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Leia na 
Fonte: Conjur - Consultor Jurídico
[26/12/16] 
O Marco Civil da Internet se consolida nos tribunais brasileiros - por Omar 
Kaminski
Omar Kaminski é advogado e consultor, gestor do Observatório do Marco Civil 
da Internet, membro especialista da Câmara de Segurança e Direitos do Comitê 
Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e diretor de Internet da Comissão de 
Assuntos Culturais e Propriedade Intelectual da OAB/PR.
Neste ano um tanto quanto atípico e conturbado, acompanhamos a consolidação da 
Lei 12.965/2014, também chamada de “Constituição da Internet” no ordenamento 
jurídico pátrio. Não apenas isto, verificamos sua crescente influência sobre 
iniciativas de outros países, sendo considerado um instrumento legislativo 
inovador para reconhecer direitos digitais e citado como paradigma em termos de 
engenharia legislativa participativa. Em vista disto, optamos em desenvolver 
esta retrospectiva estritamente sobre o tema Marco Civil da Internet (MCI).
Uma das principais novidades do ano foi o Decreto 8.771/2016, de 11 de maio e 
com vacatio legis de 30 dias, portanto com vigência a partir de 10 de junho, que 
regulamentou o MCI “para tratar das hipóteses admitidas de discriminação de 
pacotes de dados na internet e de degradação de tráfego, indicar procedimentos 
para guarda e proteção de dados por provedores de conexão e de aplicações, 
apontar medidas de transparência na requisição de dados cadastrais pela 
administração pública e estabelecer parâmetros para fiscalização e apuração de 
infrações”. Porém, o Decreto ainda tem sido muito pouco observado e aplicado 
pela jurisprudência, com não muito mais que algumas dezenas de citações até o 
presente.
Gigantes no polo passivo
Google e Facebook somados continuam os principais “fregueses” da Lei, com mais 
de 90% das ocorrências no polo passivo, sendo que grande parte diz respeito a 
pedidos de remoção de conteúdos supostamente ilícitos da rede social ou de 
desindexação de resultados do motor de buscas.
Neutralidade em xeque
As linhas mestras do MCI são a defesa da liberdade de expressão, da privacidade 
e da neutralidade de rede, esta como um novel princípio ainda não 
suficientemente compreendido, mas já bastante ameaçado pelo chamado zero rating 
(acesso “gratuito” a determinados serviços) das operadoras de telefonia móvel, 
especialmente após o esgotamento das franquias ou na forma de promoções.
A ameaça mais recente se dá pelos representantes republicanos na Comissão 
Federal de Comunicações (FCC) no novo governo norte-americano de Donald Trump, 
não muito simpáticos a esse princípio consolidado sob as bênçãos do democrata 
Barack Obama, fazendo acender a luz amarela para os simpatizantes e defensores.
Alterações à vista?
Somam-se até o momento 42 projetos de lei (35 na Câmara e 7 no Senado) na busca 
por modificações na lei do Marco Civil, dos quais 31 (26 na Câmara e 5 no 
Senado) em 2016.
Boa parte visa regular ou mesmo proibir iniciativas que se traduzam na limitação 
de franquias de dados na telefonia móvel ou mesmo na banda larga fixa. Ou seja, 
busca-se manter o acesso ilimitado como modelo de negócios ao menos na versão 
desktop, e proibir a redução de velocidade ao término da franquia nos 
smartphones, tablets e quiçá nos smart watches, ou relógios de pulso conectados.
A Anatel acabou por convocar consulta pública sobre a franquia na banda larga 
fixa em 14 de novembro, para entender melhor a opinião da sociedade e ajudar na 
tomada de uma decisão final sobre o assunto. Até sua conclusão as franquias 
seguem suspensas no país.
Além disso, o legislativo federal vem demonstrando sua preocupação com as 
medidas coercitivas adotadas para o cumprimento de determinações judiciais, por 
meio de decisões drásticas que suspendam ou mesmo interrompam serviços ou 
aplicativos. Um dos projetos prevê que tais medidas só se verifiquem após 
decisão colegiada.
