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Fonte: O Globo
[20/05/16]
Deixem o Marco Civil em paz - por Pedro Doria
Limite para a internet fixa, que as teles continuam a pedir, será uma bofetada
no cidadão e um aumento de custo absurdo para as empresas
Nos últimos dias antes de ser afastada do governo, a presidente Dilma Rousseff
assinou papéis de todo tipo e em quantidade. Uns eram coisas importantes que ela
já devia ter assinado há muito, mas não o fizera. Outros são lances de sabotagem
para emperrar o governo de seu vice. É fundamental distinguir um tipo de papel
do outro. Ali no meio está a regulamentação para o Marco Civil da Internet.
Pessoas ligadas ao presidente interino, que na última semana plantaram todo tipo
de ideia na imprensa, já sugeriram repensar esta lei.
Quem pressiona são as empresas de telecomunicações, que não gostam da lei da
internet. Para o resto do Brasil, porém, é uma lei padrão Primeiro Mundo.
O problema das teles está na banda larga fixa que alimenta empresas e
residências. Hoje, pagamos todos um quinhão pela velocidade de rede que
escolhemos. Quanto mais rápido, mais caro. As empresas querem incluir um custo a
mais. Teremos um limite de download, como ocorre no celular. Gastou tudo lá pelo
dia 20, paga mais ou fica sem. Em casa, adeus Netflix, GloboPlay. Empresas que
precisam de tráfego intenso e constante de dados terão seu custo aumentado. Em
plena crise.
Não é que o serviço seja honesto. A velocidade média e a qualidade da banda
larga no Brasil estão muito abaixo do padrão europeu, americano, japonês,
coreano e até mesmo chinês. Além disso, uma regulamentação feita de mãe para
filho pela Anatel fixa como mínimo de entrega 10% da velocidade contratada. Quem
paga 20Mbps e só recebe 2Mbps não pode reclamar. Acontece muito.
A história de como o Marco Civil foi aprovado na Câmara dos Deputados se
confunde com o momento político que vivemos. Quando ainda era Líder do PMDB na
Casa, Eduardo Cunha começou a reunir um grupo de parlamentares ao seu redor para
derrubar a lei que terminou aprovada. No início de sua extensa carreira, ele
havia sido presidente da Telerj, ainda estatal. Na última eleição, Cunha recebeu
uma doação oficial e R$ 900 mil da Telemont, empresa que fornece serviço para
todas as teles.
Naquela briga, Cunha perdeu por três motivos. O primeiro foi que partidos de
oposição, como o PSDB, compreenderam que, como estava a lei, ela assegurava
direitos essenciais a todos os brasileiros no século XXI. Em segundo porque,
entre finais de 2013 e princípios de 2014, o principal líder de seu partido,
Michel Temer, não queria uma briga com o PT. Queria permanecer candidato a vice,
afinal. E, em terceiro, porque mais ou menos naquela época explodiu a história
da espionagem digital americana no Brasil. A lei trazia artigos importantes para
a defesa do país.
Aquele grupo de deputados, no entanto, serviu mais tarde de base para que Cunha
se tornasse presidente da Câmara, foi fundamental no processo de impeachment e,
hoje, torna-se o novo Centrão que ora ameaça, ora serve de base, para o governo
interino.
O Marco Civil não voltará para a Câmara, e aqueles deputados não tocarão nele.
Quem pode modificá-lo é o presidente da República, através da regulamentação.
Acaso seja confirmado na Presidência ao final do julgamento no Senado, Michel
Temer terá muitas brigas por comprar. Reformas, claro, mas principalmente
reencaminhar o país para um tipo de gestão econômica que permita o crescimento.
O risco não poderia ser mais sério: é o de terminarmos a segunda década do
século com o mesmo PIB com que começamos. Seria uma tragédia.
As teles já são consideradas as piores concessionárias de serviços públicos no
Brasil. Aumentar o custo da internet, ainda mais em meio a uma crise, não será
apenas uma bofetada na cara do cidadão mal atendido. Será, também, um aumento de
custo absurdo para todos os setores da economia que dependem de informação. Ou
seja, todos os setores que representam o futuro do Brasil.