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Leia na Fonte: Convergência Digital
[28/11/16]  Marco Civil da Internet – Pega ou não pega? - por Flávia Lefèvre

Em junho de 2014 foi editada a Lei 12.965 – o Marco Civil da Internet (MCI) – como resultado de uma construção democrática sem precedentes no país, com a participação de todos os agentes envolvidos. Agora, em maio deste ano, foi editado o Decreto 8.771/2016; também precedido de quatro consultas públicas: uma instaurada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br); outra pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) e mais duas pelo Ministério da Justiça.

A lei, considerada um modelo internacionalmente, determinou que a governança da Internet deve se dar de forma multiparticipativa, transparente, colaborativa e democrática, com a participação do governo, do setor empresarial, da sociedade civil e da comunidade acadêmica” de modo a se promover a “racionalização da gestão, expansão e uso da internet, com participação do CGI.br”.

E o decreto que regulamenta esta lei, ao definir quais são os órgãos públicos envolvidos no cumprimento dos direitos e obrigações estabelecidos pelo MCI – ANATEL, Secretaria de Defesa do Consumidor (SENACON) e Conselho Administrativo de Direito Econômico (CADE), estabeleceu que a atuação deveria ser colaborativa, levando em conta diretrizes estabelecidas pelo CGI.br.

Ocorre que uma série de direitos decisivos para a utilização racional da Internet no Brasil têm sido impactados por práticas comerciais implementadas pelas maiores provedoras de conexão a Internet desde janeiro de 2015, sem que haja um pronunciamento consequente e tempestivo por parte do CGI.br.

Por outro lado, a ANATEL, cuja atribuição é tratar de telecomunicações, estando expressamente excluída por lei sua atuação no campo dos serviços de valor adicionado, como é o caso do serviço de conexão a Internet e os serviços de aplicações e conteúdos, não demora em sempre se pronunciar a respeito de temas críticos para os consumidores, tais como limite de franquia de dados, com bloqueio ao acesso à internet e privilégio e discriminação de aplicações, pela prática da tarifa zero.

E estes pronunciamentos têm sido sempre contra os interesses dos consumidores. Dois exemplos: no início de 2015, quando as operadoras móveis mudaram a prática dos planos de acesso a Internet, passando a interromper o provimento ao final do volume de dados com acesso a aplicações definidas por acordos comerciais, pronunciou-se no sentido de que a prática ela legal, na medida em que bastaria um aviso unilateral por SMS com antecedência de trinta dias para que as condições de uso do serviço fossem alteradas; e agora, mais escandaloso ainda, foi noticiado que, em processo instaurado pelo Ministério Público Federal no CADE para apurar a ilegalidade das práticas da tarifa zero nos planos móveis para aplicações como Facebook e WhatsApp, novamente a ANATEL, sem ter qualquer competência legal para tratar deste tema, manifesta-se alegando que esta prática gera efeitos favoráveis ao consumidor.

Além de recentes manifestações de órgãos reguladores na Europa e EUA a respeito da prática conhecida como zero-rating com ponderações a respeito do seu potencial nocivo para direitos concorrênciais, inovação e direitos dos consumidores, o Decreto 8.771/2016, ao especificar questões relacionadas à neutralidade de rede, deixou expresso que ficam vedadas condutas unilaterais ou acordos entre o responsável pelo serviço de conexão a Internet e os provedores de aplicação que “comprometam o caráter público e irrestrito do acesso à internet e que priorizem pacotes de dados em razão de arranjos comerciais; ou privilegiem aplicações ofertadas pelo próprio responsável pela transmissão, pela comutação ou pelo roteamento ou por empresas integrantes de seu grupo econômico”.

Ou seja, a opinião da ANATEL contraria frontalmente o que está disposto tanto no MCI quanto no seu Decreto regulamentador.

Mas, para além da dupla ilegalidade da manifestação da agência de telecomunicações, vale perguntar qual o motivo pelo qual o CADE chamou a ANATEL e não chamou o CGI.br para se pronunciar sobre o tema? E, mais, por que o CGI.br está tão recalcitrante em levar para a sociedade o debate sobre a relevância da governança multiparticipativa e de seu papel de definidor de diretrizes para o uso da Internet no Brasil?

A governança multiparticipativa da Internet é fundamental para a garantia do caráter aberto e democrático da Internet, da liberdade de expressão, para a privacidade e proteção de dados pessoais, valores estes que estão contemplados pela Constituição Federal e pelo MCI e são muito maiores do que a atribuição específica da ANATEL, cuja atuação tem sido focada em aspectos econômicos e na defesa dos interesses das empresas privadas de telecomunicações reguladas por ela e que prestam de forma verticalizada, concentrando negativamente o mercado, o serviço de telecomunicações com o serviço de valor adicionado de conexão a Internet. A sociedade precisa decidir: vamos ou não vamos dar consequência ao Marco Civil da Internet?