Um dos projetos de lei mais preocupantes sob o ponto de vista da liberdade de 
expressão é o PL 1.589/2015, apensado ao PL 215/2015, que quer tornar mais 
rigorosa a punição dos crimes contra a honra “cometidos mediantes 
disponibilização de conteúdo na internet ou que ensejarem a prática de atos que 
causem a morte da vítima”. Teme-se que acabe sendo usado especialmente para a 
prática de censura, mas não parece guardar a razoabilidade necessária para ser 
aprovado.
Jurisprudência
Na disputa entre a liberdade de expressão e o direito à honra, este tem 
prevalecido com alguma vantagem. Boa parte das medidas cautelares ou 
antecipatórias tem conseguido o intento, que é bloquear, limitar ou remover 
conteúdos supostamente ofensivos.
Para isto, o artigo mais utilizado é o 19 e seu § 1º, que exigem “ordem judicial 
específica” em detrimento à simples notificação extrajudicial (notice and take 
down) para tornar indisponível os conteúdos apontados como infringentes, bem 
como a “indicação clara e específica” que permita a “localização inequívoca” do 
material sub judice.
A “indicação clara e específica” tem sido considerada pela jurisprudência 
majoritária como sendo a URL (de Universal Resource Locator), algo não muito 
fácil de obter em determinados casos, como em celulares, o que faz com que tal 
necessidade tenha sido relativizada, desde que realizada a individualização 
precisa do conteúdo por outros meios descritivos ou métodos. No caso de vídeos e 
fotos, a data de publicação, nome da página ou site, e outras informações 
suficientes para sua correta identificação.
Em algumas decisões isoladas têm-se que o ônus da localização do conteúdo 
específico caberia simplesmente ao provedor de aplicações por dominar a 
tecnologia empregada. A jurisprudência, portanto, se divide, mas tem prevalecido 
a necessidade de indicação da URL, conforme já decidiu o STJ em mais de uma 
oportunidade: ”em se tratando de provedor de conteúdo, o cumprimento do dever de 
remoção de conteúdo considerado ofensivo fica condicionado à indicação pelo 
ofendido da URL da página em que estiver inserido”. Só não deverá ser indicada, 
portanto, se não houver como obtê-la.
Não surpreende nem um pouco a crescente utilização destes dispositivos legais 
por nossos representantes populares, leia-se políticos, que cada vez mais buscam 
remover notícias ou comentários considerados por eles como desabonadores. Nem 
sempre com sucesso (ainda bem!), tendo em vista o reconhecimento do interesse 
público envolvido e a própria liberdade de expressão, se exercida com bom senso.
Outra questão que foi bastante debatida durante o ano, especialmente na 
jurisdição paulistana (com raríssimas exceções), é quanto à obrigação de 
fornecimento de determinados dados específicos que permitam a identificação do 
usuário. Entre estes, conforme advogam alguns, a chamada “porta lógica de 
origem”, que não encontra previsão ao menos literal no artigo 5º, VIII ou no 
artigo 15 mas, defendem, em “outras informações” previstas no § 1º do artigo 10.
A jurisprudência mais uma vez se divide, com clara prevalência na desnecessidade 
de armazenamento de tais portas lógicas, “gambiarras” do datado e lotado IPv4 (e 
em franca transição para o IPv6, ainda que demorada e não obrigatória, exceto na 
Intranet da Administração Pública Federal), sendo admitido o armazenamento, 
quando muito, apenas aos provedores de conexão e não aos de aplicações.
Com precedentes da Quinta e Sexta Turma do STJ, o entendimento da ilicitude da 
devassa de dados e de conversas de WhatsApp em celulares apreendidos, sem que 
tenha havido prévia autorização judicial, têm tomado forma no juízo criminal 
singular em sede de Habeas Corpus. O MCI assegura o direito à “inviolabilidade e 
sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na 
forma da lei” (artigo 7°, II), e, especialmente, a “inviolabilidade e sigilo de 
suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial” (artigo 7º, 
III). Por isso, sem que haja prévia ordem judicial, a prova obtida está sendo 
considerada como ilícita (artigo 157 do CPP), assim como também as suas 
derivações (§ 1º).
