WirelessBRASIL |
|
WirelessBrasil --> Bloco Tecnologia --> Crimes Digitais, Marco Civil da Internet e Neutralidade da Rede --> Índice de artigos e notícias --> 2016
Obs: Os links originais das fontes, indicados nas transcrições, podem ter sido descontinuados ao longo do tempo
Leia na
Fonte: Conjur - Consultor Jurídico
[18/06/16]
Repercussões práticas da regulamentação do Marco Civil da Internet - por
José Eduardo Pieri e Rebeca Garcia
Quase dois anos após entrar em vigor o Marco Civil da Internet, e depois de duas
consultas públicas, foi editado o Decreto 8.771, de 11/5/2016. Em vigor desde 10
de junho, ele tem por foco a neutralidade da rede e a proteção a registros,
dados pessoais e comunicações privadas.
A questão da neutralidade tem crucial repercussão sobre acordos comerciais entre
empresas de telecomunicação e provedores de aplicações. É que o decreto proíbe
acordos que comprometam o caráter público do acesso à internet, priorizem
pacotes de dados em razão de arranjos comerciais, ou privilegiem aplicações
ofertadas pelo próprio responsável pela transmissão, comutação ou roteamento ou
por empresa de seu grupo econômico. Não fica claro se a proibição abrange
práticas como o zero rating — de não cobrar do usuário por serviços ou
aplicações específicos em planos limitados de dados.
O decreto trouxe regras importantes sobre proteção de dados, a começar pela
introdução de uma definição de dado pessoal e tratamento de dados — que ainda
não era expresso em lei no Brasil. Agora, dado pessoal é considerado o dado
“relacionado à pessoa natural identificada ou identificável, inclusive números
identificativos, dados locacionais ou identificadores eletrônicos, quando estes
estiverem relacionados a uma pessoa”, e tratamento de dados pessoais, “toda
operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta,
produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão,
distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação
ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou
extração” (artigo 14, I e II).
No cenário ainda carente de uma lei de proteção de dados, é um passo notável, de
repercussões práticas imediatas, como a necessidade de rever termos de serviço e
políticas de privacidade para avaliar se estão em linha com a nova orientação e
ajustá-los, se for o caso — por exemplo, para tornar clara ou prever obtenção de
consentimento para uso de dados de localização do usuário.
O decreto também impõe deveres que impactam a extensão e duração do tratamento
de dados. Os provedores de conexão e de aplicações devem reter a menor
quantidade possível de dados pessoais — é razoável supor que a quantidade será
avaliada à luz da finalidade que justificou a coleta e o uso. E devem excluí-los
uma vez atingida a finalidade de seu uso, ou encerrado prazo determinado por
obrigação legal.
Os provedores devem também adotar diretrizes sobre padrões de segurança na
guarda, armazenamento e tratamento de dados e comunicações privadas: controle
estrito sobre o acesso; previsão de mecanismos de autenticação de acesso;
criação de inventário dos acessos; e uso de soluções de inviolabilidade dos
dados, como encriptação. Além do ônus de implementar tais medidas, pode haver
impacto sobre termos e políticas dos provedores, ou ao menos sobre seus sites,
já que as informações sobre os padrões adotados devem ser divulgadas de forma
clara e acessível, de preferência nos sites dos provedores — e tais documentos
podem ser opção útil de meio de divulgação.
O decreto não é expresso sobre o grau de obrigatoriedade das diretrizes, mas,
considerando-se a fiscalização a ser exercida, inclusive na defesa do
consumidor, a implementação é recomendada — o que pode ter repercussões
financeiras e técnicas. Segundo o decreto, a fiscalização contará com a atuação
de diferentes órgãos, a depender da natureza das infrações: Anatel, Secretaria
Nacional do Consumidor e Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, que
atuarão colaborativamente, à luz das diretrizes do Comitê Gestor da Internet no
Brasil.
O decreto dá importante passo para usuários, provedores e empresas que se valem
da internet para desenvolver e criar negócios — traz mais luz a um ambiente que
ainda carece de uma lei de proteção de dados e de maior segurança jurídica.
Aliás, poucos dias após publicado o decreto, o anteprojeto de lei de proteção de
dados pessoais, desenvolvido no âmbito do Ministério da Justiça desde 2010 e
objeto de consultas e debates, foi enviado ao Congresso com urgência
constitucional — isto é, Câmara e Senado terão 45 dias cada um para apreciar a
matéria.
O decreto deixa também incertezas, não só pela amplitude de conceitos ou por
manter abertos temas como critérios de aplicação de sanções, mas por ser mesmo
novidade. Seu esclarecimento dependerá, sobretudo, do amadurecimento pela
prática comercial e jurídica, incluindo a interpretação a ser dada pelos
tribunais. Uma coisa é certa: as repercussões da regulamentação são diversas e
relevantes, e já estão na ordem do dia de usuários e empresas.