco Civil precisa ser interpretado de 
acordo com essa finalidade, em atenção ao artigo 6° da lei[10]. Dessa forma, a 
interpretação da Lei não poderia ser engessada, pois a tecnologia muda 
constantemente.
O esgotamento do IPV4 trouxe uma nova situação, não prevista na época em que o 
Marco Civil foi editado; assim, o não fornecimento de determinadas informações 
prejudica os objetivos da lei, pois impossibilita a correta identificação de 
autores de ilícitos. Fazem parte dessa corrente, por exemplo, Caio Cesar 
Carvalho Lima[11], Fabio Nori[12] e Giuliano Giova[13].
Provedores de conexão alegam que seria inútil que eles registrassem qual usuário 
se utilizou de cada porta lógica de origem se os provedores de aplicações não 
identificassem qual foi a porta lógica de origem que realizou o acesso, pois os 
provedores de conexão não podem guardar informações sobre o acesso. O relatório 
da Anatel segue a mesma linha.
Nos grupos de trabalho realizados para discutir a transição do IPv4 para IPv6, 
chegou-se à conclusão de que a única forma de as provedoras de conexão 
fornecerem o nome do usuário que faz uso de um IP compartilhado em um 
determinado instante seria com a informação da “porta lógica de origem”. Assim, 
“os provedores de aplicação devem fornecer não somente o IP de origem utilizado 
para usufruto do serviço que ele presta, mas também a ‘porta lógica de 
origem’”[14].
O entendimento de que cabe aos provedores de aplicações a obrigação de guarda 
dos dados referentes às portas lógicas é acolhido de forma majoritária pelo 
Tribunal de Justiça de São Paulo. No julgamento do Agravo de Instrumento 
2206954-25.2015.8.26.0000[15], os desembargadores entenderam que o fornecimento 
apenas do IP é insuficiente para identificação dos usuários. Além disso, o não 
apontamento da porta lógica levaria ao anonimato, deixando impunes as pessoas 
que se utilizam da internet para a prática de ilícitos.
Os argumentos que procuram atribuir obrigação de guarda das portas lógicas aos 
provedores de conexão não merecem prosperar. Como visto anteriormente, a adoção 
do NAT para compartilhamento de IPs entre vários usuários foi, nas palavras da 
própria Anatel, uma solução paliativa adotada pelos teles enquanto o protocolo 
IPv6 não estivesse totalmente difundido no país. Uma opção de natureza 
econômica, portanto, que buscou diminuir os custos dessas empresas durante o 
período de transição.
A solução proposta pelos provedores de conexão, em conjunto com a Anatel, de 
transferir os ônus dessa opção aos provedores de aplicação e aos usuários não se 
mostra adequada. Em relação aos provedores de aplicação, isso representaria um 
aumento dos custos, o que pode prejudicar pequenos prestadores de serviço na 
internet, e uma insegurança jurídica, pois nada impede que no futuro surjam 
novas exigências de guardas de registros que não estão previstas em nosso 
ordenamento.
Já do ponto de vista do usuário, abrir essa exceção quanto à porta lógica de 
origem pode representar um aumento da vigilância e uma restrição de sua 
privacidade. Pois a interpretação extensiva do Marco Civil pode, no futuro, ir 
além das portas lógicas, abrangendo cada vez mais informações.
O próprio NIC.br (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR) não recomenda 
a adoção do NAT. Segundo Frederico Neves, “não estimulamos nem recomendamos 
nenhum tipo de NAT. O que resolve o problema de falta de endereços é a 
introdução do IPv6. Há quem aposte que vai conseguir viver com NAT e IPv4 para 
sempre, mas o risco é muito grande”[16]. Assim, a melhor interpretação a ser 
adotada é no sentido de que os provedores de aplicações não são obrigados a 
guardar dados de acesso além daqueles já previstos pelo Marco Civil (data e hora 
de uso de uma determinada aplicação a partir de um determinado endereço IP).
Caso a identificação de um usuário se torne impossível em decorrência da 
ausência da informação referente à porta lógica de origem, o provedor de 
aplicações não pode ser responsabilizado, pois não tem obrigação de guardar esse 
dado. Todavia, caso se constate que a ausência dessa informação deve-se a ato ou 
omissão do provedor de conexão, este pode ser responsabilizado.
O artigo 18 do Marco Civil[17] não pode socorrer os provedores de conexão neste 
caso. Isso porque sua aplicação pressupõe que o provedor cumpra todos os seus 
deveres. Se o provedor de conexão adota uma atitude que inutiliza seus próprios 
registros e os dos provedores de aplicação, descumpre deveres previstos pelo 
Marco Civil.
Assim, se o provedor de conexão não cumpre seu dever no sentido de identificar o 
responsável pelo ato ilícito, pode ser responsabilizado por “fato do serviço”, 
nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor[18]. O usuário que 
sofre as consequências do ato ilícito, sendo impossível a localização daquele 
que cometeu a ilicitude, pode ser considerado “consumidor por equiparação”, nos 
termos do artigo 17 do Código de Defesa do Consumidor[19]. Por isso, é possível, 
em tese, que o provedor de conexão seja responsabilizado pelos danos causados.
