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Fonte: Band / Colunas
[12/05/16]
Tchau, Zero Rating - por Mariana Mazza
Neste dia turbulento na política brasileira, com o afastamento da presidente
Dilma Rousseff e a assunção de Michel Temer ao comando do país, o setor de
telecomunicações teve sua cota de emoções específicas. Em edição extra do Diário
Oficial da União, Dilma tirou da gaveta uma série de medidas que há tempos
maturavam. Entre elas, a aguardada regulamentação do Marco Civil da Internet. O
decreto 8.771, de 11 de maio de 2016, fecha o processo de esclarecimento da
aplicação do Marco Civil no mundo prático. E trouxe algumas boas notícias para
os grupos que temiam uma regressão nos parâmetros mais progressistas da lei que
rege as relações na Internet no Brasil.
A decisão mais relevante é a proibição do chamado zero rating ou acesso
patrocinado. O zero rating é um tipo de acordo entre empresas onde elas
patrocinam um acesso gratuito, porém limitado, a determinados aplicativos. O
maior representante dessa prática mundo afora é o FreeBasics.com - novo nome
para o Internet.org - encabeçado pelo Facebook. Esse projeto propõe distribuir
um acesso básico a aplicativos e páginas dos patrocinadores de forma gratuita à
população.
Se é a primeira vez que você ouve falar de zero rating, a descrição pode dar a
impressão de que essa prática é positiva. Qual o problema de fornecer acesso
patrocinado para a população, especialmente os grupos de menor poder aquisitivo?
O conflito é que esses acessos por meio das práticas de zero rating são
extremamente limitados. É de graça apenas para navegar nas páginas das empresas
que patrocinam esses acordos. E isso fere o princípio da neutralidade de redes,
pedra-de-toque de todos os avanços criados no Marco Civil da Internet.
A neutralidade de redes é o princípio que proíbe qualquer discriminação na
navegação pela web. Ao limitar o acesso a páginas e aplicativos específicos, o
zero rating discrimina o internauta supostamente beneficiado por esses pacotes,
na medida em que esses clientes não terão acesso à totalidade da Internet, mas
apenas à uma minúscula fatia do que a web pode oferecer.
Além disso, práticas como o zero rating abrem espaço para uma discriminação na
própria rede, pois gera um cenário tentador para a adoção de medidas que
privilegiem o tráfego nesses aplicativos e sites patrocinados em detrimento de
outros de igual natureza e que não pagaram aos provedores para serem entregues
com privilégio aos clientes.
O bloqueio legal às práticas de zero rating está no artigo 6o do decreto: "Para
a adequada prestação de serviços e aplicações na Internet, é permitido o
gerenciamento de redes com o objetivo de preservar sua estabilidade, segurança e
funcionalidade, utilizando-se apenas de medidas técnicas compatíveis com os
padrões internacionais, desenvolvidas para o bom funcionamento da Internet, e
observados os parâmetros regulatórios expedidos pela Anatel e consideradas as
diretrizes estabelecidas pelo CGI.br". Traduzindo: as empresas não podem adotar
nenhum medida para manipular o livre acesso à totalidade da Internet, a não ser
que haja uma justificativa técnica para esse gerenciamento. Medidas comerciais -
como o zero rating - que manobrem o acesso estão proibidas por extensão. Tchau,
zero rating.
Há um outro aspecto marcante neste parágrafo, reforçado em outros itens do
decreto: a consolidação do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) como
centro do qual emanam as análises para solução de eventuais controvérsias
envolvendo a gestão da web brasileira. Esse é um detalhe importante, já que
havia uma disputa visceral entre o CGI.br e a Anatel nesta questão. Na leitura
do decreto fica claro que o CGI.br venceu essa queda de braço. O que é uma boa
notícia, especialmente neste momento em que a imagem da Anatel está bastante
desgastada por conta da controvérsia envolvendo a tentativa das empresas de
mudarem o método de venda de pacotes de banda larga.
Alguns tipos de acesso patrocinado podem sobreviver ao veto da regulamentação do
Marco Civil. É o caso, por exemplo, da parceria entre WhatsApp com a operadora
móvel TIM, em que o uso do aplicativo é gratuito para os clientes da companhia.
Para entender porque esse tipo de acordo continua sendo possível e outras
iniciativas, como o FreeBasics.com, estão proibidas é preciso analisar o
ambiente em que esse acordo está inserido.
No caso do acordo WhatsApp/TIM o que ocorre é que a franquia de dados contratada
pelo consumidor não é consumida quando ele usa o aplicativo. O acesso à Internet
continua pleno, apesar do acordo de patrocínio para a oferta de um serviço
específico de forma gratuita. O que muda é que, ao acessar qualquer outro
aplicativo ou página na web a franquia é consumida.
Reparem que esse tipo de acordo só é vantajoso para a empresa patrocinadora
graças ao modelo de venda de acesso por franquia. Fosse a oferta feita por
velocidade como ainda ocorre na banda larga fixa - não haveria vantagem alguma
para o WhatsApp patrocinar um acesso "gratuito" ao seu serviço. Sendo assim,
apesar de o princípio de acesso patrocinado do WhatsApp ser o mesmo de seu irmão
FreeBasics.com - lembrem-se que ambos pertencem ao Facebook -, o primeiro não
restringe a possibilidade de acesso amplo à Internet, enquanto o segundo sim.
Por isso a discussão sobre o modelo de comercialização da banda larga é tão
relevante. Esta é a última fronteira para assegurar completamente que nenhuma
discriminação seja praticada no acesso à Internet.
A edição do decreto regulamentando o Marco Civil é mais um passo para consolidar
as regras pioneiras adotadas pelo Brasil para reger o uso da Internet de forma a
preservar a liberdade de expressão e a multiplicidade de conteúdos na web. Assim
como a disputa entre empresas e consumidores sobre o modelo de venda de banda
larga no Brasil, outras ameaças às regras estabelecidas no Marco Civil continuam
existindo. Projetos que pretendem assegurar o direito de bloquear sites e
aplicativos já tramitam no Congresso Nacional. A regulamentação do Marco Civil,
que foi amplamente discutida com diversos setores da sociedade antes de ser
editada, é uma importante ferramenta para a proteção do livre acesso à Internet,
mas não encerra a fatura.