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Fonte: Época
[26/02/16]
Devemos aceitar a internet grátis do Facebook?
Demi Getschko responde "Sim"
Para Demi Getschko, membro do Comitê Gestor da Internet, proibir o acesso grátis
ao Facebook equivale a proibir o bacon. É uma tentativa de tutelar o usuário
Marcelo Moura entrevista Demi Getschko
A Índia proibiu em fevereiro o Internet.org, projeto de democratização digital
que o Facebook já implantou em 38 países, como Panamá e Indonésia. O projeto é
criticado por ferir a neutralidade de rede, ao tornar livre apenas o acesso a
uma parte específica da internet: a parte do Facebook e seus parceiros.
Derrotado na Índia, o Facebook pode se voltar a outro país democrático,
emergente e de telecomunicações precárias — o Brasil. Fundador da empresa, Mark
Zuckerberg conversou com a presidente Dilma Rousseff em abril de 2015. A
presidente manifestou apoio ao Internet.org, apesar de ele ferir o Marco Civil
da Internet, que ela própria assinou.
ÉPOCA – O Brasil deve agir como a Índia, que proibiu o projeto Free Basics do
Facebook?
Demi Getschko – Proibir algo na internet é muito perigoso, difícil de
implementar e, provavelmente, não é boa ideia. Me incomoda esse termo “proibir”,
porque parece que alguém está querendo tutelar o usuário. É como dizer: “Essas
coisas não são boas para a saúde, não coma bacon”... Claro que bacon não faz bem
à saúde, mas daí a proibir o bacon vai uma longa distância. Todo tipo de serviço
na internet tem seu espaço e serão os internautas que o farão tornar-se um
sucesso ou, simplesmente, o abandonarão, como tantos projetos que morreram.
ÉPOCA – O Free Basics é um projeto filantrópico de internet grátis?
Getschko – Tenho dúvidas pessoais sobre “filantropias” em geral. É difícil
encontrar uma que seja realmente. Etiquetar o projeto do Facebook como acesso
livre à internet é uma falácia, um engano. Ele dá acesso a apenas um pedaço da
rede. Quando se fala de neutralidade, não nos referimos a sites específicos, mas
à liberdade de ir a qualquer um. E é preciso esclarecer se o Free Basics é uma
coleção de sites, um provedor de acesso ou um acordo entre alguns sites e
provedores de acesso. Isso precisa ficar claro.
ÉPOCA – O Free Basics fere o princípio de neutralidade de rede previsto no Marco
Civil?
Getschko – Não há sentido em falar de neutralidade se nos referimos a um site ou
a um conjunto deles. Nenhum site é neutro em si. A internet tem uma porção de
serviços limitados. Alguns podem mesmo ser gratuitos ou serem pagos pelo “lado
de lá”. Você pode acessar de graça seu banco, num aplicativo, e não ter acesso
ao resto da internet a partir dali. Os destinos não são neutros. A rede, o
caminho, precisa ser. Na internet móvel, você contrata um pacote de dados e é
livre para usá-lo, como quiser, até o último byte. É como se ele fosse uma
garrafa de água. Se lhe oferecem copinhos de graça pelo caminho, tudo bem. Ajuda
a economizar sua água. Ferir a neutralidade seria impedir você de beber sua
garrafa do jeito que você quer. Se um provedor de acesso oferecer a iniciativa
do Facebook como se fosse acesso à internet global, esse acesso seria parcial e,
portanto, não neutro.
ÉPOCA – O Free Basics inibe a concorrência?
Getschko – Não acho que o Facebook grátis impeça o surgimento de outras redes
sociais, porque a dificuldade maior não está no acesso, mas na dimensão que ele
ocupou no mercado. É uma realidade que deve ser encarada. Acho inadequado usar
esse argumento para proibir algo.
ÉPOCA – A presidente Dilma vestiu o moletom do Facebook, ao conversar com Mark
Zuckerberg. Podemos ver o projeto como política pública de democratização
digital?
Getschko – Sou a favor de empresas oferecerem o que quiserem, mas, quando um
governo escolhe uma política para o público, ela deve ser adequada, neutra e
ampla. Teria extremo receio em apoiar, como política pública de inclusão
digital, um serviço que oferece acesso a um pedaço da internet. Não me parece
neutro. Uma política pública tem de dar acesso ao universo todo.