Enquanto o Marco Civil permanecer como está, os usuários e os provedores de 
aplicações não podem ser prejudicados por uma opção dos provedores de conexão. 
Ao longo desse tempo, ou enquanto não for completamente adotado o IPv6, aqueles 
que são responsáveis pela tecnologia NAT (provedores de conexão) devem arcar não 
apenas com os bônus, mas também com os ônus dessa opção.
[1] Art. 5°, inc. III da Lei n° 12.965/14: “endereço de protocolo de internet 
(endereço IP): o código atribuído a um terminal de uma rede para permitir sua 
identificação, definido segundo parâmetros internacionais”.
[2] Art. 5°, inc. II: “terminal: o computador ou qualquer dispositivo que se 
conecte à internet”.
[3] Disponível em <http://www.anatel.gov.br/Portal/verificaDocumentos/documento.asp?numeroPublicacao=325769&assuntoPublicacao=null&caminhoRel=null&filtro=1&documentoPath=325769.pdf>.
[4] VIII – registros de conexão: o conjunto de informações referentes à data e 
hora de uso de uma determinada aplicação de internet a partir de um determinado 
endereço IP.
[5] Art. 15. O provedor de aplicações de internet constituído na forma de pessoa 
jurídica e que exerça essa atividade de forma organizada, profissionalmente e 
com fins econômicos deverá manter os respectivos registros de acesso a 
aplicações de internet, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo 
prazo de 6 (seis) meses, nos termos do regulamento.
[6] Os diferentes posicionamentos acerca do tema são expostos por relatório do 
Internet Lab sobre os debates públicos realizados antes da regulamentação da 
Lei. Disponível em http://www.internetlab.org.br/wp-content/uploads/2015/08/Report-MCI-v2-ptbr.pdf. 
Acesso em 12 de dezembro de 2016.
[7] Comentário ao artigo 11° da primeira minuta do Decreto n° 8.771/16. 
Disponível em < http://pensando.mj.gov.br/marcocivil/texto-em-debate/minuta/>. 
Acesso em 09 de dezembro de 2016.
[8] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo de Instrumento n° 
2150710-76.2015.8.26.0000. Agravante: Google Brasil Internet Ltda.; Agravada: 
Tim Celular S.A. Relator Desembargador Alexandre Marcondes. São Paulo, 31 de 
agosto de 2015.
[9] BLUM, Renato Ópice. Portas Lógicas de Origem: identificação e caos jurídico. 
2016. Disponível em <http://jota.info/artigos/direito-digital-portas-logicas-de-origem-dificuldade-de-identificacao-e-o-caos-juridico-26102016 
>. Acesso em 08 de dezembro de 2016.
[10] Art. 6°. Na interpretação desta Lei serão levados em conta, além dos 
fundamentos, princípios e objetivos previstos, a natureza da internet, seus usos 
e costumes particulares e sua importância para a promoção do desenvolvimento 
humano, econômico, social e cultural.
[11] LIMA, Caio César Carvalho. Garantia da Privacidade e Dados Pessoais à Luz 
do Marco Civil da Internet. In: LEMOS, Ronaldo; LEITE, George Salomão (Org.). 
Marco Civil da Internet. São Paulo: Atlas, 2014. p. 153.
[12] NORI, Fabio. A Guarda dos Registros de Conexão e dos Registros de Acesso às 
Aplicações no Marco Civil. In: LUCCA, Newton de; SIMÃO FILHO, Adalberto; LIMA, 
Cíntia Rosa Pereira de. Direito & Internet III – Tomo II. São Paulo: Quartier 
Latin, 2015. p. 180.
[13] GIOVA, Giuliano. Marco Civil e endereços na Internet inviabilizam produção 
de provas. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2014-jul-12/giuliano-giova-marco-civil-enderecos-internet-inviabilizam-provas. 
Acesso em 08 de dezembro de 2016.
[14] Disponível em <http://www.anatel.gov.br/Portal/verificaDocumentos/documento.asp?numeroPublicacao=325769&assuntoPublicacao=null&caminhoRel=null&filtro=1&documentoPath=325769.pdf>. 
p. 14.
[15] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo de Instrumento 
2206954-25.2015.8.26.0000. Agravante: Google Brasil Internet Ltda.; Agravado: 
Itaú Unibanco S.A. Relator Desembargador Paulo Alcides. São Paulo, 12 de maio de 
2016.
[16] Disponível em http://nic.br/noticia/na-midia/esgotamento-dos-enderecos-ipv4-acirra-tensoes-entre-teles-e-nic-br/. 
Acesso em 13 de dezembro de 2016.
[17] Art. 18. O provedor de conexão à internet não será responsabilizado 
civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiro.
[18] Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência 
de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos 
relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou 
inadequadas sobre sua fruição e riscos.
[19] Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas 
as vítimas do evento.