E discussões envolvendo a legalidade do exercício de transporte com base no 
aplicativo chamado Uber também ganharam os Tribunais, sendo frequentemente 
citado o artigo 2º, V do MCI, que defende como fundamentos da disciplina do uso 
da Internet no Brasil “a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do 
consumidor”.
Situações anômalas
Temos notado também algumas questões anômalas, como a aplicação do Marco Civil a 
fatos pretéritos à sua vigência, ferindo o princípio da legalidade (artigo 5º, 
II da CF); e a determinação de segredo de justiça em situações não totalmente 
amparadas legalmente, ou quando amparadas, verificando-se a publicação de 
despachos e decisões na íntegra, inclusive e especialmente citando o nome 
completo das partes em seu corpo, nos Diários da Justiça – e com isso indexadas 
nos buscadores, trazendo óbvios prejuízos às partes e a necessidade de se buscar 
amparo judicial motivado por ato displicente do próprio judiciário (!), que pelo 
visto continua pensando analogicamente em muitos casos.
E já que adentramos nesta seara, há sites de Tribunais onde a obtenção de 
jurisprudência, ferramenta basilar do operador do Direito, é especialmente 
dificultosa e nada intuitiva, acumulando dois ou três sistemas diferentes e nem 
sempre plenamente funcionais.
Urge a necessidade de algum grau de padronização, prevista inclusive na Lei nº 
11.419/06, de informatização do processo judicial, que acaba de completar dez 
anos, mas que continua trazendo mais dúvidas, problemas e dificuldades do que 
soluções, especialmente do ponto de vista tecnológico e da segurança da 
informação.
Audiência Pública no STF
Tendo em vista a decisão (e não foi a única, nem primeira), de suspensão 
judicial do aplicativo WhatsApp pelo juízo da longínqua comarca de Lagarto, no 
Sergipe, no início de maio e por 72 horas (logo em seguida cassada pelo TJSE em 
sede de Mandado de Segurança), gerando reações coléricas por parte dos usuários, 
o STF houve por bem em expedir convocação conjunta para a realização de 
audiência pública simultânea com especialistas e interessados, muito 
provavelmente em algum momento de 2017.
A convocação conjunta é o resultado (até então) do ajuizamento de Ação de 
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) por partido político, além da 
propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade dos artigos 10, § 2º, e 12, 
III e IV do MCI, também por partido político, objetivando “ver declarada a 
inconstitucionalidade da penalidade de suspensão temporária e de proibição de 
exercício das atividades, decorrente de descumprimento de ordem judicial”. 
Lembrando que o WhatsApp vem sendo utilizado inclusive para a realização de 
acordos na esfera trabalhista.
Prova de fogo
A audiência pública no STF será, muito provavelmente, a verdadeira prova de fogo 
do Marco Civil da Internet em seus dois anos e meio de vigência. Fora isso, e 
sob o ponto de vista genérico e popular, uma das principais dificuldades 
práticas tem sido conseguir sobrepujar a noção popular errônea de que o MCI se 
revelou uma lei concebida para viabilizar a prática da censura ou com pendões 
ditatoriais. Ao nosso ver, embora não seja uma lei perfeita, pelo contrário.
Mas a desinformação se mostrou bastante eficaz neste aspecto, especialmente por 
se tratar de lei oriunda de um Poder Executivo não mais em exercício e bastante 
desacreditado, após sucessivas manifestações públicas convocadas por seus 
detratores.
Observando o Marco Civil
Com vistas a tudo isto foi criado o Observatório do Marco Civil da Internet, que 
completa dois anos de funcionamento no final de janeiro de 2017 e que reúne até 
o momento 127 casos que ganharam o Judiciário, criteriosamente selecionados 
entre despachos, sentenças e acórdãos dos mais diversos Tribunais pátrios, dos 
quais 55 já se encontram comentados por experts convidados.
Além da jurisprudência selecionada, notícias oficiais, vídeos, projetos de lei e 
uma linha do tempo dos principais acontecimentos que marcaram nossa 
“Ciberconstituição” desde sua concepção.