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Leia na Fonte: Época
[25/05/16]  "Neutralidade e liberdade da internet receberam três ataques justamente dos Três Poderes da República" - por Eve Chaurand e Lucas Pretti

Por uma internet das pessoas

Eve Chaurand é advogada-geral da Change.org, baseada em San Francisco (EUA)
Lucas Pretti é jornalista e diretor-geral da Change.org no Brasil, baseado em São Paulo.

Internet livre e acessível é fundamental para a liberdade de expressão. Nesse sentido, proteger plataformas de conteúdos permite que pessoas exponham opiniões sem risco de censura. Houve um tempo em que políticas públicas de internet no Brasil estavam entre as mais avançadas. O país é uma das poucas democracias que se esforçam para implementar os Princípios de Manila – políticas de responsabilização dos intermediários on-line – e que exigem ordem judicial para remoção de conteúdo. O Brasil teve software livre em quase todas as instâncias do governo federal, rede social para articulação política, ministro hacker – Gilberto Gil à frente de ações como Cultura Viva –, a perspectiva do Banda Larga Para Todos e o Marco Civil da Internet, colaborativo e inédito ao colocar a internet como um direito.

Recentemente, parece que o jogo virou. A neutralidade e liberdade da internet receberam três ataques justamente dos Três Poderes da República. 1) Legisladores tentam derrubar o Marco Civil na CPI dos Crimes Digitais. 2) Juiz bloqueia o WhatsApp e prende o executivo do Facebook. 3) Anatel só defende as teles – e não os consumidores – ao sugerir a limitação da banda larga fixa.

Nesse debate, há um ponto ainda pouco explorado: a ameaça ao uso da rede para que cidadãos possam lutar pelo que consideram importante. Como gestores da maior plataforma de abaixo-assinados do mundo, não podemos ignorar o risco a nossa missão: empoderar pessoas, em qualquer lugar, a promover as mudanças em que acreditam. Após criar uma petição, uma mãe de Rondônia conseguiu o suporte para seu filho com deficiência estudar. Uma psicóloga garantiu o serviço para a mãe com Alzheimer andar de avião. Uma transexual fez uma empresa de ônibus emitir seu documento com o nome social. Um pai convenceu a Anvisa a aprovar o canabidiol, de que seu filho precisa. Sem liberdade e neutralidade, essas mobilizações poderiam não ter existido.

Hoje, 150 milhões de pessoas em 196 países usam a Change.org para criar petições e pressionar quem tem o poder de decidir. Cada assinatura gera um e-mail, com uma efetividade indiscutível: registramos a “vitória” de um abaixo-assinado a cada hora. No Brasil, são 7 milhões de usuários e mais de 250 pedidos atendidos. Em sua maioria, essas campanhas são iniciadas por cidadãos comuns, que não têm outra maneira de conseguir que suas vozes sejam ouvidas ou mesmo obter a atenção de governos e grandes empresas. Se não fôssemos protegidos por normas de responsabilização, seríamos forçados a remover conteúdo do criador da mobilização ao primeiro sinal de ação judicial. Com as leis atuais, temos condição de lutar para proteger a liberdade de expressão de nossos usuários. As mudanças em curso colocam essas possibilidades em perigo.

Ao mesmo tempo, estamos orgulhosos das pessoas que usam a plataforma. Nas últimas semanas, muitas se engajaram para defender a internet no Brasil. Dois abaixo-assinados criados pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS-Rio) mobilizam inclusive a comunidade internacional. O criador do Facebook, Mark Zuckerberg, se uniu à campanha. Outra petição, criado pelo gaúcho Sérgio Girardello, pressiona a Anatel para não acabar com a banda larga ilimitada.

Por isso, nós nos opomos abertamente às ameaças que a internet vem sofrendo num país de importância global como o Brasil. Rediscutir o Marco Civil e relativizar avanços como banda larga fixa ilimitada e a liberdade de expressão são retrocessos impensáveis.